Reportagem da Folha de S. Paulo aborda a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, divulgada pelo IBGE em 22/7. O repórter Diego Garcia também entrevistou o secretário-executivo do ONDAS, Edson Aparecido da Silva, que “entende que o déficit de saneamento no Brasil não será resolvido de forma tão simples, pois as deficiências se encontram principalmente onde habitam pessoas em processo de vulnerabilidade, como favelas e periferias das grandes cidades”. “Atender essas áreas não interessará ao setor privado, já que que não há retorno financeiro e a necessidade de investimentos são grandes”, disse Edson.
Leia a reportagem na íntegra:
Quase metade dos domicílios brasileiros não tem acesso a rede de esgoto
Esgotamento sanitário estava fora de 34 milhões de domicílios, e 9,6 milhões ficavam abastecimento de água
Aproximadamente 34,1 milhões de domicílios brasileiros, o equivalente a 49,2% do total nacional, não tinham acesso a esgotamento sanitário por rede e mais de 2,2 mil municípios, 39,7% do país, não contavam com esse serviço em 2017, informou, nesta quarta-feira (22), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
O balanço consta da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico e, segundo especialistas, apesar da defasagem de três anos, os dados refletem a realidade atual do saneamento brasileiro, pois o setor não recebeu os investimentos necessários para mudar o cenário no período.
A pesquisa sobre o saneamento nacional não era publicada desde 2008. No estudo, o instituto investigou a situação do setor em todos os municípios do país, avaliando a oferta do serviço de abastecimento de água por rede geral de distribuição e esgotamento sanitário por rede coletora.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou na semana passada o novo marco regulatório do saneamento básico, medida que estimula a participação da iniciativa privada no setor. De acordo com a pesquisa divulgada pelo IBGE nesta quarta-feira, apenas 3,1% das entidades que faziam tratamento de esgoto no Brasil em 2017 eram privadas –em 2008, último ano do estudo, esse total era de 2,1%.
A proporção de municípios onde a prefeitura era única ou uma das entidades executoras caiu de 57,1% em 2008 para 46,2% em 2017. Mas o peso das companhias estaduais na oferta passou de 32,4% para 41,6%. A participação de autarquias municipais teve leve alta de 9,6% para 11,0%.
No que diz respeito ao tratamento de água, no levantamento mais recente, 3,6% das entidades responsáveis pelo serviço eram do setor privado, proporção menor do que os 4,5% de 2008. Já as companhias estaduais ficavam com 69,5% dos trabalhos, e as municipais com 10,3%.
A pesquisa confirma levantamentos realizados por entidades e empresas do setor sobre problemas na gestão dos recursos. Cerca de 40% da água utilizada no Brasil em 2017 foi desperdiçada ao longo do sistema de distribuição até o destino final. Além disso, 5,5% do volume de água distribuído no país não recebe tratamento antes de chegar à população.
De acordo com Fernanda Malta, gerente da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, todo sistema de abastecimento de água apresenta perdas físicas ao longo de suas etapas. No caso das perdas físicas na distribuição, elas ocorrem, principalmente, devido a vazamentos nos reservatórios e na própria rede.
Em relação à cobrança de tarifa pelos serviços de saneamento básico, 91,9% dos municípios com rede de abastecimento de água cobravam tarifa pelo serviço, enquanto 61,1% tinham tarifa de esgotamento sanitário.
Subsídios, como instrumentos econômicos de política social para garantir a universalização do acesso ao saneamento básico, estavam presentes em 72,6% das cidades com abastecimento de água e 67,8% das que tinham esgotamento sanitário.
No Norte, para ambos os serviços, apenas 40% das localidades apresentava esse instrumento de política social. No Nordeste, 79,2% dos municípios tinham subsídio por serviços de abastecimento de água, enquanto no Sul a proporção era de 79,3% das cidades com rede de esgoto.
O modelo de saneamento básico sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro abre caminho para o envolvimento de empresas na universalização do acesso a água e esgoto. O projeto foi aprovado pelo Senado no final de junho, com 65 votos favoráveis e 13 contrários, com oposição de toda a bancada do PT.
A previsão do marco é que o Brasil deveria chegar a 90% dos domicílios com esgotamento e 99% com abastecimento de água até 2033, daqui a 13 anos. Patrícia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV e especialista em infraestrutura e saneamento, avalia que o país precisa priorizar o tema do saneamento se quiser atingir a meta.
“O desafio é muito grande. Vai depender muito de como serão robustas as regras para atrair investimentos. A ideia de que haverá um incentivo na lei traz um ambiente mais favorável de segurança jurídica e clareza nas normas”, definiu Patrícia. Ela apontou que, apesar de os dados do IBGE serem de 2017, atualmente os números são parecidos.
Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do ONDAS (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e assessor de saneamento da FNU (Federação Nacional dos Urbanitários), entende que o déficit de saneamento no Brasil não será resolvido de forma tão simples, pois as deficiências se encontram principalmente onde habitam pessoas em processo de vulnerabilidade, como favelas e periferias das grandes cidades.
“Atender essas áreas não interessará ao setor privado, já que que não há retorno financeiro e a necessidade de investimentos são grandes”, disse Edson.
O advogado Rubens Naves, ex-membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente, da Superintendência Jurídica da Sabesp e autor do livro “Água, crise e conflito em São Paulo”, concorda que o debate gira em torno de uma possibilidade de se desenvolver uma atividade econômica empresarial e não em uma forma efetiva de fazer o cidadão – especialmente o mais vulnerável – ter acesso ao saneamento básico.
“Fica de fora todo um contingente de pessoas em áreas de ocupação irregulares, de favelas e de proteção ambiental”, analisou Naves.
Já o advogado Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, membro dos Comitês de Saneamento e de Ética e Compliance da Abce (Associação Brasileira de Consultores de Engenharia) e da Comissão de Estudos de Saneamento Básico do Iasp (Instituto dos Advogados de Săo Paulo), avalia que uma maior participação do setor privado traz boas expectativas, mas deve ser acompanhada de perto.
“O maior desafio será de governância, de incentivo para novos contratos. O grande ponto será a fiscalização desses contratos”, apontou o advogado.
O novo marco regulatório do setor terá custo estimado da universalização dos serviços é de R$ 700 bilhões durante o período. Onze dispositivos do texto foram vetados pelo mandatário. Entre os vetos, está o que permitia que estatais que prestam os serviços hoje renovassem contratos por mais 30 anos sem licitação. Também foi vetado trecho que, segundo o governo, impediria que o setor de resíduos sólidos se beneficiasse das novas regas estabelecidas pelo marco legal.
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