Autora: Renata Barbosa*
Publicado originalmente no site Diplomatique em 21 de novembro de 2023*
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GOVERNADOR ENVIOU À ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS (ALMG) UM PROJETO DE LEI, PARA APROVAÇÃO AINDA ESTE ANO, DA PRIVATIZAÇÃO NÃO SOMENTE DE ENERGIA MAS TAMBÉM DE ÁGUA E SANEAMENTO
A meta 7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, referente à Energia Acessível e Limpa até 2030, estabelece que é necessário “assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preços acessíveis à energia para todas e todos”.
A privatização da Eletrobrás, em 2022, reconfigurou o mercado de água no Brasil, pois rios, lagos, águas subterrâneas, reservatórios e hidrelétricas estão nas mãos de acionistas. Afinal, a perda do comando da energia significa não apenas a falta de controle tarifário ou de uma distribuição de eletricidade igualitária à população, mas, também, o fim da soberania do país na regularização hídrica, de irrigação e abastecimento de água.
Serão trinta anos de concessão para companhias privadas no modelo “corporation”, em que, apesar de 43% das ações pertencerem à União, apenas 10% de seu voto serão computados no Conselho da empresa.
Em uma onda de privatização de energia no Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, defende o modelo da Eletrobrás para gerir a energia no estado. Atualmente, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), empresa de Parceria Público-Privada (PPP), atende 774 municípios mineiros, dos 853 em sua totalidade. Em 2022, a empresa gerou lucro líquido de R$ 4,1 bilhões para cerca de 255 mil acionistas e já acumula até novembro de 2023 um aumento de cerca de 30% a mais em relação ao mesmo período de 2022.
Para tanto, neste ano, houve um aumento de 14,91%, repassado aos consumidores pela revisão tarifária executada a cada cinco anos. A Cemig aplica a mesma tática empregada pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa): apesar da alta lucratividade, há elevação de tarifas e queda na qualidade de serviços, derivadas da redução de investimentos. Por tal razão, em 2022, a Cemig caiu quatro posições no ranking de melhor performance, em comparação com 2021. O desgaste da Cemig, de certa forma, é a mola propulsora de transição que o governo necessita para dar a outorga de energia à iniciativa privada.
Assim, Zema enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei, para aprovação ainda este ano, da privatização não somente de energia mas também de água e saneamento.
Todavia, o art. 14, § 17 da Constituição do Estado de Minas Gerais exige a participação popular por meio de referendo para decidir sobre a desestatização das duas empresas. Zema, contudo, afirmou que não realizaria um plebiscito e protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em 21 de agosto, a fim de retirar tal exigência legal, já que, em suas palavras, “não faz sentido consultar o povo”. Pretende, ainda, alterar o inciso § 15, que determina a aprovação de três quintos do quórum (46 dos 77 deputados), pela aprovação de maioria simples, computando-se apenas 39 votos para efetuar uma cisão de sociedade de economia mista e de empresa pública.
Zema comprova que não está apto a dialogar, segundo demonstrou, ao requerer a anulação de uma cláusula primordial da Constituição do Estado de Minas Gerais: a vontade do povo para julgar seu próprio destino.
Utilizaremos, para o escrutínio sobre as concessões a situação de outros estados brasileiros após a privatização de energia.
Cidade | Concessão | Transparência | Aumento de tarifa | Eficiência | Nível de pobreza |
Alagoas | Concessão: 2018 (30 anos de outorga). Equatorial. | Leilão arrematado por preço simbólico de R$ 50 mil. Lucro líquido da empresa de R$ 2,257 bilhões, dois anos depois. | 26,3% de aumento com reajuste de 10% em 2022. Aumento de 14,57% em 2023. R$ 0,86 por KWh na tarifa residencial. | Constantes cortes de energia. Apenas 52% das residências em comunidades de Maceió têm eletricidade. Valores indevidos cobrados nas faturas. | Maceió: 36,3%. Entorno: 46,51%. Sertão: 54,21%. |
Maranhão | Concessão: 2021 (30 anos de outorga). Equatorial. | No ranking das melhores distribuidoras de energia, a empresa ocupa o penúltimo lugar. | A 3ª maior tarifa do NE, apesar de ter a população mais pobre do Brasil. Reajuste anual. De 2015 a 2018, reajuste de 79,73%. Tarifa convencional: R$ 0,65. Horário intermediário: R$ 0,90. Horário de pico: R$ 1,41. | Falta de energia de até 3 dias na área rural. Falta de funcionários. | Maior taxa de pobreza do país: 57,9%.
São Luís: 37,83%. Litoral: 72,59%. |
Brasília | Em 2015 a CEB, empresa estatal, renovou contrato por 30 anos. Porém, em 2020, houve privatização concedida à Neoenergia. | Leilão violou decisão do TJDFT – sem autorização legal. Concessão não passou pela Câmara Legislativa e não houve consulta à população | Valores de tarifas duplicaram. Cobranças indevidas. | Corte no quadro de empregados. Falta de serviços à população. Queda constante de energia de até 40 horas. Aumento de 532% de reclamações no Procon e 230% na Aneel em 1 ano de privatização. | DF: 15,70%. |
Piauí | Concessão: 2018. Equatorial. | Lance único no leilão por valor de R$ 50 mil. | Segunda maior tarifa do NE. Tarifa residencial normal: R$ 0,74, em baixa tensão. Horário intermediário: R$ 1,69. Horário de pico: R$ 1,66. | CPI da Equatorial para avaliar qualidade de serviços e gastos da empresa. Corte de funcionários em 80%. Apagão por dias na capital. Manifestantes recebem tiros ao protestarem contra empresa. | Teresina: 30,33%. Entorno: 47,13%. Alto Parnaíba: 52,88%. |
Rio Grande do Sul | Concessão: 2021. Equatorial. | Arrebatado por R$ 100 mil e lucro de R$ 3 bilhões nos últimos anos. Último lugar no ranking de distribuição de energia do país | Entre 13-15%. | Audiência pública na ALRS devido ao grande número de reclamações do serviço. Falta de atendimento à população pobre. | Porto Alegre: 11,97%. Entorno: 11,56%. Oeste: 14,99%. |
Fonte: Dados compilados pela autora.
Conforme observado, a distribuidora Equatorial Energia, controlada pela Eletrobrás, arrematou as concessões em lances únicos nos estados de Alagoas e Piauí, no valor exíguo de R$ 50 mil, e, no Rio Grande do Sul, de R$ 100 mil. Ainda se constata falta de transparência em todos os contratos, inclusive por parte da Neoenergia, em Brasília. Quanto maior o índice de pobreza no estado, maior o valor tarifário, como ocorrido no Nordeste – em Alagoas, Maranhão e Piauí –, em comparação com o Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
Reverter uma privatização é, em suma, um processo muito difícil e dispendioso. Portanto, é imprescindível que tanto o povo quanto os parlamentares não permitam que as privatizações aconteçam. Empresas privadas com fins lucrativos não deveriam controlar o que são premências para a sobrevivência do ser humano.
Assim, contrário às metas da ODS, o Brasil voltou a fazer parte da corrente privatista, com licitações sem disputa concorrencial e contratos duvidosos que beneficiam as concessionárias e quem as contrata, como via de regra. Do outro lado, está a população que enfrenta o aumento da conta de luz. Isso contribui para o crescimento da pobreza e da desigualdade social, pois, para a população que se encontra em vulnerabilidade financeira, são insustentáveis os reajustes tarifários, principalmente sem o subsídio cruzado. Mesmo porque – os dados demonstram – são as regiões mais pobres do Brasil que pagam além da medida o custo das privatizações, e ainda sofrem o maior impacto da falta de energia. Zema sabe disso.
Renata Barbosa é cientista política, graduada pela Hunter College, em NY. Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), em Londres. Cursou Estudos sobre a Economia Latinoamericana na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em Santiago do Chile.