*Dalila Calisto e Iury Paulino
Em 2010, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a água e o saneamento como direitos humanos, universais e fundamentais para a garantia da vida e da dignidade humana.
Pode parecer uma definição óbvia, mas isso carrega um significado importante e estratégico na luta pela efetivação do acesso à água potável em quantidade e qualidade para as populações em todo o mundo, sobretudo os mais pobres de áreas rurais e periféricas das grandes cidades, que historicamente têm sofrido a negação do direito humano à água e ao saneamento no Brasil e no mundo.
Entretanto, apesar da definição da ONU, até hoje a água não é reconhecida pelo Estado brasileiro como um direito humano e social fundamental, prioritário, associado à vida e a plenitude humana, que deve anteceder e se sobrepor a todo e qualquer direito, visto que, esta definição ainda não possui caráter vinculativo com a legislação brasileira. O que diz a atual legislação, na Lei 9.433/97, é que, a água é um bem natural, de domínio público, dotada de valor econômico e que deve ser utilizada a partir da noção de usos múltiplos.
É revoltante que mesmo depois de 11 anos da recomendação da ONU pouco tenha sido feito no Brasil em termos de constituição de leis e dispositivos para garantir a proteção destes direitos.
Isso significa que mesmo que tenhamos mais de 35 milhões de pessoas no Brasil que, diariamente, não têm acesso à água potável de forma regular e segura, o uso da água no Brasil segue, até hoje, sendo destinado, com prioridade máxima, para múltiplas atividades econômicas do capital internacional em detrimento do direito ao abastecimento humano.
Na ótica do capitalismo, a água é tida apenas como uma propriedade privada que passa a ser usada como mercadoria para alavancar lucros extraordinários no processo produtivo, outrora é mercantilizada, dotada de preços abusivos.
Para o capital não é interessante (lucrativo) que a água seja tratada como direito, sob pena de deixar de ser uma mercadoria. Em tempos atuais, busca acelerar a mercantilização sobre a água e o saneamento, estruturando caminhos legais para viabilizar este modelo de negócio na água e no saneamento, como é o caso da recente Lei 14.026/20 (novo marco legal do saneamento brasileiro) e o PL 495/17 (criação de mercados de água em bacias hidrográficas).
Nesse sentido, a PEC nº 4/2018, que insere o acesso à água potável no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição, vai na contramão das investidas do capital internacional, da burguesia de plantão e do governo genocida de Bolsonaro, que querem acelerar a estratégia mundial de privatização e que tem colocado o Brasil como território central da disputa capitalista pela apropriação de bens naturais e dos serviços do setor de saneamento.
Em um país que possui as maiores reservas de água potável do mundo, os principais rios, os maiores aquíferos e bacias hidrográficas do planeta Terra e uma estrutura estatal que concentra mais de 90% de todo o setor de saneamento do país, é inadmissível que não exista uma lei que defina a água como um direito fundamental, universal e inalienável para todos os seres humanos. O fato é que, até então, nenhum poder legislativo, jurídico ou executivo do Brasil tratou dessa questão.
Somente em 2018, com a Proposta de Emenda à Constituição nº 4, é que passou a ser tramitada uma lei capaz de referendar às recomendações da ONU, oficializadas desde 2010, no mundo inteiro, e de trazer à tona a justa e legítima reinvindicação dos povos que, historicamente, têm defendido que a água deve ser entendida como um direito fundamental e um patrimônio de toda a humanidade.
Esse projeto de lei poderá garantir acesso à água potável em quantidade adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento adequado.
É de extrema importância a aprovação no Senado, de modo que, a luta e as reivindicações históricas das ongs, sindicatos e movimentos populares, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, que defendem o direito a água como uma prioridade humana e não como instrumento de apropriação privada e especulativo do capital, sejam atendidas e postas em prática pelos poderes do Estado. Esta luta se faz cada vez mais necessária nas ruas e no diálogo permanente com a sociedade.
Desde maio de 2019, que a “PEC da água potável” está em tramitação, isto é, pronta para ser votada no Plenário do Senado Federal. Na avaliação do MAB, é necessário e urgente o compromisso dos senadores na aprovação da matéria porque ela é de interesse de toda sociedade brasileira, sobretudo, no atual momento histórico em que vivemos onde há grande pressão de setores do capital para se avançar nas ações de privatização da água.
Precisamos avançar na luta em torno dos direitos humanos do povo brasileiro, na soberania e no controle popular sobre as águas. Não se pode permitir qualquer que seja a iniciativa de privatização sobre este recurso. Águas para a vida não para a morte! Água é direito não mercadoria!
*Dalila Calisto e Iury Paulino – membros da Coordenação Nacional do MAB – Movimento dos Atingidos do Brasil