Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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O AUMENTO DA HOSPITALIZAÇÃO DE BEBÊS POR DESNUTRIÇÃO E O ACESSO AOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO NO BRASIL
Autoras: Priscila Neves Silva e Mariana Gutierres Arteiro da Paz
No dia 26 de outubro, o Observa Infância, Observatório da Saúde da Infância da Fiocruz, publicou um estudo que evidencia o aumento na taxa de hospitalização em bebês, devido à desnutrição. Segundo o estudo, a taxa de hospitalização por desnutrição entre bebês menores de um ano chegou à pior marca nos últimos 13 anos em 2021 quando foram internados, em média, 8 bebês menores de um ano por dia. Em 2022, até 30 de agosto, a rede pública de saúde havia registrado o total de 2.115 internações de bebês por desnutrição, o que, segundo o estudo, eleva para 8,7 a taxa média de hospitalizações diárias, um aumento de 7% em comparação com 2021 (Fiocruz, 2022).
Os dados do estudo também mostram que bebês negros (pretos e pardos) respondem por dois de cada três internações por desnutrição no sistema público de saúde, registradas entre janeiro de 2018 e agosto de 2022. Entre 2018 e 2021, o país registrou 13.202 hospitalizações por desnutrição entre menores de um ano, sendo 5.246 de bebês pretos e pardos. Mas, segundo o próprio estudo, é importante registrar que esse dado é subnotificado pois falta informação sobre raça/cor em um de cada três registros. É ainda possível identificar que a pior taxa de hospitalização por desnutrição foi registrada no Nordeste, região onde foram informadas 171 internações de bebês menores de um ano para cada 100 mil nascidos vivos em 2021, 51% acima da taxa nacional (Fiocruz, 2022).
Sabe-se que a desnutrição pode estar relacionada com aumento de diarreia e esta com a deficiência no saneamento básico. Nesse sentido, é bom lembrar que no Nordeste o acesso aos serviços de abastecimento de água e esgoto é um dos piores do país, em especial para as populações mais vulneráveis, pretas e pardas, coincidindo com os achados do estudo em questão.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, em 2017, 99% dos municípios do país tinham abastecimento de água por rede. Se olharmos ao nível de domicílio, 86% dos domicílios do país tinham rede de abastecimento de água com grande variação entre as regiões geográficas: 47,6% no Norte; 73,4% no Nordeste; 90,9% do Centro-Oeste; 93,3% no Sul e 97% no Sudeste. Além disso, das 22 localidades onde não havia abastecimento de água por rede geral, 13 estavam no Nordeste, sete no Norte e dois no Centro-Oeste (IBGE, 2017).
Além de ter um número baixo de domicílios com abastecimento de água por rede, os estados do Nordeste sofrem com intermitência e racionamento no abastecimento. Segundo o IBGE, no ano de 2017, 67% dos municípios do Nordeste sofreram com intermitência no abastecimento, e 42% com racionamento. Soma-se a isso o fato de que 24% dos municípios com serviço de abastecimento de água no Nordeste não tem Estações de Tratamento de Águas e/ou Unidades de Tratamento Simplificado sendo que 10% da água captada na região é salobra (IBGE, 2017).
No que se refere ao esgotamento sanitário, a pesquisa apontou que 60% dos munícipios do país tinham esgotamento sanitário por rede coletora. No Nordeste, o percentual de municípios com rede coletora de esgoto era de 52%. No entanto, era a região que tinha o maior número de municípios onde o serviço não funcionava (IBGE,2017).
Além disso, ao olharmos ao nível de domicílio, o pais tinha 51% dos domicílios ligados à rede de esgoto, percentual muito inferior à cobertura do abastecimento de água. Havia também grande variação entre as regiões geográficas: 7,4% no Norte; 25,4% no Nordeste; 41,6% no Sul; 50,8% do Centro-Oeste, e 76,7% no Sudeste. No que se refere ao tratamento, 37,2% dos munícipios no país não tinham Estação de Tratamento de Esgoto, chegando a 48,8% no Nordeste, 37,3% no Sudeste, 30,6% no Norte, 28,3% no Sul e 5,6% no Centro-Oeste (IBGE, 2017).
Esses dados nos mostram como é imprescindível que o país invista nos serviços de saneamento básico como essenciais para a saúde da população, em especial de crianças em situação de vulnerabilidade, de forma articulada com outras políticas sociais. Lembrando que o acesso à água e ao esgotamento sanitário foi reconhecido como direitos humanos e que o país, sendo signatário da Convenção Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, é responsável por garantir o acesso, urge que o governo atue em prol de uma melhora nos serviços em especial das regiões Nordeste e Norte do país.
Além disso, uma vez que estão intrinsecamente relacionados à saúde pública, os serviços de saneamento básico devem ser um dever do Estado, que não deve ter seu papel substituído pela iniciativa privada, que, muitas vezes, não garante o acesso às populações vulnerabilizadas. Como podemos observar, no Brasil, são as populações que vivem nas regiões Norte e Nordeste, em especial a população negra, as que mais sofrem com a falta de acesso.
Contudo, é importante lembrar que a falta de saneamento não é o único fator responsável por diarreia em crianças, outros fatores como socioeconômicos, culturais, nutricionais e ambientais podem contribuir para o aumento na sua incidência (Queiroz, Heller e Silva, 2009). Inclusive, no Brasil, o fator socioeconômico tem se demonstrado muito relevante, como apresentado por uma revisão sistemática que analisou estudos que associam o Programa Bolsa Família e o saneamento, como fatores que protegem a população da diarreia e da desnutrição (Souza e Heller, 2021).
Nesse sentido, cabe informar que há no país experiências no sentido da garantia do acesso ao saneamento básico. Em 2017, os subsídios (descontos) aos usuários estavam presentes em 72% dos municípios com abastecimento de água e em 68% daqueles com esgotamento sanitário, onde existia cobrança de tarifa ou taxa pelos respectivos serviços. Os maiores percentuais foram observados no Nordeste, onde havia subsídio a usuários do serviço de abastecimento de água em 79% dos municípios com cobrança; e no Sul, onde essa proporção era de 79% dos municípios para o serviço de esgotamento sanitário. No país, cerca de 2,8 milhões de domicílios recebiam subsídios na cobrança da taxa ou tarifa de abastecimento de água e 1,5 milhão na cobrança da coleta de esgoto (IBGE, 2017).
Observa-se, portanto, que a região Nordeste é a que mais necessita de subsídio para que as famílias possam ter acesso aos serviços de saneamento. Nesse sentido, nos resta questionar se a entrada das empresas privadas no setor, estimuladas pelo novo marco regulatório do saneamento aprovado em 2020, será capaz de melhorar esse cenário, sabendo que terão que aumentar a rede de abastecimento de água e o esgotamento sanitário no país, em especial nas regiões Norte e Nordeste, e manter a política social de acesso à água e ao esgoto, o que reduz o ganho financeiro pela prestação do serviço.
Referências
Fiocruz. (2022). Hospitalização de bebês por desnutrição atinge pior nível dos últimos 13 anos. https://portal.fiocruz.br/noticia/hospitalizacao-de-bebes-por-desnutricao-atinge-pior-nivel-dos-ultimos-13-anos
IBGE. (2017). PNSB 2017: Abastecimento de água atinge 99,6% dos municípios, mas esgoto chega a apenas 60,3% . https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28324-pnsb-2017-abastecimento-de-agua-atinge-99-6-dos-municipios-mas-esgoto-chega-a-apenas-60-3
Souza, Anelise Andrade de and Heller, LéoPrograma Bolsa Família e saneamento: uma revisão sistemática dos efeitos na diarreia e na desnutrição. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 08 acesso em: https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.07362020
Queiroz, Josiane Teresinha Matos de; Heller, Léo; Silva, Sara Ramos da. Análise da Correlação de Ocorrência da Doença Diarreica Aguda com a Qualidade da Água para Consumo Humano no Município de Vitória-ES. Saúde Soc. São Paulo, v.18, n.3, p.479-489, 2009. Acesso em: https://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/29617/31485
* INTERAÇÃO ONDAS-PRIVAQUA: DE OLHO NA PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO
Privaqua é um projeto de pesquisa que obejtiva entender processos de privatização dos serviços de água e esgotos, tendo por orientação teórico-analítica o marco dos direitos humanos. Neste espaço do site do ONDAS, o Privaqua publica periodicamente textos curtos sobre a temática do projeto, visando divulgar achados parciais, compartilhar reflexões e disseminar elementos da literatura científica sobre o tema. A intenção é a de dialogar com um público não necessariamente familiarizado com a linguagem acadêmica e com os veículos tradicionais de comunicação científica. Trata-se de uma tentativa de exercitar o que se denomina de divulgação científica, para público não-especializado, transpondo os chamados “muros acadêmicos”. O desafio é de, sem perder o rigor, disseminar aspectos do tema da privatização dos serviços de saneamento, visando sobretudo qualificar as atividades da militância do setor.
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