Artigo de Marcos Helano Montenegro*
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Em 21 de dezembro passado, a Casa Branca divulgou que nos Estados Unidos cerca de 10 milhões de famílias são abastecidas com água por meio de tubulações e ligações de chumbo e que crianças e adolescentes em 400.000 escolas e creches correm o risco de serem expostos ao chumbo presente na água.
O assunto é prioridade no gabinete da vice-presidente Kamala Harris, que na semana passada, em 17 de junho, visitou o programa de substituição das tubulações de chumbo do sistema de água da cidade de Pittsburgh.
Em razão dos graves riscos à saúde humana causados pela presença do chumbo na água para consumo humano, o governo americano lançou um plano nacional[1] com financiamento federal garantido pela Lei Bipartidária da Infraestrutura para que as cidades possam substituir os tubos de chumbo. Registre-se que o programa reconhece que as comunidades de baixa renda e as comunidades de cor são desproporcionalmente afetadas pela contaminação da água por tubos de chumbo.[2]
Desde 1986, está proibido no EUA o uso de tubos de chumbo para conduzir água para consumo humano. Mas as estimativas do Natural Resources Defense Council (NRDC) indicam um problema provavelmente maior que o reconhecido pelo governo federal. Segundo a entidade há de 9,7 milhões a 12,8 milhões de ligações de água que são ou podem ser de chumbo, espalhadas por todos os 50 estados americanos.
Na ocasião da visita de Harris à Pittsburg, Mary Grant, diretora do programa Água para Todos, do Observatório Alimento & Água (Food & Water Watch), destacou que cidades como Pittsburgh e Newark tiveram sucesso efetivo na substituição de tubulações de chumbo, graças ao trabalho de ativistas comunitários e à disponibilidade de fundos públicos.
Mary Grant destacou a importância da Campanha Nossa Água, liderada pela coalização Pittsburgh United [3], na luta pela substituição das tubulações de chumbo e contra a privatização dos serviços de água que agrava a própria crise da contaminação da água pelo chumbo. Ela chamou atenção para o fato de Pittsburgh ainda ter muito a fazer para eliminar todas as tubulações de chumbo, e que o apoio federal será crucial para disponibilizar água isenta de chumbo sem exacerbar os problemas de acessibilidade econômica à água da cidade, que adviriam do aumento das tarifas locais.
A diretora da Food & Water Watch vê limitações no programa federal: “Infelizmente, a Lei Bipartidária da Infraestrutura não garante o financiamento necessário para acabar com a crise do chumbo na água no país. A lei do governo Biden destina US$ 15 bilhões para a substituição dos tubos de chumbo, o que é apenas um quarto do que se estima ser necessário para substituir todas as ligações de água com tubos de chumbo. E cerca de metade desse financiamento vem na forma de empréstimos, em vez de a fundo perdido, como as cidades sem capacidade de investir precisam urgentemente.”
Mary Grant defendeu, como única solução permanente para as crises hídricas, o projeto de lei denominado Water Act que propõe alocar US$ 35 bilhões por ano para resolver urgentemente os problemas enfrentados pelas comunidades em todo o país, priorizando as comunidades desfavorecidas e tendo como fonte a reversão de alguns dos incentivos fiscais corporativos do governo anterior. O Water Act garantiria que os recursos não iriam para as grandes empresas privadas que estão assumindo o controle dos sistemas públicos de água. Esta iniciativa já é apoiada por mais de 100 membros do Congresso, disse Grant e complementou: “É hora de agir.”
Exportando resíduos perigosos: qual o destino do chumbo removido?
As expectativas são de que a tarefa de substituição das tubulações possa levar até 10 anos com risco de, nesse período, inundar o mercado internacional com resíduos de chumbo, material que pode ser reutilizado em baterias e outros produtos.
Em abril passado, veio a público a discussão sobre a destinação e o processamento desses resíduos. Segundo o jornal El País, a OK International, entidade não governamental que trabalha com saúde ocupacional, e mais duas outras ONGs se manifestaram junto à Agência de Proteção Ambiental americana (EPA), solicitando que seja exigido dos empreiteiros contratados para realizar os serviços de substituição das tubulações que comercializem os resíduos de chumbo diretamente com fundições nos Estados Unidos e não com intermediários que as revendam no mercado internacional a países em desenvolvimento.
Nesses países, as normas ambientais para o processamento do chumbo são muito menos exigentes que nos EUA. O México, que é o segundo maior comprador de resíduos de chumbo, já sofre uma crise de poluição por este metal. São 13 milhões de crianças mexicanas menores de 14 anos com níveis de chumbo no sangue que excedem a recomendação internacional, de acordo com a “Encuesta Nacional de Salud y Nutrición” do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi).
Food & Water Watch: vale a pena conhecer
A Food & Water Watch defende, nos EUA, bandeiras idênticas às que o Ondas defende no Brasil. O Observatório Alimento & Água é uma entidade não governamental com mais de 2 milhões de apoiadores, que luta por alimentos seguros, água potável e clima habitável para todos e que busca proteger as pessoas contra as corporações e outros interesses econômicos destrutivos que colocam o lucro acima de tudo.
Como o Ondas, o Observatório Alimento & Água (Food & Water Watch) considera a água um recurso inestimável – e um direito humano, fazendo com que o acesso à água potável não deva ser baseado em quem pode pagar mais.
O Observatório americano se opõe à mercantilização e à privatização da água em todas as formas, apoiando a gestão do abastecimento de água como um serviço público, tendo como objetivo melhorar os sistemas públicos e torná-los seguros e acessíveis para todos.
[1] The Biden-Harris Lead Pipe and Paint Action Plan, inclui a correção de pinturas a base de chumbo em 24 milhões de residências.
[2] Mais informações sobre chumbo na água para consumo humano podem ser encontradas no site da Agência de Proteção Ambiental americana (EPA): https://www.epa.gov/ground-water-and-drinking-water/basic-information-about-lead-drinking-water
[3] Esta coalizão reúne organizações comunitárias, trabalhistas, religiosas e ambientais.
*Marcos Helano Montenegro (coordenador de Comunicação do ONDAS)