“Mineração, crimes ambientais e o direito humano à água” foi o tema da live do ONDAS realizada na quarta-feira (10 de junho), com a participação de André Sperling, promotor de Justiça da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais – MPMG; Joceli Andrioli, pedagogo, técnico em Agropecuária e membro da coordenação nacional do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens; e Ricardo Ferreira Ribeiro, cientista social e professor da PUC Minas, que atua na assessoria às comunidades atingidas em Minas Gerais. A mediação foi do professor Rafael Bastos, do NACAB – Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens e sócio do ONDAS.
Dando início as explanações, o promotor André Sperling afirmou que o crime do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), ocorrido em janeiro de 2019, após o outro crime de rompimento em Mariana (MG) – barragem de Fundão, em 5/11/2015 – demonstrou que a Justiça modificou sua ação para a reparação dos atingidos. “No primeiro crime (Mariana) os atores não estavam preparados. Foi feito um acordo logo de início com a Fundação Renova, criada e controlada pela Vale e pela BHP Billiton”, explicou.
A Fundação Renova começou a atuar no território, com um orçamento bilionário (mais de R$ 2 bilhões), decidindo quem era atingido e quem não era, impondo a lógica de atuação da mineradora e impedindo uma reparação justa aos milhares de atingidos pelo crime. Para Sperling, “essa é uma forma de agir da mineração: não se preocupa com a vida, só com o seu lucro, que são exobirtantes”. Na visão dele, essa forma de fazer o acordo individual divide as comunidades, além dar legitimidade para alguns atores e outros não.
No caso de Brumadinho, as instituições e a Justiça já tiveram uma atuação diferente, ao perceber os erros do desastre anterior. O promotor explicou que, por exemplo, o MAB foi chamado para as negociações com a Vale e, de imediato, “partimos para a lógica judicial e não de fazer acordo com a empresa”. Em Brumadinho, há acordos pontuais, mas a grande parte da indenização segue no processo judicial.
Segundo Sperling, o enfrentamento com a Vale teve como resultado o pagamento emergencial para todos os habitantes do município e moradores até um quilômetro da calha do rio Paraopeba. “São mais de 100 mil moradores recebendo indenização e isso só foi possível devido ao enfrentamento, ao contrário do processo de Mariana (rio Doce), onde os atingidos não têm voz”, ressaltou.
O promotor explicou também a importância das assessorias técnicas implantadas em Brumadinho, que atuam ao lado dos atingidos para construir suas narrativas. “Em Brumadinho, desde o início, focamos para que os atingidos tivessem as assessorias técnicas e, assim, não fosse construída a narrativa de “gabinete”, de pessoas que apenas “acham o que os outros sentem”.
Muito além da perda de bens
O segundo convidado a expor seu ponto de vista foi o professor Ricardo Ferreira Ribeiro, que afirmou que “a hipocrisia marca a relação entre mineração e água”, ao lembrar que isso vem desde o ciclo do ouro em Minas Gerais, quando quase todas as vilas tinham um chafariz para se buscar água para uso doméstico, uma vez que a mineração sujava os rios. “Aí já se demonstra essa relação com a água. Os impactos que, historicamente, geram, não só as barragens de mineração, mas também as hidrelétricas. Mas em geral, a população não percebe isso na sua integralidade, porque é uma experiência nova e a complexidade e os danos só serão percebidos ao longo do tempo”, explicou.
O cientista social enfatizou os três impactos imediatos que afetam as pessoas quando acontece o desastre. O primeiro é a perda dos bens, o segundo está na quebra da atividade econômica, que vai muito além da perda de terra, dos bens, atingindo também os que não são proprietários. E o terceiro impacto é a própria existência, a ligação com a água, com seus antepassados, com seu modo de vida.
Segundo o professor, há um tempo se falava em atingidos diretos e indiretos. “O indireto foi criado pelas empresas para reduzir a quantidade de pessoas para reparar os danos, sem considerar o elemento coletivo.” Na comunidade, também é difícil dar conta dessa realidade de perdas dos bens e da cadeia produtiva, que vão muito além das margens do rio. Ribeiro exemplifica com o acontecido em toda a região do rio Paraobeba, onde não se pode mais pescar, com a perda da atividade econômica se estendendo por um perímetro muito grande.
Diante disso, é que entra o papel das assessorias técnicas (também mencionadas por André Sperling), que discutem com cada família todos os processos e impactos envolvidos. “Muitas vezes, o atingido nem percebe que está ficando doente por causa de todo o processo. O papel da assessoria é fazer com as comunidades entendam seus direitos e que sejam ressarcidos, pagos ‘tostão por tostão’”, defende o professor.
Ribeiro enfatizou que “muitas pessoas saíram do desastre apenas com a roupa do corpo, sem qualquer tipo de bem e também sem sua história, suas fotografias, seus cadernos de escola… Fazer essa reflexão é muito importante e que as empresas assumam o ônus e percebam que não é mais possível privatizarem o lucro e socializarem os prejuízos socioambientais desses crime”.
Grandes bombas químicas instaladas sobre as bacias hidrográficas
O terceiro participante a fazer a exposição, o integrante do MAB, Joceli Andrioli, iniciou falando da importância da água e como esse bem está diretamente ligado aos interesses econômicos. “Os crimes de mineração trouxeram um alerta, porque é um projeto de ganância que destrói. No nosso país não temos uma informação correta da situação das barragens. São grandes bombas químicas instaladas sobre as grandes bacias hidrográficas, que contaminam a água”, disse.
O país tem mais de 24 mil barragens, mas apenas cerca de 13 mil tiveram um protocolo legal e, destas, só 3% são fiscalizadas. “Brumadinho deu um recado à toda a bacia do rio São Francisco, mexendo com milhões de pessoas. Trouxe um alerta ao processo que põe em risco a água em toda a região”, explicou Joceli. Ele ainda fez uma denúncia sobre a ameaça que sofre o rio Jequitinhonha, onde se pretende construir uma dos maiores projetos minerários do mundo. “Pretendem retirar a água do rio, diminuir em 20% a vazão do rio Jequitinhonha, afetando uma população que já sofre com problemas de escassez de água”, alertou.
O integrante do MAB ressaltou também que os crimes de Fundão e de Brumadinho continuam impunes e que, além das vidas retiradas, muitas outras pessoas estão morrendo pela contaminação que se estendeu pelos rios levando metais pesados e a Vale não que admitir essa contaminação. “É importante denunciar a necessidade de um amparo legal de proteção aos atingidos. O país não tem isso e a população de atingidos está desprotegida”, disse.
Joceli ligou, ainda, diretamente a água à saúde e, para ele, contaminar a água é prejudicar a saúde, e excluir o direito à água e ao saneamento é disseminar doenças. “Precisamos estar muito ativos na defesa da água como direito à vida”.
A íntegra da live pode ser assistida aqui.
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