ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O futuro da Sabesp e do saneamento e as próximas eleições

autores: Edson Aparecido da Silva, Amauri Pollachi e Marcos Helano Montenegro*

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A exigência de que os Estados promovam a regionalização da gestão dos serviços de água e esgoto, sob pena dos municípios ficarem sem acesso a recursos federais, faz parte das estratégias de privatização destes serviços introduzidas pela Lei federal nº 14.026/2020, editada no governo Bolsonaro.

Para cumprir essa exigência legal, o governo paulista de João Dória propôs projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa, resultando na Lei nº 17.383/2021, que criou quatro Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (URAEs) para a prestação dos serviços públicos de água e esgotos, nelas agrupando os 645 municípios de São Paulo. A lei fixou o prazo de 180 dias a partir da publicação para que prefeitos manifestassem a adesão às respectivas URAEs.

Um aspecto dessa lei chamou atenção, pois foram agrupados na URAE 1 – Sudeste todos os 370 municípios com contratos vigentes em 2021 com a Sabesp, empresa de economia mista do Estado que atende mais de 30 milhões de pessoas, em uma claríssima diretriz para evitar qualquer perda de valor da maior empresa de saneamento no Brasil. Os demais municípios foram agregados nas três outras unidades regionais sem critérios territoriais ou de qualquer afinidade regional (veja o mapa disponibilizado pelo Instituto Água e Saneamento).

O Decreto nº 66.289/2021, regulamentou a Lei nº 17.383/2021 e estabeleceu formatos tanto para a adesão pelos Municípios à respectiva URAE, quanto da governança compartilhada entre os entes federativos nas URAEs. Os esforços dirigidos a obter a adesão dos municípios listados na URAE 1, a URAE da Sabesp, resultaram em sucesso quase total, destacando-se que o Município de São Paulo, em que a Sabesp obtém cerca de 47% da receita, não aderiu receoso de perder para o Estado o poder sobre a gestão de serviços essenciais. Praticamente não houve adesão dos municípios não atendidos pela Sabesp às URAEs 2, 3 e 4.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), editou , em 15 de agosto, o Decreto 67.880, que reescreve o decreto anterior e impõe um novo e inovador formato para a  composição e as atribuições do Conselho Deliberativo da URAE com finalidade de avançar celeremente com a privatização dos serviços de água e esgoto prestados pela Sabesp. Na URAE 1, o Estado passou a ter 37% dos votos e o Município de São Paulo 19% dos votos, isto é, uma simples composição entre dois partícipes alijará todos os demais municípios de qualquer aspecto da gestão do saneamento.

O novo decreto também ampliou, em flagrante ofensa ao princípio da legalidade, o prazo fixado pela lei para adesão às URAEs, que havia expirado em janeiro de 2022, possibilitando a adesão do município de São Paulo à URAE 1, adesão que não havia ocorrido no prazo legal.

Na prática, o futuro da Sabesp e do saneamento na Capital e em todo o Estado de São Paulo, foi submetido aos acordos e interesses eleitorais e eleitoreiros relacionados às próximas eleições para a prefeitura de São Paulo em 2024, colocando no jogo político o saneamento e a Sabesp nas articulações que envolvem o apoio do governador à reeleição do atual prefeito Ricardo Nunes.

A manobra, nos termos do novo decreto, relega ao segundo plano a prioridade da universalização do acesso aos serviços do saneamento, pois a aliança entre o governo estadual e a prefeitura de São Paulo alija os demais municípios operados pela Sabesp das decisões sobre planejamento, regulação, fiscalização e prestação dos serviços.

Tramitando indevidamente em regime de urgência, a lei estadual que criou as URAES não obedeceu a preceitos estabelecidos no Estatuto das Metrópoles e que deveriam ter sido observados. O Governo do Estado não promoveu consultas e audiências públicas para ouvir os usuários dos serviços, os gestores e legisladores municipais; os entes reguladores; os trabalhadores do setor; os órgãos do sistema de recursos hídricos e os movimentos sociais.

A desvalorização da participação explica a baixíssima adesão às URAEs dos municípios não operados pela Sabesp, que agora o Governo do Estado busca adesão através do programa “Universaliza São Paulo”, o qual, a nosso ver, se configura como mais uma forma de pressão para adesão à privatização do saneamento em todo o território paulista conduzida sob a vontade do governo estadual.

A lei em questão ainda pratica um esbulho de competência dos Conselhos de Desenvolvimento das Regiões Metropolitanas (RMs). O Estado de São Paulo instituiu nove regiões metropolitanas mediante leis complementares, todas tendo como objetivo promover a integração do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região. A leis das RMs paulistas conferem ao Conselho de Desenvolvimento de cada uma delas a competência para especificar as funções públicas de interesse comum, todas contemplando a alternativa do campo funcional “saneamento ambiental”. Portanto, lei ordinária, como a Lei 17.383, que promove a regionalização de serviços públicos de água e esgoto, agrupando os municípios paulistas sem considerar os territórios das RMs, esbulha a competência conferida por lei complementar a cada Conselho de Desenvolvimento de RM para considerar ou não saneamento ambiental como função pública de interesse comum.

Há evidente conflito quando determinado município integrar ao mesmo tempo uma região metropolitana e uma URAE: qual o órgão de gestão compartilhada cujas decisões prevalecerão sobre as ações ou atividades da política de saneamento básico? É razoável indagar: por que os municípios integrantes de regiões metropolitanas irão aderir a uma URAE instituída sem nenhum critério técnico se, ao fazer parte de uma RM, já haverá atendido aos critérios para acesso aos recursos da União previstos na legislação nacional de saneamento? Qual vantagem terá o município nessa situação?

Para além da discussão sobre a legalidade e constitucionalidade da lei e do decreto, remanescem outras questões importantes sendo uma delas a presença de uma cláusula de extinção dos contratos de prestação dos serviços de água e esgotos se houver a transferência do controle acionário da Sabesp à iniciativa privada. Essa cláusula está presente em quase todos os contratos com municípios, como, por exemplo, São Paulo, Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André, Santos, Diadema, Barueri e Praia Grande.

Além disso, são identificadas dificuldades relevantes na transformação dos contratos de programa da Sabesp com os municípios, instrumento específico de colaboração entre entes públicos, em contratos de concessão regulado pela Lei 8.997/1995, visto que os termos de um contrato de programa, pelas próprias características, não se igualam aos de um contrato de concessão.

Um governo sério e verdadeiramente comprometido com o futuro do saneamento básico no Estado de São Paulo estaria fortalecendo a Sabesp enquanto empresa pública, colocando a empresa e demais órgãos estaduais prestando apoio técnico e financeiro a todos os municípios paulistas.

É preciso reconhecer os desafios da universalização do acesso aos serviços de saneamento no Estado de São Paulo, priorizando o atendimento das populações em processo de vulnerabilização que vivem nas periferias, nas favelas e nas áreas rurais.

Não é com transferência do controle acionário da Sabesp para mãos privadas que se atingirá a almejada universalização que, na sua base de operação, poderá ser atingida antes de 2030. Lamentavelmente a dinâmica atual é presidida por acordos eleitoreiros e por interesses financeiros de sujeição ao mercado que alimentam a obsessão pela privatização do atual ocupante do Palácio dos Bandeirantes.

A mobilização social e política contra a privatização da Sabesp vem crescendo. Na Assembleia Legislativa de São Paulo o deputado estadual Emidio de Souza (PT) liderou processo que relançou a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp. Tem razão o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) quando afirma que “se ocorrer, a privatização vai encarecer o custo da conta de água da população de todas as cidades atendidas pela Sabesp, não só da capital. “Isso para não falar do absurdo que é usar a água dos paulistanos como instrumento de barganha política.

Impedir a venda da Sabesp e a privatização do saneamento básico no estado de São Paulo são desafios que exigem a mobilização das forças populares e a construção de um amplo e vigoroso arco de alianças entre os mais diversos setores sociais e políticos em todas as regiões do Estado.


* Edson Aparecido da Silva é sociólogo, mestre m Planejamento e Gestão do Território, secretário executivo do ONDAS e assessor de saneamento da FNU.
Amauri Pollachi
é engenheiro mecânico e bacharel em História, membro do Conselho de Orientação do ONDAS, diretor da Associação de Profissionais Universitários da Sabesp – APU e Vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Marcos Helano Montenegro
é engenheiro civil e mestre em Engenharia Urbana e de Construções Civis, coordenador de comunicação do ONDAS e diretor nacional da ABES.

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