Em artigo ao portal UOL, o secretário executivo do ONDAS, Edson Aparecido da Silva, contextualiza o atual cenário do setor de saneamento, após a sanção da lei do novo marco legal e o veto presidencial ao artigo 16.
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Nova lei é um passo atrás no saneamento básico no Brasil
Com a sanção da Lei nº 14.026, em 15 de julho de 2020, o Brasil dá um passo atrás na perspectiva da universalização do acesso aos serviços de saneamento básico. E o quadro piora com o veto ao artigo 16 do projeto de lei aprovado, rompendo acordo entre congressistas e governadores, que daria uma “sobrevida” às empresas estaduais de saneamento. Esse artigo permitiria a pactuação e repactuação de contratos entre municípios e companhias estaduais por mais 30 anos.
Quando analisamos o cenário atual do saneamento no Brasil, constatamos que um desafio importante é como impulsionar as prestadoras dos serviços a atuar nos assentamentos informais e nas áreas carentes de infraestrutura, onde são grandes os investimentos necessários e é baixa a expectativa de receitas.
O déficit em saneamento básico, portanto, concentra-se nessas áreas que podem limitar a obtenção de equilíbrio financeiro dos prestadores. Também, a implantação dos serviços de saneamento nos pequenos municípios é pouco atrativa nesta ótica, tanto na área urbana como na área rural (inclusive dos municípios de maior porte), nos distritos e nos pequenos aglomerados populacionais.
Áreas onde a prestação sustentável dos serviços exige soluções integradas, contemplando intervenções abrangentes de urbanização e demandando soluções tecnológicas criativas e participativas, tanto de implantação quanto de manutenção e operação dos sistemas.
Os agentes privados, que ganham espaço a partir da aprovação da nova Lei, priorizarão os investimentos nessas áreas? Parece-me que não. Matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, no último 26 de junho, exibe a seguinte manchete: “Nova lei de saneamento anima fundos globais de investimento”.
Nela, os porta vozes do setor privado afirmavam que a intenção é disputar ativos em regiões mais populosas, em que o retorno financeiro é maior. E mais “Os ativos que têm maior interesse são os de regiões metropolitanas. No interior, temos dificuldades grandes com municípios que têm tratamento de água, mas não de esgoto, que é o que demanda mais investimento”.
Ora, as áreas que interessam para o setor privado são exatamente as áreas consolidadas, urbanizadas, onde os níveis de atendimentos já são altos e, portanto, a necessidade de investimentos menores. Não se universalizará o saneamento com essa lógica, quando a garantia do retorno financeiro é o que importa.
Segundo a Sabesp, só na cidade de São Paulo, são 3 milhões moradores em áreas irregulares/favelas (30% população). As populações que vivem nessas áreas se enquadram no que os contratos entre as operadoras dos serviços de saneamento e os municípios usualmente definem como “áreas inesgotáveis”.
Em outras palavras, são, para esses prestadores, cidadãos de segunda categoria, que, a depender das regras atuais, das tecnologias e modelos de obras de saneamento, não terão o direito de acessar os serviços.
A tão propalada necessidade de segurança jurídica esperada pelo setor privado está longe de ser alcançada na lei aprovada. Isso explica-se pelo fato de vários pontos da lei serem passíveis de questionamentos de constitucionalidade, em especial quanto à vedação da prestação de serviços públicos por meio de contrato de programa, que tem amplo suporte no art. 241 da CF, e quanto ao flagrante desrespeito à competência municipal.
Estes e outros pontos polêmicos estão sendo e provavelmente ainda serão questionados no Supremo, trazendo instabilidade inclusive para os contratos de PPP em negociação.A nova lei não enfrenta os reais desafios da universalização. Garantir o direito humano ao acesso ao saneamento significa garantir investimentos públicos perenes, seja do Orçamento Geral da União (OGU), sejam recursos de financiamento do BNDES e CEF.
É preciso criar um fundo de universalização do saneamento e um programa de revitalização e recuperação dos operadores públicos, com instrumentos que garantam a qualificação dos gastos públicos, como a vinculação do acesso aos recursos condicionada à melhoria da performance do prestador.
O caminho para universalização é fortalecer o Estado nas ações de saneamento, sobretudo por se tratar de uma política que guarda estreita relação com a saúde pública, com políticas habitacionais e ambientais. Não dá para imaginar que o setor privado fará a integração entre essas políticas. Mesmo porque não é função dele.
foto: Ricardo Matsukawa / UOL