ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O Saneamento e as eleições municipais de 2024

Autor: Edson Aparecido da Silva*

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É sempre bom lembrar que a titularidade dos serviços de saneamento é municipal, mesmo em regiões metropolitanas onde a titularidade deve ser compartilhada com o Estado. Ou, seja, a responsabilidade pela garantia do acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é da prefeitura, seja prestando diretamente os serviços por meio de autarquias, departamentos ou empresas públicas, ou concedendo os serviços para companhias estaduais ou empresas privadas.

No entanto, a Lei 11.445 de 2007 alterada pela Lei 14.026 de 2020, definiu metas de universalização que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.

Também define algumas obrigações a serem assumidas pelos municípios sob pena de serem impedidos acessar recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União. Entre elas destaca-se à observância das normas de referência para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico expedidas pela ANA e à estruturação de prestação regionalizada, nesse caso, a definição dos arranjos regionais pelos Estados e União deu-se sem a participação dos Municípios. A não adesão às estruturas de regionalização e o impedimento de receber recursos da União, pode inviabilizar a universalização do saneamento. Os municípios que aderiram a regionalização passam a se submeter às decisões do colegiado regional, sejam as microrregiões ou as unidades regionais de saneamento. No primeiro caso a adesão é compulsória e as microrregiões são criadas por lei complementar e a segunda é voluntária e são criadas por lei ordinária.

Como vemos, os novos prefeitos, terão grande desafio pela frente com relação à política de saneamento, aqueles que substituírem os atuais mandatários precisarão decidir se mantem as decisões anteriores ou se as alteram. De qualquer forma a responsabilidade de atingimento das metas sempre recairá sobre o prefeito ou prefeita.

Temos assistido uma grande pressão para a privatização do saneamento no Brasil, seja sobre governadores, de olho nas companhias estaduais, seja sobre os prefeitos cujos municípios prestam os serviços diretamente. O argumento é que sem a participação privada não haverá recursos para atingir as metas definidas na legislação. A grande questão é que os processos de privatização que temos acompanhado a algum tempo, mostram que os governantes estão interessados em obter grandes somas de recursos com o recebimento de outorgas pela venda de empresas e serviços. A outorga onerosa é um instrumento previsto na legislação (lei de concessões), em que o interessado que pagar mais ganha a licitação. São recursos que entram no caixa dos governos e não precisam ser, necessariamente, investidos em saneamento. Além disso, trata-se de recurso que terá que ser “devolvido” ao “parceiro” privado, normalmente via tarifa, ou seja, quem paga a conta é o usuário dos serviços, ao longo do contrato.

Sabemos que a parcela da população dos municípios que não tem acesso adequado ao abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos são as pessoas que vivem em processo de vulnerabilização, nas periferias, nas favelas, nos morros, nas áreas rurais, são os povos indígenas. Com a privatização, a tendência é que a responsabilidade por atender essas populações recaia sobre os prefeitos, na medida em que a capacidade de pagamento das pessoas, as dificuldades de atendimento nesses territórios, as dificuldades de regularização fundiária, servirão de argumentos, pelos agentes privados, para justificar impossibilidade de atingimento das metas.

Para aqueles que creem que a privatização é a panaceia para enfrentar todos os desafios do saneamento basta um “google” para ver o que vem acontecendo no Rio de Janeiro, em Alagoas e em Manaus, por exemplo. Aumentos abusivos de tarifa, invasão de residências para troca de hidrômetros, falta de água, contratos sem previsão de atuação frente aos impactos da emergência climática, falta de planos de contingência para enfrentamento da crise hídrica. Em Manaus, após 20 de anos de prestação de serviços, parte da população continua sem acesso à água e os índices de tratamento de esgoto são pífios.

Ao mesmo tempo em que a privatização avança no Brasil, cidades de vários países retomam os serviços antes privatizados. Na Inglaterra, berço do neoliberalismo nos anos 1990, assistimos um verdadeiro caos no saneamento sob o comando da empresa Thames Water. A saída, em breve, será a remunicipalização.

A alternativa para a efetiva universalização do acesso aos serviços de saneamento está no fortalecimento do papel do estado, na ampliação dos investimentos públicos e eliminação dos entraves para acessar recursos. Os bancos públicos, principalmente o BNDES, precisa retomar seu papel de indutor do desenvolvimento no que se relaciona o saneamento, precisa instituir programas de apoio e fortalecimento dos prestadores públicos, e deixar de servir apenas ao setor privado como modelador e financiador das privatizações, inclusive das outorgas.

Por tudo isso é importante que os prefeitos e prefeitas eleitos em 2024 assumam o compromisso de colocar o saneamento como umas das prioridades entre as diversas políticas públicas. Que defenda a gestão e operação pública dos serviços de saneamento e institua e apoie os instrumentos de fiscalização e controle por parte da sociedade. Dessa forma, avançaremos rumo à garantia do acesso aos serviços abastecimento de água e esgotamento sanitário para todas as pessoas, independentemente da capacidade de pagamento e das condições e locais de moradia, e assim, combater de fato as desigualdades.


*Edson Aparecido da Silva é secretário-executivo do ONDAS

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