Texto da interação ONDAS-Privaqua*
____________________________
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO: PILARES PARA UMA GESTÃO PARTICIPATIVA NOS MUNICÍPIOS
Autores: Uende Aparecida Figueiredo Gomess, João Luiz Pena e Josiane Teresinha Matos Queiroz**
No último mês de julho foi lançado o Dicionário de saneamento básico: pilares para uma gestão participativa nos municípios. O Dicionário compõe a Série Selo SanBas que agrega outros dois produtos: 1) o caderno ilustrado: Saneamento visual como direito: caminhos para se pensar a elaboração participativa dos planos municipais de saneamento básico; 2) um caderno de notas técnicas: Saneamento e suas interfaces. Experiências e elucidações para a implantação participativa e inovadora dos planos municipais de saneamento.
A Série Selo SanBas foi concebida em um contexto de compreensão das dificuldades de diálogo sobre a temática do saneamento básico decorrente de uma perspectiva tecnicista que caracterizou a área ao longo de sua história no país. No Brasil, é predominante a perspectiva do saneamento básico que o resume às obras de infraestrutura, o que implica desafios para o diálogo sobre as dimensões da gestão, educação, comunicação e da garantia de direitos humanos essenciais ao exercício da cidadania e ao pleno gozo da vida. Também se reitera que o presente contexto histórico tem sido um entrave para que o tema do saneamento básico ascenda à agenda pública, com a centralidade que merece. Desta forma, acreditamos que a Série Selo SanBas pode ter ampla repercussão, podendo ser utilizada como material pedagógico, científico e crítico em múltiplos e diversos processos educacionais, de formação e de capacitação. Todos seus produtos são de acesso público e gratuito, e estão disponíveis no site do projeto.
O projeto foi concebido e executado considerando os princípios do saneamento básico estabelecidos pela Lei 11.445/2007 e os componentes dos direitos humanos ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário. Buscamos dar visibilidade aos grupos historicamente alijados do acesso e desenvolver produtos que pudessem, de alguma maneira, ser utilizados como instrumento de luta por direitos. Seguimos à disposição da sociedade brasileira para esclarecimentos e de mãos dadas, acreditamos na possibilidade de grande transformação social por meio do saneamento básico.
O processo de estruturação da Série Selo SanBas ocorreu no âmbito do projeto de pesquisa denominado: “Capacitação e elaboração de planos municipais de saneamento básico em municípios com população de até 50.000 habitantes do estado de Minas Gerais: uma pesquisa-ação no campo tecnológico, do controle social, da comunicação e do empoderamento nas políticas públicas de saneamento básico”, coordenado pela UFMG, por meio de parceria com a Funasa. O objetivo central foi capacitar e elaborar Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) em 30 municípios com população de até 50.000 habitantes do estado de Minas Gerais.
A ideia da organização da Série Selo SanBas surgiu já no momento da concepção do projeto, em 2016. Para tanto, foram reunidos especialistas de nove eixos temáticos para participação no projeto de pesquisa: 1) Aspectos econômicos – financeiros do saneamento básico; 2) Participação e controle social na elaboração de planos municipais de saneamento básico; 3) Informação em saneamento básico: subsídios para leitura dos territórios; 4) Abastecimento de água; 5) esgotamento sanitário; 6) Manejo de resíduos sólidos; 7) Manejo de águas pluviais; 8) Modelos de gestão do saneamento básico em pequenos municípios; 9) Comunicação em busca de mobilização social. Posteriormente foi também incluído o 10º eixo temático, abordando temas transversais.
Assim como os demais produtos do Projeto SanBas, a produção da Série Selo SanBas teve na sua essência a busca pela promoção do saneamento básico humanizado. A humanização do saneamento básico representa um grande desafio e perpassa uma mudança teórica e prática de atuação na área. Nesse sentido, reconheceram-se, desde o início da execução do Projeto, em janeiro de 2019, desafios para a comunicação e a formação na área de saneamento.
O desenho final da Série Selo SanBas é produto de um esforço em conjunto que reuniu a UFMG, a Funasa, com destaque para os parceiros da Suest-MG, especialistas, pesquisadores de campo, o Coletivo às Margens, a Cooperativa Eita, a Aicó Culturas, o estúdio Borogodó, a Jequitibá Comunicações e Artes e a Plug & Boom. Destaca-se também que o intenso diálogo nos territórios dos 30 municípios que participaram do Projeto SanBas foi elemento central para o alcance de seus resultados.
Sobre o Dicionário de saneamento básico contamos com 77 autores e autoras, que assinam os 142 verbetes. O dicionário, publicado na versão digital, tem abrangência nacional.
A natureza do dicionário aproxima-se do que a Ciência da Informação classifica como um dicionário conceitual ou enciclopédico, a exemplo do Dicionário da Educação do Campo (http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l191.pdf), da EPSJV/Fiocruz. O Dicionário de saneamento básico pretende alcançar gestores, técnicos e atores sociais, almejando-se envolvê-los no planejamento, execução e avaliação dos PMSB. Em geral são sujeitos com saberes diversos e ricos acerca do território, mas com pouca familiaridade com a linguagem acadêmica e técnica no campo do saneamento.
A definição pelo dicionário e a seleção dos verbetes foram construídas coletivamente em quatro oficinas com especialistas, realizadas durante o primeiro semestre de 2019. Também foram realizadas reuniões específicas com a Funasa e com os especialistas de cada eixo temático.
O Dicionário constitui um esforço para qualificar e aperfeiçoar a gestão pública do saneamento. Os organizadores entendem que a gestão pública fortalecida é o único caminho para a universalização do acesso ao saneamento. Qualificando o poder público, aventuras ocasionais, como a indução à privatização dos serviços trazida pela Lei 14.026/2020, poderão ser neutralizadas ou, ao menos, ter atenuados seus efeitos danosos aos direitos humanos.
O Dicionário de saneamento básico: pilares para uma gestão participativa nos municípios é fruto de uma construção coletiva. Entre sua concepção e publicização contamos com o apoio e participação de sanitaristas de todo o Brasil, bem como de parceiras e parceiros de diversas áreas do conhecimento e de atuação. Neste árduo caminhar, não estivemos sós. Afinal, como dito por Clarice Lispector, “quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado com certeza vai chegar mais longe”. Desta forma, com gratidão, encerramos esta primeira etapa e agradecemos a todas as pessoas que caminharam ao nosso lado.
** Autores:
– Uende Aparecida Figueiredo Gomes – Doutora em Saneamento pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora adjunta do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (Desa) da UFMG. Coordenadora geral do Projeto SanBas: https://sanbas.eng.ufmg.br.
– João Luiz Pena – Engenheiro civil e cientista social com ênfase em antropologia. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
– Josiane Teresinha Matos Queiroz – Engenheira civil especialista nas áreas sanitária e ambiental. Mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutora em Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pelo Instituto René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
* Privaqua é um projeto de pesquisa que busca entender o impacto da privatização dos serviços de água e saneamento nos direitos humanos. Regularmente, o site do ONDAS publica notas do Privaqua de forma a dar transparência ao projeto e compartilhar alguns de seus achados preliminares.
Clique aqui e leia todos os textos já publicados da interação ONDAS-Privaqua
Interações, contribuições e sugestões são bem-vindas. Deixe seu comentário no final desta página.