ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A Gestão do Saneamento em Minas e a Constituição Estadual

Artigo publicado originalmente em Novo Jornal
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autor: Alex M. S. Aguiar*

A Constituição Estadual mineira, promulgada em 1989, traz em seu Artigo 11, IX:

  • Art. 11 – É competência do Estado, comum à União e ao Município:
  • IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

Já seu Art. 183 traz as seguintes disposições:

  • Art. 183 – O Estado assegurará, com base em programas especiais, ampla assistência técnica e financeira ao Município de escassas condições de desenvolvimento socioeconômico, com prioridade para o de população inferior a trinta mil habitantes.
  • § 1º – A assistência, preservada a autonomia municipal, inclui, entre outros serviços:
  • II – instalação de equipamentos necessários para o ensino, a saúde e o saneamento básico;

Como visto, a Constituição Estadual reconhece como competência do estado a promoção do saneamento básico à população. Mais que isso, define como responsabilidade do estado assistir os pequenos municípios com a infraestrutura necessária para assegurar saneamento básico às pessoas.

Isto é o que reza a Constituição Estadual, que segundo seu preâmbulo,de autoria dos deputados estaduais à época de sua promulgação,busca assegurar “o direito de todos à cidadania plena, ao desenvolvimento e à vida, numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada na justiça social.”

É impossível, ao conhecer o conteúdo da Constituição Estadual mineira, não se sentir chocado com a gestão que o Governo Zema adota para o saneamento em Minas Gerais. Zema nunca escondeu seu desejo de privatizar a Copasa, mesmo sendo ela uma empresa presente em mais de 600 municípios mineiros e cuja lucratividade tem contribuído anualmente com o aporte de milhões de reais ao cofre do estado. Apenas nesses três anos e meiode Governo Zema a Copasa distribuiu aos seus acionistas R$1,63 bilhões em valores nominais, que ajustados para maio/2022 representam R$1,87 bilhões. Pouco mais da metade desse recurso foi para o cofre do estado, acionista controlador da Copasa.

A obsessão de Zema em privatizar a Copasa conflita com a responsabilidade do estado em prover saneamento ao povo mineiro expressa na Constituição Estadual. E para cumprir sua meta nomeou um novo presidente para a Companhia que, em entrevista ao Valor Econômico afirmou que “o foco da atual gestão será a manutenção dos contratos superavitários”, e que “não faz sentido brigar por concessões deficitárias.”

Ora, os dados do SNIS 2020 apontam para a Copasa – não incluindo sua subsidiária Copanor –272 municípios (47% do total) onde a despesa total com os serviços supera a receita total apurada. Destes 272 municípios, 243 (89,3%) têm população inferior a 30 mil habitantes. Municípios com população até 30 mil habitantes têm definida na Constituição Estadual, como vimos, a prioridade em receber assistência do estado nos serviços de saneamento básico. Logo, a estratégia negocial assumida pelo Governo Zema e pelo presidente indicado por ele para a Copasa conflita diretamente com a Constituição Estadual, e com os objetivos de assegurar “o direito de todos à cidadania plena, ao desenvolvimento e à vida, numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada na justiça social.”

A matéria do Valor Econômico se encerra com a seguinte afirmação do novo presidente da Copasa: “O que não adianta é que a Copasa continue tratando isso sob aspecto social, abraçando municípios sem fazer q correta avaliação, porque aí se perde todo o aspecto técnico, o que acaba corroendo o valor da empresa.” Nada mais explicitamente distante, portanto, da “justiça social” que fundamenta a Constituição Estadual.

A verdade é que o Governo Zema e sua administração da Copasa desconhecem e desprezam a Constituição Estadual. Desconhecem, também, qual é o papel do estado e qual sua responsabilidade para com a população, em especial aquela dos pequenos municípios. Pretendem simplesmente se verem livres dos custos representados por pequenos municípios no balanço financeiro da Copasa, aumentando seus lucros e o aporte de recursos aos cofres dos acionistas privados e do governo.

Que isso sirva de alerta aos prefeitos e à população dos municípios mineiros:a prevalecer a visão de Zema, em breve a população dos pequenos municípios mineiros e aquela em situação de vulnerabilidade social e financeira poderão ter dificuldades de acesso a serviços tão essenciais como o abastecimento de água e o esgotamento sanitário. A visão expressa pelo presidente da Copasa indicado por Zema é a máxima de uma empresa privada: a busca ininterrupta pela maximização de seus lucros, mesmo que isso custe violar o direito humano das pessoas de acesso à água potável e ao esgotamento sanitário.

Alex M. S. Aguiar – Engº Civil, Mestre em Saneamento pela UFMG. Diretor da H&A Engenharia, Conselheiro de Orientação do ONDAS.

 

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