ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

COVID-19 e o Saneamento no Brasil

Artigo elaborado pelo INCT ETEs Sustentáveis – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto – alerta para os riscos da presença do coronavírus no esgoto/fezes. (leia: COVID-19 e o Saneamento no Brasil )

Em vídeo, a professora Juliana Calábria, departamento da área sanitária e ambiental da UFMG e integrante do INCT ETES Sustentáveis, também explica a relação entre a Covid-19 e o saneamento.

ASSISTA: 

 

ARTIGO:  COVID-19 e o Saneamento no Brasil

No dia 25 de fevereiro de 2020 foi noticiado no Brasil o primeiro paciente com sintomas (posteriormente confirmado positivamente) para o novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença denominada COVID-19 (síndrome respiratória aguda) e da Pandemia Global que desde dezembro 2019 vem causando muitas mortes em todo o mundo. Os pacientes com a COVID-19 apresentam sintomas como dor de garganta, tosse, febre, dificuldade para respirar e, em casos graves, pneumonia. Alguns pacientes podem ainda apresentar diarreia. Trabalhos recentes, publicados na revista científica Lancet Gastroenterol Hepatol (vol. 5 abril/2020), mostraram que pacientes com a COVID-19 apresentaram em suas fezes o RNA viral. Em cerca de 50% dos pacientes investigados no estudo, a detecção do RNA do SARS-CoV-2 nas fezes aconteceu por cerca de 11 dias após as amostras do trato respiratório dos pacientes terem sido negativas, indicando a replicação ativa do vírus no trato gastrointestinal e que a transmissão via feco-oral poderia ocorrer mesmo após o trato respiratório já estar livre do vírus. Em outro estudo, realizado nos Países Baixos, o novo coronavírus foi detectado em amostras de esgoto do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, bem como em amostras das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) das cidades de Kaatsheuvel e de Tilburg (esta última trata o esgoto do aeroporto de Schiphol) após duas semanas da confirmação do primeiro paciente com COVID-19. Até o momento não há estudos sobre a viabilidade do SARS-CoV-2 no ambiente. Entretanto, considerando as evidências da presença de outros coronavírus nas fezes, como o SARS-CoV (causador da síndrome respiratória aguda e severa) e o MERS-CoV (causador da síndrome respiratória do médio oriente), e tendo em vista a capacidade dos mesmos de permanecerem viáveis em condições que facilitariam a transmissão via feco-oral, é possível que o SARS-CoV-2 também possa ser transmitido por esta rota. Assim, a possibilidade da transmissão via feco-oral do SARS-CoV-2 tem muitas implicações, especialmente em áreas carentes de infraestrutura de saneamento básico.

Qual a implicação disso para o Brasil e para o setor de Saneamento? As implicações podem ser muitas, mas destacamos três:

  • Primeiro, que uma boa estratégia para detecção da presença de uma doença ou infecção viral na população, inclusive na parcela que não manifesta a doença – portadores assintomáticos, consiste no monitoramento do esgoto para a presença do agente infeccioso. Isso já vem sendo realizado por meio de pesquisas em desenvolvimento pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis), em um primeiro momento para bactérias resistentes a antibióticos e outros potenciais patógenos já conhecidos.
  • A segunda implicação é que os profissionais que atuam na área de esgotamento sanitário, notadamente os diretamente envolvidos com a operação e manutenção das redes coletoras e ETEs, bem como os pesquisadores que têm contato ou manuseiam amostras de esgoto, devem reforçar os cuidados e não abrir mão da utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), a fim de evitar a ingestão inadvertida de esgoto, ainda que por meio da inalação de aerossóis, evitando assim a contaminação. Ressalta-se que as medidas proteção e segurança ocupacional, repassadas e adotadas como padrão para esses profissionais e pesquisadores, são eficazes na proteção contra o novo coronavírus e outros patógenos presentes no esgoto. Além disso, como qualquer outra pessoa, esses profissionais e pesquisadores devem adotar e intensificar as medidas de higiene recomendadas, como lavar as mãos com água e sabão ou higienizá-las com álcool em gel, não tocar os olhos, face e boca antes de lavar as mãos.
  • Outra implicação importante, considerando a situação sanitária do Brasil, em que apenas 46% do esgoto gerado no país são tratados (segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2018), é que nos meses em que durar a pandemia poderemos estar despejando em nossos rios uma enorme carga viral. Como consequência, poderá ocorrer o aumento da disseminação do vírus SARS-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, aquela que não tem acesso a uma adequada infraestrutura de saneamento básico.Portanto, ações conjuntas e coordenadas dos profissionais da área da Saúde, do Saneamento, das universidades e dos governos são urgentes nesse cenário de emergência de Saúde Pública, que pode se agravar ainda mais em função dos problemas de desigualdade social e do ainda elevado déficit na prestação de serviços de saneamento em nosso país (cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto e 35 milhões não têm acesso a água tratada – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2018).

Através do INCT ETEs Sustentáveis, estamos ultimando o planejamento de ações que acreditamos contribuirão, de forma complementar, para o mapeamento epidemiológico do novo coronavírus, inicialmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Tal planejamento será enviado para apreciação e demonstração de interesse por parte da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA), para que possamos trabalhar conjuntamente e iniciar, já a partir da próxima semana, a detecção e quantificação do novo coronavírus em amostras de esgoto coletadas em pontos estratégicos da RMBH. É possível que essa ação nos permita identificar as regiões onde há maior ocorrência do vírus e, portanto, que mereceriam mais atenção por parte dos profissionais da área da Saúde. Se formos exitosos, poderemos ter informações relevantes sobre a carga viral oriunda também da população assintomática, o que, de certa forma, é um indicador da presença regionalizada do coronavírus nas pessoas que não conseguem se submeter aos restritos testes que estão sendo disponibilizados pelos governos federal, estaduais e municipais. Ressaltamos a importância da solidariedade e compartilhamento das ações, informações e recursos nesse momento em que toda a sociedade brasileira e mundial está lutando para lidar com a Pandemia e mitigar seus impactos na vida das pessoas e na saúde pública.

Carlos Chernicharo, César Mota & Juliana Araújo
Coordenação do INCT ETEs Sustentáveis

 

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