Neste artigo, o Engenheiro Ricardo de Souza Moretti[1] examina e detalha a oitava medida proposta pelo ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento em Carta à Sociedade Brasileira à propósito da epidemia do COVID-19 no Brasil:
8 – Criar estratégias emergenciais para garantir a saúde da população em situação de rua, em especial com relação às demandas de água e provimento de condições para realização da higiene diária e de alimentação. Como exemplo, prover torneiras comunitárias, bebedouros, chafarizes banheiros químicos e outras soluções que assegurem o acesso à água bem como instalações sanitárias adequadas, em locais onde há concentração dessa população. Recomenda-se que a instalação dos equipamentos ocorra mediante entendimentos com a população diretamente interessada, visando assegurar o bom funcionamento e a efetividade das medidas adotadas. Quando adequadas, a utilização de instalações disponibilizadas por instituições solidárias deve ser apoiada.
A pandemia da COVID 19 deixou clara a necessidade de garantir saúde para todos, indistintamente. Não há uma linha divisória que separe quem está afetado pela doença e quem não está. A saúde de todos é a condição para que se proteja a saúde de cada um. Nesse contexto a universalização do saneamento é uma das importantes medidas estratégicas para o avanço da saúde pública. A universalização não pode se limitar à extensão das redes públicas para todos os domicílios. Há que se pensar naqueles que trabalham na rua ou estão de passagem por elas e não têm locais para realizar sua higiene pessoal ou saciar sua sede. Não são apenas os trabalhadores ambulantes, mas muitas outras categorias que incluem o motorista de aplicativo, os demais trabalhadores uberizados, o motorista de ônibus, o policial e as pessoas que estão de passagem pelas áreas públicas urbanas. No centro das grandes metrópoles, são dezenas de milhares de mulheres e homens nessa condição.
Há que se pensar também naquelas pessoas que foram levadas a viver nas ruas.
Existe um movimento de dimensão nacional das pessoas em situação de rua e uma das importantes bandeiras desse movimento é a luta pela ‘casa primeiro’. O problema tem múltiplas dimensões: demanda atendimento médico, apoio para obtenção de documentos, assistência psicológica, apoio para obtenção de trabalho e renda. Considera-se que a obtenção de um teto seguro é condição de base para que as demais ações se articulem. A população em situação de rua adota uma imagem poderosa para indicar uma solução adequada, como sendo aquela em que se provê a chave para acessar o local de moradia. Ou seja, que a pessoa tem a liberdade de entrar e sair quando quiser. Esta deve ser a meta. Porém, enquanto não se consegue concretizar essa ação social, é indispensável que se possa garantir condições mínimas de obtenção de água, de alimento e condições para realização da higiene diária.
Em várias cidades já aconteceu a mobilização para fornecer alimentação gratuita ou a preços muito acessíveis nos restaurantes populares, visando atender à população em situação de rua que agora viu minguar suas possibilidades de obtenção de renda, em função do isolamento social. Mobiliza-se também para ampliar as ofertas de abrigo e de outros equipamentos para atendimento das demandas de higiene pessoal das pessoas em situação de rua.
Como passo emergencial, considera-se primordial prover bebedouros, chafarizes, torneiras coletivas e outras formas de acesso livre e gratuito à água, nos locais em que há grande concentração e circulação de pessoas e onde há grande concentração de pessoas em situação de rua. É importante destacar a importância de planejar o tipo, o projeto e a localização dessas facilidades juntamente com as pessoas em situação de rua visando assegurar o bom funcionamento e a efetividade das medidas adotadas.
O banheiro público, que é uma necessidade para atender as pessoas em situação de rua, mas também as pessoas que circulam ou que trabalham em locais onde não há local para higiene é um tópico delicado e estratégico. Tão complexo quanto a instalação dos banheiros é sua manutenção e o debate sobre o tipo de projeto e as estratégias de manutenção são importantíssimas. Em caráter emergencial e de curto prazo, considera-se fundamental a instalação de banheiros químicos nos locais em que há concentração de pessoas em situação de rua e também de avaliar as possibilidades de instalações disponibilizadas por instituições solidárias, que devem ser apoiadas.
Em qualquer caso, sejam os chafarizes ou os banheiros há que garantir operação (material de higiene, limpeza e vigilância) e manutenção permanentes. Sem esquecer que as mulheres precisam ter à disposição banheiros exclusivos e adequados.
[1] Engenheiro Civil, Mestre e Doutor pela Escola Politécnica da USP, Professor titular aposentado da Universidade Federal do ABC
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Excelente abordagem para enfrentar alguns dos problemas nesta pandemia e apresentar medidas para Direito humano essencial.