“NA PRIVATIZAÇÃO DA AGESPISA DO PIAUI O QUE IMPORTA É O LUCRO DAS EMPRESAS PRIVADAS E O ABANDONO DA POPULAÇÃO QUE NECESSITA DOS SERVIÇOS”
Autor: Edson Aparecido da Silva*
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Está em andamento o processo de concessão da prestação regionalizada dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário na microrregião de água e esgoto do Piauí – MRAE.
A licitação se dará na modalidade concorrência pública, a ser julgada pelo critério de menor tarifa, combinado com maior valor de outorga. O edital da concessão, prevê outorga mínima no valor de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais).
Os envelopes contendo a garantia de proposta, os documentos de representação e a proposta comercial deverão ser entregues na B3, no dia 09 de agosto de 2024, e no dia 14 de agosto está prevista a sessão de abertura dos envelopes. O prazo limite para divulgação do resultado é o dia 23 de agosto de 2024.
A análise dos documentos do processo licitatório indicou vários problemas, alguns dos quais discutimos a seguir.
Tarifa social restrita
Não foram obedecidas totalmente as regras estabelecidas na Lei nº 14.898, de 13 de junho de 2024, que institui diretrizes para a Tarifa Social de Água e Esgoto em âmbito nacional. É importante destacar que mesmo as regras vigentes antes da aprovação da referida Lei foram consideradas, pois apresenta um limite para a aplicação da tarifa social, o que certamente irá proporcionar necessidades de revisões nas tarifas a serem praticadas.
O Anexo V – Estrutura Tarifária e Serviços Complementares do Contrato de Concessão, respeita a legislação citada no que se relaciona ao percentual de desconto da tarifa social, ou seja, 50% em relação a tarifa residencial normal, mas nesse caso está aumentando a tarifa social conforme veremos a seguir. Porém, as regras estabelecidas no nesse Anexo, em relação à elegibilidade das famílias, ferem a legislação. nacional. Os critérios previstos no contrato 1) Ser cliente residencial/doméstico; 2) Participar do Programa do Benefício Social do Governo Federal (Renda Brasil ou outro que o substitua); 3) Residir em imóveis cuja área construída não ultrapasse a 50m² ou; 4) Residir em imóveis, cuja condição de moradia seja casa de palha, taipa e similares, sem limites de área construída e 5) Estar adimplente com a concessionária. As condições 3, 4 e 5 são ilegais pois restringe o acesso amplo que a legislação prevê. A lei fixa que tem direito automático à tarifa social de água e esgoto os usuários com renda per capita de até 1/2 (meio) salário-mínimo desde que se enquadrem em um dos seguintes critérios:
I – pertencer a família de baixa renda inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) ou no sistema cadastral que venha a sucedê-lo; ou
II – pertencer a família que tenha, entre seus membros, pessoa com deficiência ou pessoa idosa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família e que receba Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Também chama atenção o número diminuto de famílias hoje beneficiadas com a tarifa social, de apenas 14.178 unidades, segundo informações que constam do anexo VII – Plano de Negócios Referencial. Consultadas as informações do CadÚnico, o número de famílias potencialmente elegíveis para esta tarifa com base na Lei nº 14.898 e considerando o número de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal com dados de junho de 2024 que apresenta, no Estado do Piauí, 582.818 (61%) famílias em situação de pobreza e 138.197 (14%) famílias de baixa renda. Considerando somente a área inicial da concessão (que não inclui as áreas urbanas de Teresina, Landri Sales e Antonio Almeida), o número de famílias que devem ser enquadradas na tarifa social chega a mais de 598 mil, número 42 vezes maior que o das 14 mil famílias hoje beneficiadas. Tal fato indica a necessidade de informação, fiscalização e cobrança para que as determinações da nova legislação de tarifa social sejam cumpridas e a acessibilidade das famílias em situação de vulnerabilidade econômica seja facilitada.
Aumento de 43% na tarifa social
Fica evidenciado um aumento da tarifa social a ser praticada pela concessionária. O confronto da tabela de tarifas da AGESPISA vigentes em 2024[1] com a estrutura tarifária que vai vigorar após a privatização mostra que a tarifa social de água, que hoje tem valor de R$ 16,78 (para 10m³), passará para R$23,98 (para 10m³), um valor 42,9% maior. Uma manobra que pode atrair mais empresas para a licitação, mas que, sem dúvida, vai tornar mais difícil a vida das famílias pobres do Piauí tabela 1.
Tabela 1: Valor da Tarifa Social
Cobrando mais das ligações não hidrometradas
Merece denúncia e questionamento o fato de as economias cujas ligações não estejam hidrometradas estarem sujeitas à cobrança de tarifas aplicáveis ao consumo de 15 metros cúbicos por mês, conforme tabela 2, transcrita do mesmo Anexo V. Ora, a responsabilidade pela instalação de hidrômetros é do prestador, não havendo razão para o usuário seja onerado pela omissão daquele. Nesse caso, não é aceitável que o usuário seja cobrado por mais que o consumo mínimo mensal de 10 m³.
Tabela 2: Tarifas das ligações não hidrometradas
Chama atenção a autorização para a cobrança automática pela concessionária dos usuários cujos domicílios se localizem em logradouros que contam com redes de abastecimento de água ou rede coletora de esgotamento sanitário, independente do fato de terem ou não a respectiva ligação de água e esgoto. Aliás, nem os usuários cujos domicílios não apresentam factibilidade da ligação de esgoto são excluídos desta regra.Observamos também que, caso o proprietário não seja beneficiário da tarifa social, terá que arcar com os custos das instalações internas que possibilitem a conexão à rede de esgoto e ligação de água.
Aumento da tarifa de esgoto
Ainda com relação a tarifa vale destacar que a tarifa de esgoto que atualmente é cobrada na relação de 80% da tarifa de água terá alteração chegando a 100% a partir do 5º reajuste conforme a tabela 3, sem que haja justificativas para a mudança, entretanto onerando, sobre maneira, os usuários, com ampliação dos valores de suas contas de água e esgotos.
Tabela 3: Aumento da tarifa de esgoto
Com base nas informações contidas no anexo V, tal alteração, caso fosse aplicada hoje, implicaria que uma conta de água e esgoto na categoria social, para um consumo de 10m³ teria o valor de R$ 43,16 alterado para R$ 47,96. Já a conta residencial normal com o mesmo consumo passaria de R$ 86,63 para R$ 95,92 conforme mostra a tabela 4.
Tabela 4: Impacto do aumento tarifário
Segundo o Sistema Nacional de informações em Saneamento (SNIS), em 2022 apenas cerca de 400 mil habitantes dos municípios da área inicial da concessão eram atendidos com esgotamento sanitário. Não é difícil prever a comoção social quando os demais forem automaticamente cobrados em dobro do que pagam hoje só pela água, mesmo que não executem a ligação sua de esgoto. Ficando inadimplentes, terão sua água cortada?
Um verificador nada independente
O que, sem dúvida, é uma excrescência do processo de privatização da AGESPISA é a figura do verificador independente[2] que, aliás, de independente nada tem. Afinal quem seleciona a empresa verificadora é o Governo do Estado, porém é a concessionária privada que será a responsável pela contratação e remuneração do verificador independente. É a triste história da “raposa tomando conta do galinheiro”. Acrescente-se que o verificador significará, a princípio, um custo de R$ 2 milhões mensais. Mais um custo que será transferido para a tarifa, portanto custeado pelos usuários dos serviços.
As atribuições deveriam ser exercidas exclusivamente pela Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Piauí (Agrespi), cuja competência é regular e fiscalizar a concessão, observadas preferencialmente as normas de referência editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A Agrespi também é remunerada com uma taxa de regulação e que a contratação do verificador não elimina as atribuições das atividades delegadas a agência estadual. A introdução do verificador independente nas concessões de saneamento não encontra previsão legal e, ao fim e ao cabo, perturba a atividade da entidade reguladora, esta sim agindo com os pressupostos de independência e capacidade técnica.
No processo de privatização da AGESPISA, pelo visto o que menos importa são os interesses da população. Trata-se de um processo modelado garantir o lucro da empresa privada e os interesses do atual governador, transformando o saneamento, uma política pública estratégica para garantir a dignidade do povo em negócio, em mera mercadoria.
[1] Tabela de Tarifas da Agespisa 2024 disponível em: https://www.agespisa.com.br/site/pages/public/tarifas.jsf acessada em 29/07/2024
[2] Carlos Roberto de Oliveira em artigo publicado na REVISTA DIGITAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO – FDRP afirma que “há uma clara “incompatibilidade de coexistência entre as figuras do verificador independente e agências reguladoras setoriais independentes, notadamente por conta do escopo de atuação – definida por lei ou por cláusulas contratuais –, aos citados institutos”. E ainda: “Conforme destacado, tanto pela construção teórica apresentada, quanto pelos precedentes de julgamentos do TCU, a viabilidade de contratação de apoio por meio de verificador independente em contratos públicos somente é compatível com atividades que não possuam regulação independente previstas em lei”. Por obvio não é caso do Estado do Piauí.
*Edson Aparecido da Silva – Sociólogo, Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, Assessor de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e Secretário Executivo do ONDAS.
Eu n sou a favor dessa privatização isso e só politicagem isso n era p acontecer eu repúdio isso
Não a privatização