Para que fosse aprovada a lei do novo marco legal do saneamento, que estipula a privatização, houve uma narrativa, principalmente da mídia, de que somente o mercado iria resolver o problema da falta de saneamento e que o governo não poderia resolver. E isso não é verdade. Essa foi a afirmação inicial de Ermínia Maricato, da coordenação do Br Cidades, na live “O direito à cidade e os direitos à água e ao saneamento”, realizada pelo ONDAS em 12/8, seguindo a programação em comemoração aos 10 anos da resolução da ONU sobre os direitos humanos à água e ao saneamento.
Além de Ermínia Maricato, a live contou com a participação de Carmen Silva, conselheira municipal e estadual de Habitação e ativista pelo direito à cidade; Evaniza Rodrigues: militante da União Nacional Por Moradia Popular; e mediação de Orlando Santos Júnior, Professor do Ippur/UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles.
A privatização não irá resolver o problema da falta de acesso à água
Seguindo sua exposição, a professora Ermínia ressaltou que há uma evidência empírica que a privatização não funciona, bastando ver os resultados na Europa, onde agora acontece um processo de reversão.
“A privatização não irá resolver o problema da falta de acesso à água e à coleta e tratamento de esgoto. As empresas privadas vão ficar com o mercado das pessoas que podem pagar pelas tarifas e que não é pequeno, cerca de 30% da população brasileira, e vai sobrar o mercado dos que não podem pagar para o setor público, retirando a possibilidade do estado arrecadar”, disse Maricato.
A professora questionou ainda: “E por que o privado não vai resolver? Porque a solução tem que passar pelas condições de urbanização e moradia”. Ela exemplificou com o caso dos mananciais, essenciais para a produção de água, mas que são ocupados pelas pessoas mais pobres. “A solução é urbanizar. O capital vai controlar essa ocupação das áreas de mananciais, vai resolver o problema de moradia de mais 12 milhões de pessoas que moram em favelas?”
São por essas razões que, segundo a professora, “o problema não é só de falta de água e de esgoto. Não dá para resolver o problema do saneamento sem um projeto transversal que passe pela urbanização”, enfatizou.
Maricato afirmou que há necessidade de se informar a população sobre a importância das cidades e construir uma corrente social que mostre os problemas e suas consequências para a saúde, meio ambiente, enfim, para as condições de vida de todos. “É preciso mostrar que temos capacidade de resolver o problema e o que não temos é o poder para isso. Daí a necessidade de organização, de recuperar um espaço político”, disse.
Ao final da sua exposição, a professora ressaltou que a recuperação da democracia brasileira passa pelas cidades e pelo campo, ou seja, passa por onde as pessoas moram, e que entidades como o ONDAS têm um papel fundamental nisso.
O direito à cidade é tudo: moradia, energia, água, saneamento
A ativista pelo direito à cidade, Carmen Silva, afirmou que “não podemos viver reféns de tantas questões que são direitos e que, cada vez mais, passam a ser mercadorias”, como é o caso do direito à água.
Para ela, a nova lei do marco do saneamento não irá permitir à população menos favorecida “ter saneamento, nem água”. “Tem que ser pensado um plano macro, para parar de dividir os direitos. O direito à cidade é tudo: moradia, energia, água, saneamento”, explicou.
Carmem ressaltou a necessidade da sociedade se organizar, porque “o direito à cidade não é individual, é coletivo”. Segundo ela, tudo tem uma correlação e quando se luta por moradia digna, por exemplo, está se lutando por tantos outros direitos.
“Chega da população viver alienada e iludida. As leis são aprovadas na calada da noite, sem a população poder opinar”, disse Carmen, que completou: “a população precisa ter informação e tem que se organizar”.
Não se pode ter uma só família no país que não tenha acesso água
Evaniza Rodrigues reforçou em sua exposição a inter-relação do direito à água e ao saneamento com o direito à cidade, e sobre a lei do novo marco legal do saneamento recentemente aprovada disse: “o debate foi feito por debaixo dos panos e passaram a ‘boiada’”.
Nesse sentido, ela reforça a necessidade de uma agenda de luta dos movimentos sociais, da frentes populares, dos partidos e das entidades compromissados com os direitos da população, que paute o saneamento. “É preciso seguir na luta pela universalização do saneamento. Não se pode ter uma só família no país que não tenha acesso água”, ressaltou.
Para Evaniza, uma reivindicação importante que precisa ser conquistada na prestação dos serviços de água e esgoto é a tarifa social, como ferramenta de inclusão, além do fortalecimento dos espaços de controle social. “Ao tratar todos os cidadãos como consumidores, quem pode pagar vai receber o melhor serviço e quem não pode pagar não vai receber serviço nenhum?”, questionou.
A live prosseguiu com a interação dos internautas e as debatedoras respondendo às perguntas.
➡ A íntegra da live também pode ser assistida no YouTube do ONDAS