Em meio à maior seca enfrentada pela Grã-Bretanha nas últimas décadas, o jornal The Guardian defende em editorial do último 10 de agosto, a renacionalização dos prestadores de água e esgoto privatizados há três décadas pelo governo conservador de Margareth Tatcher. Segundo o jornal, os prestadores que operam serviços públicos em regime de monopólio natural são capazes de enganar reguladores frágeis.
O quadro se caracteriza por tarifas elevadas, remunerações astronômicas dos executivos, endividamento elevado e priorização do pagamento de dividendos aos acionistas em relação aos investimentos necessários à melhoria do desempenho dos serviços, com consequente aumento das perdas de água e dos episódios de poluição por esgotos brutos.
O Guardian destaca a pusilanimidade dos órgãos reguladores incapazes de reverter a situação.
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É HORA DE NACIONALIZAR UM SISTEMA PRIVADO FALIDO
É hora de consertar o modelo falido de prestação privada da Grã-Bretanha, no qual os monopólios naturais são capazes de enganar reguladores fracos.
Quarta, 10 de agosto de 2022
Quando a indústria da água estava em mãos públicas, dizia-se que não funcionava nem para seu proprietário – o Estado – nem para o público. Desde que foram privatizadas em 1989, as empresas de água enriqueceram investidores e executivos seniores, mas não conseguiram investir adequadamente em infraestrutura. Os acionistas receberam £ 72 bilhões em dividendos . O dinheiro veio através de grandes endividamentos, com as empresas tomando empréstimos de £ 56 bilhões, e de contas elevadas, com tarifas subindo 40%. A eficiência do setor privado não forneceu um serviço melhor, mas permitiu sugar os recursos das empresas.
A prioridade das empresas foi ganhar dinheiro, ao invés de descobrir como enfrentar os desafios da emergência climática. Assim, as empresas de água vão impor proibições de uso de mangueiras no calor recorde deste verão, apesar de não terem melhorado a perda física por vazamentos, que é de 20%. Duas empresas que estão restringindo o uso da água – South East Water e Southern Water – têm alguns dos piores registros ambientais. A Thames Water, que proibirá a irrigação de gramados por seus 15 milhões de clientes, foi multada em 20 milhões de libras em 2017 por despejar 1,4 bilhões de litros de esgoto bruto nos rios. No ano passado, descobriu-se que a empresa despejou ilegalmente esgoto não tratado por 735 dias.
Tais falhas são supridas pelas companhias de água com declarações banais tentando criar a ilusão de que os problemas estão sendo solucionados. As empresas saem impunes porque os órgãos fiscalizadores da água são como cães que ladram, mas não mordem. A Agência do Meio Ambiente (Environmental Agency) disse que executivos das companhias de água responsáveis pela pior poluição deveriam ser presos. Não há sinal de nenhum executivo-chefe enfrentando acusações criminais. Em fevereiro, o regulador do setor, Ofwat, disse que as empresas de água privatizadas da Grã-Bretanha deveriam vincular o pagamento dos executivos ao desempenho das empresas. Neste verão, a chefe da Thames Water, Sarah Bentley, receberá um total de £ 700.000 como parte de um pacote de pagamento de £ 3 milhões por sua contratação, apenas algumas semanas após ser reconhecido oficialmente o terrível desempenho de sua empresa quanto à poluição.
O som que se ouve mais hoje em dia nos corredores do órgão de regulação é o da porta sendo fechada muito depois do roubo ter ocorrido. Em junho, a Anglian Water, uma das maiores empresas do Reino Unido, anunciou que pagaria 92 milhões de libras em dividendos aos seus proprietários. Um mês depois, o órgão regulador Ofwat propôs novos regulamentos para impedir o pagamento de dividendos aos acionistas.
O Governo sinalizou que no pós-Brexit, o processo que culminou com a saída da Grã-Bretanha da Comunidade Europeia, as regulamentações provavelmente serão menos – e não mais – onerosas. Os eleitores têm todo o direito de se sentirem decepcionados. Há evidências claras de que as empresas privatizadas estão sobrecarregando os clientes dos serviços que são monopólios naturais, enganando o regulador e pagando os acionistas mediante a criação de dívidas. Esse comportamento ultrajante foi agravado, ao que parece, por um descumprimento coletivo na realização dos investimentos de que a sociedade necessita.
O modelo de prestação privada da Grã-Bretanha está falido. Os serviços podem ser claramente geridos pelo Estado de uma forma que faça mais sentido. As ferrovias se mostraram inadequadas ao capitalismo convencional. O Governo já anunciou planos para nacionalizar partes-chave da rede elétrica para ajudar a cumprir as metas climáticas. O Tesouro foi forçado a pagar a conta quando os fornecedores de gás entraram em colapso. O aquecimento global significa que a escassez e os vazamentos de água devem piorar. Impedir que as empresas possam burlar o sistema e se esquivar de suas responsabilidades exigirá torná-las propriedade estatal.
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Traduzido por Marcos Helano Montenegro e revisado por Alex Moura Aguiar, para o ONDAS.