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Fórum Social dos Direitos Humanos 2022: em Genebra, prevaleceu visão crítica sobre as políticas relacionadas à água e ao saneamento

FÓRUM SOCIAL DOS DIREITOS HUMANOS 2022: EM GENEBRA, PREVALECEU VISÃO CRÍTICA SOBRE AS POLÍTICAS RELACIONADAS À ÁGUA E AO SANEAMENTO

autor: Leo Heller
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Na semana passada, nos dias 3 e 4 novembro 2022, foi realizado o Fórum Social, convocado pelo Conselho de Direitos Humanos. Trata-se de um evento anual, tenho sido a versão de 2022 dedicada ao tema da água. A convocatória menciona que o evento aborda “água para os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável: boas práticas, lições aprendidas e desafios na implementação da Década Internacional de Ação ‘Água para o Desenvolvimento Sustentável’, 2018-2028, visando realizar uma contribuição sobre diretos humanos à conferência … a ser realizada em 2023”. Ou seja, o Fórum tem a pretensão estratégica de emitir mensagens à Conferência da Água de Nova York, de março de 2023, para a inclusão da abordagem dos direitos humanos.

Muitos membros de entidades da sociedade civil avaliaram o Fórum muito positivamente, por duas razões. A primeira foi a forte presença da sociedade civil, manifestando-se, o que diferenciou o evento das tradicionalmente frias, neutras e anódinas declarações de representantes dos países. A segunda novidade positiva foi um discurso reiterado, por parte de vários participantes, tanto painelistas quanto os que se inscreveram espontaneamente para os debates, tanto a sociedade civil quanto especialistas do sistema de direitos humanos da ONU, sobre os riscos da privatização dos serviços para a realização dos direitos humanos. Esses espaços tradicionalmente não tratam desse tema e, quando o aborda, é usual mobilizar o mantra de que “os direitos humanos são agnósticos quanto ao tipo de prestador e prestação de serviços”. O que interessaria são os resultados da prestação, não os processos envolvidos. Deng Xiao Ping redivivo: “Não importa a cor do gato, desde que cace o rato”.

O Fórum iniciou-se com uma mesa protocolar de abertura, na qual algumas mensagens importantes foram trazidas. O atual Alto Comissário dos Direitos Humanos, Volker Türk, reivindicou que os direitos humanos devem estar no centro da Conferência e devem permear todos os seus cinco temas. Propôs participação significativa das comunidades locais na Conferência e declarou que água não é uma comodity, mas um direito humano fundamental.

Pedro Arroyo, o Relator Especial, enfatizou que um princípio a ser claramente observado na Conferência é a necessidade de uma governança democrática da água, não a tratando como uma mercadoria. Afirmou que os direitos humanos podem “mudar o jogo” da Conferência, via participação dos sujeitos de direitos. A conferência não deve ser uma “oportunidade de negócios” e sim encarar o desafio democrático que se apresenta.

No painel “Água para a Saúde”, Michael Windfur, vice coordenador do Comitê para o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sugere que, se não há processos genuinamente participativos no campo dos direitos humanos, as forças de mercado são as que controlam as conversações. Em um depoimento mais local, Marcela Olivera, da Red Vida, destacou a privatização desastrosa ocorrida em Cochabamba, cidade em que vive, e o movimento importante de ampliação da gestão comunitária e por cooperativas, responsáveis por mais de 145.000 sistemas na Bolívia. Fatou Diouf Seye, coordenadora de projetos na África da Internacional de Serviços Públicos e fundadora da Rede de Justiça Hídrica no Senegal, denunciou que o Banco Mundial e o FMI induziram o país a privatizar os serviços de água e saneamento nas zonas urbanas e, a partir de lei de 2018, também nas áreas rurais. Tal processo vem afetando a renda dos moradores e o acesso a serviços de qualidade. Esse depoimento foi contestado, durante os debates, pelo secretário executivo da Aquafed, a federação mundial dos operadores privados, argumentando que as empresas sempre atuam sob o controle do Estado. A intervenção desse representante foi duramente criticada no chat do evento.

Em um interessante painel sobre “Água para o Desenvolvimento”, o moderador, Olivier de Schutter, Relator Especial sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos, abriu a sessão com fortes críticas a diferentes formas de controle dos serviços pelas forças de mercado, incluindo a comodificação, a financeirização, a privatização e como se manifestam em obrigações extraterritoriais dos países. No painel, a privatização dos serviços foi colocada em questão por diferentes painelistas. Miriam Planas, da Engenharia sem Fronteiras, Espanha, discorreu de forma contundente sobre os riscos da privatização da água para a ampliação das desigualdades e a produção de exclusão e ilustrou a situação na Catalunha, onde tem havido um crescente movimento de remunicipalização dos serviços. Anuncia que, na região, onde 80% da prestação dos serviços é privada, ao contrário do restante da Espanha onde a proporção é o inverso, as empresas “sequestram governos”. Mihir Kanade, coordenador do Mecanismo de Especialistas para o Direito ao Desenvolvimento, critica o Banco Mundial e o FMI por não respeitarem a Carta das Nações Unidas, quanto aos direitos humanos, ao promoverem a privatização dos serviços e colocarem em risco esses direitos.

O painel “Governança e Participação”, moderado por mim, também contou com fortes narrativas sobre a necessidade de se inserirem os direitos humanos nos debates sobre a água. Pedro Castañeda, presidente da Red Acueductos de Tasco e Acueductos Comunitarios de Colombia, mostrou as lutas da organização que dirige para preservar e reconhecer, legalmente e nas políticas, os serviços comunitários, bem como para impedir que a lógica mercantil seja inserida nesse modelo de gestão por iniciativa de governos locais. Bernard van Nuffel, presidente da VIVAQUA, o operador de água de Bruxelas, e presidente da Aqua Publica Europea, que reúne mais de 60 operadores públicos europeus, mostrou como a gestão pública, associada à participação e à transparência é a maneira mais efetiva de realização dos direitos humanos à água e ao saneamento. Diane Desierto, professora de direito e assuntos globais da University of Notre Dame, EUA, apresentou estudo que ressalta o déficit de participação nas ações relacionadas à água, citando dois casos de negociação nas cortes internacionais relacionados ao rompimento de contratos na Argentina. Propõe diferentes mecanismos para fortalecer a participação e a gestão pública da água.

Como se observa deste breve relato, o Fórum Social constituiu um espaço em que prevaleceu uma visão crítica sobre as políticas relacionadas à água e ao saneamento, tendo reunido diferentes mensagens a serem levadas para a Conferência de Nova York. O desafio a partir daqui é fazer realmente as mensagens chegarem e influenciarem as decisões finais da Conferência, que terá importância estratégica para as políticas globais e nacionais. Os movimentos sociais terão papel importante nesse processo…

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Leo Heller, Coordenador de Cooperação Internacional do ONDAS

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