ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Desempenho dos prestadores privados agrava a poluição por esgotos na Inglaterra

Artigo de Marcos Helano Montenegro* 
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Não é de hoje: na sua avaliação anual de 2019 a Environment Agency (EA) inglesa, afirmava que nove das companhias privadas de água e esgoto na Inglaterra apresentavam naquele ano seus piores níveis de poluição ambiental, coroando um perído de cinco anos com desempenhos inaceitáveis.

De lá para cá a situação só se agravou. Neste mês de maio de 2022, um inquérito criminal tornou públicas suspeitas de que são generalizados os despejos ilegais de esgoto nos rios ingleses. A EA diz que a investigação inicial sobre todas as dez empresas privadas de água e esgoto sugere a possibilidade de ‘grave descumprimento’ da lei. Estão sendo investigadas mais de 2.200 estações de tratamento de esgoto. As conclusões preliminares confirmam que pode ter havido um “não cumprimento generalizado e grave das regulamentações pertinentes”.

O problema ultrapassou o terreno regulatório e passou ao âmbito criminal. Em 2021, a Southern Water foi multada em um valor recorde de 90 milhões de libras (cerca de 550 milhões de reais em maio de 2022) por despejar ilegalmente bilhões de litros de esgoto bruto nas águas costeiras de Hampshire e Kent.

A ONG “Surfers Against Sewage” tem se destacado no debate público, sistematizando e divulgando informações sobre os eventos de poluição das águas. Hugo Tagholm, seu diretor executivo, afirmou ao jornal The Guardian: “As companhias de água e esgoto estão se safando deste assassinato azul – despejando repetidamente esgoto bruto em áreas de especial interesse recreativo, com aparente impunidade. A “Surfers Against Sewage” vem desafiando a indústria da água há décadas, pedindo que coloquem as pessoas e o planeta antes dos lucros excessivos e dos bônus aos executivos. Exigimos uma nova década que seja ambiciosa na limpeza e proteção todas as nossas águas balneáveis e demais espaços azuis.”

O assunto também está sendo debatido no Parlamento. Segundo compilação feita pelo Partido Liberal Democrata, esgoto bruto foi lançado 25.000 vezes em águas costeiras classificadas como balneáveis no ano de 2021.

A poluição dos cursos d’água e praias decorre da inadequação de desempenho dos sistemas unitários de esgotamento geralmente adotados nas cidades inglesas e da omissão dos prestadores privados em realizar os investimentos necessários. O crescimento da população urbana, o aumento das áreas impermeabilizadas e o efeito das mudanças climáticas nas chuvas intensas, além de falhas de operação e manutenção evidenciadas pela formação de vários “fatbergs” (obstruções DE galerias por blocos de gorduras e outros resíduos que podem ter extensão de algumas centenas de metros e pesar centenas de toneladas), têm levado a descargas generalizadas de esgoto não tratado por ocasião de chuvas intensas com a consequente contaminação das águas superficiais.

Depois de um intenso debate, a cidade de Londres optou por investir em um interceptor projetado para armazenar as descargas que poluiriam o Tâmisa durante as chuvas intensas e conduzir os esgotos para tratamento após as chuvas. O interceptor denominado “Tideway”, em construção desde 2016 a um custo de 4,2 bilhões de libras, está sendo terminado e deve entrar em operação em 2025. Seus custos devem ser remunerados pelas tarifas pagas pelos “clientes” da Thames Water.

Segundo o jornal The Guardian, não foram bem recebidas pelo público e pelas ONGs interessadas no tema, as metas colocadas em consulta pública pelo governo inglês para a redução e controle das descargas de esgoto bruto. A proposta é que as companhias de água reduzam a frequência de descargas nas águas classificadas como balneáveis em 70% até 2035, ou reduzam significativamente os patógenos nocivos que contêm, usando radiação ultravioleta por exemplo. Até 2040, devem ser eliminadas 160.000 descargas de esgoto bruto em extravasões por ocasião de chuvas intensas em todas as águas superficiais, e até 2050 as metas preveem eliminar aproximadamente 320.000 descargas, cerca de 80% do total, em todas as águas.

Duas organizações não governamentais, a River Trust e a Fish Legal consideraram as metas insuficientes e os prazos longos demais. Por outro lado, a Environment Agency tem recebido críticas públicas pela fragilidade da metodologia que adota para regular essas descargas, já que se apóia nas próprias prestadoras privadas para coletar e até mesmo analisar os dados relevantes. Verificou-se com a investigação atual que a opção pelo automonitoramento e autorelato pelas companhias de água e esgoto não funciona.”

O fato é que as falhas generalizadas no controle da poluição por esgotos das empresas privadas que operam os serviços desde a privatização conduzida por Margareth Tatcher no início da década de 1980 reforçam as críticas ao desempenho destas empresas que vem privilegiando a distribuição de lucros e dividendos aos seus acionistas e o pagamento de altos salários e prêmios aos seus executivos ao invés de aplicar os recursos das altas tarifas cobradas nos investimentos necessários.

O que vem ocorrendo na Inglaterra desmistifica a narrativa de que a privatização de serviços públicos é sinônimo de eficiência.

*Marcos Helano Montenegro (coordenador de Comunicação do ONDAS) com base em matérias disponíveis no site do jornal The Guardian, entre as quais:
Sewage island: how Britain came to spew its raw waste into the sea | Water | The Guardian
Raw sewage ‘pumped into English bathing waters 25,000 times in 2021’ | Pollution | The Guardian
Raw sewage discharged into English rivers 375,000 times by water firms | Water | The Guardian
Sewage dumps into English rivers widespread, criminal inquiry suspects | Pollution | The Guardian

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