Neste artigo, o engenheiro Alex Moura de Souza Aguiar[i] examina a primeira e segunda medidas propostas pelo ONDAS em Carta à Sociedade Brasileira a propósito da epidemia do COVID-19:
- suspender por um período de quatro meses os cortes de fornecimento de água devido a inadimplência do usuário, bem como reconectar aquelas famílias que atualmente têm suas ligações cortadas por inadimplência, considerada a possibilidade de prorrogação desse prazo caso a crise da COVID -19 se prolongue. Após a superação da crise, adotar estratégias para, mesmo em casos de inadimplência, assegurar o fornecimento mínimo de água para proteção da saúde;
- interromper a cobrança das contas de água por um período de quatro meses, para os segmentos mais pobres e vulneráveis da população, considerando a possibilidade de prorrogação desse prazo e de ampliação da população beneficiada, caso a crise da COVID-19 se prolongue. Preliminarmente, o recorte do público beneficiário deve incluir as famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), e aquelas com direito à tarifa social ou tarifa de favelas, entre outros critérios a se definirem em função da realidade local;
Dentre as medidas propostas na Carta do ONDAS, a suspensão do corte de água e a interrupção da cobrança pela água dos usuários de baixa renda – beneficiados por tarifas sociais, de favela ou similares – , ambas por prazos mínimos de 120 dias, buscam assegurar a manutenção do direito humano essencial de acesso à água, independente da capacidade do usuário de pagar pela conta.
No Brasil, as medidas direcionadas a assegurar o acesso à água potável a todos os cidadãos, em especial àqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica – não dispondo desse serviço de forma regular- têm sido insuficientes e lentas, incompatíveis com a agilidade requerida para preservar as vidas humanas durante a epidemia da COVID-19.
As medidas tomadas pelas concessionárias estaduais de saneamento, que atendem 60% da população do país; quase 70% da população urbana – se mostram heterogêneas, e pior, desiguais no trato de seus usuários.
Mais de 25% das empresas estaduais não adotaram suspensão do corte de água de seus usuários, impedindo com isso a manutenção do acesso à água. Algumas empresas adotaram a suspensão apenas para aqueles municípios onde essa foi uma imposição do poder concedente – via decreto – ou por requisição de órgãos integrantes do Judiciários, como as Defensorias Públicas. Diversos, também, são os prazos associados a esta ação – variando entre 60 e 90 dias, e poucos explicitando a possibilidade de expansão deste prazo em função da permanência da crise sanitária. Uma das empresas, alegando a necessidade de manutenção de recursos para assegurar a continuidade dos serviços, manifestou o incremento na ação de corte de água para combater a inadimplência e recuperar os valores devidos. Aquelas que adotaram a suspensão do corte firmaram claramente que tal ação não significava isenção dos débitos. Apenas uma das 26 empresas manifestou também o compromisso de religar a água daqueles usuários já cortados do sistema por inadimplência.
A interrupção da cobrança de água por 120 dias (prorrogáveis enquanto durar a crise sanitária) dos usuários que recebem benefício de tarifa social, tarifa favela ou similar deixou de ser adotada por 50% das companhias estaduais. Além disso, quase a totalidade daquelas que adotaram tal medida manifestaram que tal interrupção não significaria isenção, mas apenas uma postergação da cobrança. Assim como na suspensão do corte, não houve homogeneidade dos prazos de duração desta medida entre as empresas que a adotaram.
Nas empresas municipais – SAAEs, DAEs, DEMAEs e outras –, que atendem a quase 15% da população brasileira, as ações tiveram resposta um pouco melhor: dentre as 20 maiores prestadoras, 80% suspenderam o corte ainda em meados de março, como forma de assegurar o acesso de seus usuários à água, e 50% interromperam a cobrança dos usuários de baixa renda.
Já nas empresas operadoras privadas, a adoção da suspensão de corte se deu apenas após decretos municipais ou intervenção judicial, e algumas com operação regional, sequer adotaram a mesma ação em todos os municípios atendidos. Por outro lado, não foram encontradas quaisquer manifestações quanto a isenção de cobrança daqueles usuários com tarifas especiais, mostrando que do ponto de vista social, e mesmo com a insuficiência das medidas tomadas pelas empresas públicas, na prestação privada é ainda pior.
Um argumento levantado pelas empresas para resistir à adoção dessas duas medidas é o impacto financeiro a que estariam sujeitas. Tal argumento não pode prevalecer no cenário que vivenciamos, pois seu custo será medido em vidas perdidas.
Governo Federal e Governos Estaduais precisam, conjunta e urgentemente, apoiar e sustentar estas medidas.
[i] Alex Moura de Souza Aguiar, Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Consultor, com experiência em projetos e gestão de obras de saneamento. Foi Diretor Técnico e de Expansão da Copasa-MG.
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