ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Outros futuros possíveis: Abordagem para novas práticas

DHAES NA AMAZÔNIA

Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia inova contribuindo à identificação de abordagem e práticas à garantia do Direito Humano à Água e ao Saneamento

autoras: Ma. Júlia Bastos Borges*; Dra. Simonne Teixeira*; Dra. Andrea Hentz*; Ma. Luciana Bellé Rocha*.  

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A Amazônia possui a maior porção de água doce do Brasil, 68,5% de água distribuída em 45,3% da sua superfície [1] mas, quando o assunto é saneamento básico abriga 4 das 10 piores cidades, do País, para se viver [2].

A relação dos humanos com a água é marcada por profundas desigualdades econômicas, políticas, ambientais, culturais e sociais e para reverter esse cenário a universidade pública brasileira busca soluções inovadoras.

Apresentamos nesse breve artigo a experiência realizada no âmbito do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia integrado pelo: Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (PDTSA/UNIFESSPA); Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (PPGPS/UENF); Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteira da Universidade Federal de Roraima (PPGSOF/UFRR).

Em espaço formativo realizado na Amazônia, na cidade de Marabá, nas dependências do PDTSA/UNIFESSPA, em julho de 2022 com estudantes de graduação e pós-graduação do território amazônida foi possível identificar que, apesar dos problemas relativos ao acesso universal de água e saneamento serem de fáceis e rápidas soluções, outras questões muito complexas se colocam. Entre elas as relacionadas a disputa de poder incutida nas práticas sociais e no silenciamento de valores à água.

O curso de extensão universitária intitulado “Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis” inovou ao apresentar a Cultura da Água relacionada ao Ciclo Hidrossocial, abrindo caminhos a novos olhares, saberes e fazeres que podem ser incorporados à Agenda Internacional, possibilitando respostas aos desafios colocados.

A cabeça pensa onde os pés pisam: elaborações coletivas fruto do espaço formativo.

Realizado na Região Norte, onde a população brasileira tem o pior acesso à água de boa qualidade e os piores índices de coleta e tratamento de esgoto. Especificamente na segunda cidade com pior saneamento básico do Brasil, Marabá, o curso apresenta a possibilidade de incorporar outros saberes e fazeres na Política da Água.

Ao identificar e analisar o Ciclo Hidrológico (tradicionalmente ensinado em fases: evaporação, condensação, etc.) como limitado ao desconsiderar o ser humano no seu processo. Uma vez que aborda apenas o saber relacionado a determinados conhecimentos (como a geologia; estudo da movimentação e distribuição da água no planeta) afasta, a nosso ver, do caminho a incorporação dos saberes tradicionais no tema da Segurança Hídrica.

Apontamos a urgência em incluir o patrimônio cultural material e imaterial de cada povo da Amazônia, através da Ecologia de Saberes [3], em igualdade de condições com os provenientes de outras culturas.

Para essa tarefa, o curso conclui a importância de incorporar no Ciclo Hidrossocial [4] a Cultura da Água [5] dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs).

Ciclo Hidrossocial e Cultura da Água: Abordagem contribui à garantia do Direito Humano à Água e ao Saneamento (DHAS)

O Ciclo Hidrossocial (CHs) incorpora ao Ciclo Hidrológico as práticas dos seres humanos que impactam a Água identificando, entre outros elementos, as disputas de poder pela água.

Ao mapearmos os corpos hídricos e suas afetações o espaço formativo compreendeu o CHs como uma abordagem alternativa, ao limitado Ciclo Hidrológico indicando sua aplicação à Resiliência dos povos das florestas, dos rios, mares, campo e da cidade frente ao aquecimento global e a destruição dos ecossistemas.

Denomina-se Cultura da Água (CA) o encontro entre o que vem da natureza (sistema ecológico e seus subsistemas geomorfológico, edafológico, biológico, climático e suas variações) e o que vem da sociedade (matrizes culturais e sociopolíticas que adquirem uma dimensão integradora na Matriz de Necessidades Fundamentais ou Matriz da Cultura da Água.

A combinação do CHs com a CA permite uma nova abordagem à identificação dos pontos de insegurança hídrica em cada CHs, possibilitando maior resiliência às mudanças climáticas e ao mesmo tempo incorpora os saberes e fazeres dos PCTs, possibilitando a incorporação dos seus direitos coletivos, deixados de fora da Agenda 2030[6].

Outras Práticas Possíveis: Recomendações do espaço formativo

O espaço formativo conclui que se as ações necessárias, à garantia do DHAS utilizassem a CA como ferramenta, sua realização ocorreria: a) de forma democrática; b) incorporando os saberes tradicionais e científicos e c) insurgindo-se para garantir que, de fato, os poluidores das águas e grandes consumidores, sejam responsabilizados e obrigados a solucionar os problemas causados.

O Curso identificou a necessidade de incorporar, como público alvo, nas campanhas de conscientização públicas os maiores usuários de água (agricultura, indústria, setor hidroelétrico etc.) e os maiores poluidores (mineradoras, indústrias, produtoras de commodities utilizadoras de agrotóxico, etc.).

Entre as conclusões indica à urgência em convocar o poder público (prefeitos, governadores e a presidência da república, junto ao Ministério Público e demais órgãos do Estado) à construção de uma Agenda Ecológica que garanta a despoluição, preservação, conservação e manejo da água uma vez que o Estado brasileiro é responsável pela Política que, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, levou à morte mais de 83 mil km de rios no Brasil — o equivalente à extensão combinada dos 17 maiores rios do mundo[7].

A construção da Agenda Ecológica fortalece o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ao incorporar todos os aspectos do saneamento básico a partir da abordagem que combina no Ciclo Hidrossocial a Cultura da Água.

A história da Cultura da Água “[…] será universal no enunciado e local na sua enunciação, pertencendo a cada povo, a cada sociedade” [8]. Nesse processo, cabe à academia evitar a tendência de considerar o saber dos povos originários como de baixa qualidade e se somar em defesa da água, enquanto há tempo.


Júlia Bastos Borges – Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro atuou como Coordenadora Geral do curso de Extensão Universitária “Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis”.

Simonne Teixeira – Dra. Filosofia e Letras (História); Docente dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Ciências Naturais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; Bolsista Produtividade CNPq; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Oficina de Estudos do Patrimônio Cultural.

Andrea Hentz – Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas territoriais e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

Luciana Bellé Rocha – Professora de Ciências Biológicas – pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.


[1] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano. Plano Nacional de Recursos Hídricos. Brasília, DF, 2005.

[2] g1 Pará; TV Liberal. Quatro cidades paraenses estão entre as 10 com pior saneamento básico do Brasil, aponta estudo. 21 mar. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/03/21/quatro-cidades-paraenses-estao-entre-as-10-com-pior-saneamento-basico-do-brasil-aponta-levantamento.ghtml. Acesso em: 25 mar. 2023.

[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. Ecologia de Saberes: Sustentabilidade, Descolonização e Culturas de Resistência. São Paulo: Cortez Editora, 2010. 416 p.

[4] SWYNGEDOUW, E. Economía política y ecología política del ciclo hidro-social.  In: CASTRO, J. E. et al. Territorialidades del agua: conocimiento y acción para construir el futuro que queremos. 2. ed.  Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación CICCUS; Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Waterlat-Gobacit, 2019.

[5] VARGAS, R. La Cultura del Agua. Lecciones de la América Indígena. Montevideo: UNESCO, 2006. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000192168.locale=es. Acesso em: 22 mar. 2023.

[6] Ver: https://www.un.org/es/desa/indigenous-report

[7] RESK, F. Brasil tem mais de 83 mil km de rios poluídos, aponta Agência. Estadão, 9 ou. 2019. Disponível em:https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-mais-de-83-mil-km-de-rios-poluidos-aponta-agencia-nacional,70003042816. Acesso em: 05 abr. 2023.

[8] Vargas (2006, p. 110).

2 comentários em “Outros futuros possíveis: Abordagem para novas práticas”

  1. Parabéns aos organizadores do curso. A extensão com parcerias entre universidades é um caminho fundamental para acessar os territórios!

    1. Obrigada Mariana,
      Acreditamos que o processo de conformação de Redes, principalmente dentro de Instituições de Ciência e Tecnologia, têm muito a somar para “Reflorestar o Imaginário” e construir alternativas pra esses futuros possíveis.

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