Para debater sobre a luta contra o PL 4162/2019 que, na prática, prevê a privatização do saneamento no país, o ONDAS realizou live, na quarta-feira (3/6), com os especialistas no setor: Abelardo de Oliveira Filho, ex-secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades e ex-presidente da Embasa; José Roberto Lopes Pinto, professor da UNIRIO e integrante do Instituto Mais Democracia; e Sandoval Alves Rocha, ativista pelo direito à água e ao saneamento, principalmente na Amazônia. A mediação foi de Clóvis Nascimento, da coordenação do ONDAS e presidente da Fisenge.
O PL 4162/2019 está em tramitação no Senado desde o final de 2019, quando foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e dispõe sobre mudanças no marco regulatório do saneamento, instituído desde 2007 pela lei 11.445.
Sobre esse PL, Abelardo de Oliveira ressaltou que ele muda substancialmente as leis 11.445/2007 e 8.987/1995 (lei da concessões), e “uma lei ordinária não pode mudar o que diz a Constituição”.
O ex-secretário nacional de saneamento explicou que o PL proíbe a cooperação entre entes federados nos serviços de água e esgoto e veda o contrato de programa, transformando-o em contrato de prestação, e apontou alguns impactos ao setor, caso o PL seja aprovado com sua redação atual. Em sua análise, o projeto de lei irá retirar a autonomia dos municípios e a necessidade de autorização legislativa para se fazer concessões, criando uma insegurança jurídica para o setor. “Também não irá trazer investimentos para o setor, como se observa em municípios que tiveram seus sistemas privatizados, um exemplo disso é Manaus(AM). Aliás, o Banco Mundial, incentivador das privatizações já fez ‘mea culpa’, porque não houve aporte de recursos privados, o dinheiro sempre foi do setor público”, destaca.
Segundo Abelardo, para garantir a universalização do saneamento há necessidade que a lei 11.445/2007 seja totalmente implantada. Só assim será garantido o acesso à água de qualidade para todos, além de garantir recursos financeiros permanentes para se investir no setor de saneamento. Para isso, no entanto, uma das prerrogativas é a revogação da EC 95.
Abelardo alertou, ainda, que é preciso instituir-se o Plano Nacional de Saneamento Rural; estabelecer subsídios para a população mais carente nos moldes do que já existem na energia elétrica e na telefonia; e retornar mecanismos de controle social, como o extinto Conselho das Cidades.
“Quem são os Proprietários do Saneamento no Brasil”
O professor José Roberto Lopes Pinto, autor da pesquisa “Quem são os Proprietários do Saneamento no Brasil”, apresentada em 2018 durante a realização FAMA – Fórum Alternativo Mundial da Água – destacou pontos do seu estudo, que objetiva entender quem controla as concessionárias privadas no país.
Elaborada a partir de dados da ABCON – Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, a pesquisa indica que apenas cinco grupos controlam 85% das concessões dos serviços de água e esgoto passadas à iniciativa privada em 245 municípios (BRK Ambiental – 45%; AGEA – 19%; Iguá – 15%; Águas do Brasil – 7%; GS Inima Brasil – 3;3%).
Para o professor, com esses dados é possível entender quem controla o mercado e mostra o caráter monopolista e concentrado dessas empresas, que inclusive estabelecem consórcios. Ele destacou também o controle do capital estrangeiro, sobretudo dos fundos de investimentos e chama à atenção para a reflexão sobre quais são os interesses desses fundos.
De forma didática, José Roberto explicou que os fundos de investimentos não são instituições bancárias. “São um clube de investidores, pessoas que aplicam, que compram papéis. Essas pessoas não querem saber como vai ser gerada a rentabilidade. Eles querem a remuneração e, se não houver isso, eles saem fora. Não há responsabilidade sobre o investimento, sendo o regime de acumulação financeira”, explicou
O professor continuou sua explicação ressaltando que os fundos de investimentos estão interessados nas tarifas, em acessar o fundo público de crédito subsidiado por bancos estatais e garantir eventuais investimentos, mas excluindo a população das áreas periféricas e de favelas. “Eles só querem investir onde dá mais lucro. A lógica financeira não tem nenhum coágulo de humanidade”, disse.
A experiência de Manaus
Sandoval Rocha enfatizou que o município de Manaus(AM), após 20 anos de gestão privada do saneamento, tem uma cobertura de coleta de esgoto de apenas 12,43%. “53% dos domicílios de Manaus estão em área precária, em aglomerados subnormais como denomina o IBGE, necessitando de saneamento”, afirmou.
Segundo ele, a eficiência apregoada pela gestão da água e do saneamento em Manaus, que passou pela concessão de várias empresas nas duas últimas década, não chegou a população. O contrato de concessão previa que, para os dias de hoje, haveria 98% da cobertura de água e 71% de esgoto. Mas os dados do SNIS mostram que, atualmente, a cobertura de água é de 91% e de apenas 12,43% do esgoto, sendo que o tratamento dos dejetos só chega a um terço desse percentual.
“Não avançou quase nada, depois de muito dinheiro público investido, o que aponta ainda para uma promiscuidade entre o estado e a gestão da iniciativa privada”, destaca Sandoval. Ele questiona, ainda, os dados do SNIS, que são baseados nos dados fornecidos pela própria empresa privada, “porque quem anda pela periferia de Manaus vê que essa cobertura só está no papel”.
Manaus ocupa a 96ª posição entre os 100 maiores municípios acima de 500 mil habitantes, figurando entre os cinco piores do Brasil, segundo o ranking de 2020 do Instituto Trata Brasil.
Sandoval lembrou outro ponto que mostra a ganância pelo lucro das empresas privadas, ao destacar a questão da tarifa social, que só foi implementada em Manaus em 2014, ou seja, sete após a promulgação da lei 11.445/2007. “Mesmo assim, sendo estabelecida somente em 2014, a tarifa social só atende 26 mil das 124 mil famílias que teriam esse direito”, esclareceu.
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