Artigo publicado originalmente na Revista “Proposta” da FASE – dezembro de 2019
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Marcos Helano Fernandes Montenegro [1]
Edson Aparecido da Silva [2]
Questão proposta:
Em governos anteriores, grandes programas na área urbana foram desenvolvidos e até hoje as avaliações sobre os efeitos deles dividem críticos e simpatizantes. Houve também uma certa divisão entre visões e agendas de movimentos sociais, setores acadêmicos e fóruns urbanos dentre outros. Superado esse estágio, quais novos pontos de partida poderiam conduzir o campo popular urbano do Brasil na direção de agendas conjuntas e de mobilizações coletivas em um país marcado por tantas discrepâncias urbanas e com um governo hiper conservador?
O atual governo dá continuidade e aprofunda a agenda anti-popular e anti-nacional no pós-golpe de 2016. Suas ações, patrocinadas pelo imperialismo e pelos setores mais reacionários do empresariado, encaminham a retomada das privatizações, a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, o ataque aos movimentos sindical e popular no campo e nas cidades, e a valorização do capital financeiro na economia em detrimento do aumento da produção e da geração de emprego e renda. Como consequência, temos também uma retomada, em ritmo acelerado, das desigualdades.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)i, o rendimento médio real da população composta pelos 50% que detêm as menores rendas, que havia chegado a R$ 853 em 2014, continuou em queda, caindo para R$ 821 e para R$ 820, em 2017 e em 2018 respectivamente. No outro extremo, em 2018, o rendimento médio mensal real do 1% da população com maior renda atingiu R$27.744. Assim, se elevou para inacreditáveis 33,8 a razão entre os maiores e menores rendimentos médios mensais reais no país. No Brasil pós-golpe de 2016, enquanto os mais pobres ficam mais pobres, os mais ricos estão ficando ainda mais ricos.
O quadro das desigualdades se acentua nas regiões Norte e Nordeste, que apresentam os maiores valores do Índice de Giniii do rendimento médio mensal real de todos os trabalhos. A pobreza também é maior nas regiões Norte e Nordeste, onde o rendimento médio real da população composta pelos 50% com os menores rendimentos, em2018, foi respectivamente R$ 628 e R$ 547, enquanto nas regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul este valor atingiu respectivamente R$ 962, R$ 971 e R$ 1.057.
O mercado e a grande mídia têm tentado impor a agenda do “Estado Mínimo” como
a grande saída para a solução dos males que assolam o país. Na verdade, a história tem mostrado que a superação desse quadro só é possível praticando-se exatamente o oposto disso. Somente um Estado forte e democrático, que priorize o desenvolvimento nacional sustentável com geração de emprego e renda, consegue promover saídas para a crise e assegurar os direitos sociais, a exemplo dos direitos à moradia, à saúde, à educação, à cidade, à água e ao saneamento, com o resgate da dignidade da parcela da população brasileira que vive hoje em condições de pobreza.
Qualquer debate sobre os desafios relacionados às políticas urbanas deve estar vinculado ao aumento das desigualdades, que tende a se aprofundar sob a égide desse governo ultraconservador que age de forma a esvaziar o papel do Estado enquanto indutor do desenvolvimento econômico e social. Além disso, a luta pela revogação da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, conhecida como “Teto dos Gastos”, cujo objetivo principal é acabar com as vinculações obrigatórias que garantem verbas mínimas para saúde e educação, devem pautar a agenda dos movimentos e organizações populares.
Especificamente no âmbito das políticas urbanas, o governo desmontou o Ministério das Cidades e o Conselho das Cidades. Na esteira do desmonte dessas políticas públicas, o atual governo ataca o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), historicamente importante para o financiamento da habitação e saneamento básico, com o mantra da garantia da “liberdade econômica”. Mira no interesse de curto prazo do trabalhador que, sufocado pela crise econômica que reduziu os postos e a renda do trabalho, não tem como deixar de acessar o seu saldo no Fundo, liberado para saques antes não autorizados. O processo de descapitalização do FGTS é radicalizado em proposta de Armínio Fraga, porta-voz do setor financeiro privado, que aponta para sua extinção. O que se pretende é extinguir os fundos públicos para que seus recursos migrem para as instituições financeiras privadas. É notório que o esvaziamento ou a extinção do FGTS impactará diretamente as políticas públicas de habitação e saneamento básico.
No mesmo diapasão, um dos pontos constantes da proposta “Plano Brasil Mais”, enviada ao Congresso Nacional pelo atual governo, proíbe o aumento real para o salário mínimo, e prevê a suspensão do repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dessa forma, esvazia o papel do banco público como instrumento de financiamento do desenvolvimento. A meta é garantir a transferência de recursos estatais para o setor privado por meio do pagamento da dívida pública, além da transferência de empresas públicas para o setor privado.
Portanto, a defesa dos instrumentos de financiamento das políticas públicas deve estar na agenda dos movimentos sociais e populares. Também deve pautar as suas ações a defesa da integração das políticas públicas, na perspectiva do direito à cidade, com vistas à universalização do acesso à moradia, ao transporte, à saúde, à habitação, ao saneamento básico e ao ambiente saudável. Essa mesma integração deve se dar na base dos movimentos, ou seja, a prática da unidade e da solidariedade entre eles dever ser reforçada a todo o tempo. “A luta de um deve ser a luta de todos”.
Assim, é preciso articular com as lutas mais gerais em defesa da democracia e de sua ampliação os esforços para resgatar e fortalecer os instrumentos de participação e controle social sobre as políticas públicas, que vêm sendo desmontadas pelo atual governo. Esses são os desafios que devem estar colocados como novos pontos de partida na condução do campo popular urbano do Brasil na direção de agendas conjuntas e de mobilizações coletivas.
i Fonte: IBGE, Diretoria de pesquisa, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar 2017/2018.
ii instrumento para medir grau de concentração de renda
[1] Coordenador do Observatório Nacional pelo Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS
[2] Secretário Executivo do Observatório Nacional pelo Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS