ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Kátia Campos: Plano de resíduos sólidos precisa ser elaborado com participação de toda sociedade

Kátia Campos, engenheira, Mestre em Desenvolvimento Sustentável e coordenadora nacional da Câmara Temática de Resíduos Sólidos da ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, explica em entrevista exclusiva ao ONDAS sobre a importância da participação social na elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos – PLANARES – e como isso está sendo desrespeitado pelo atual governo federal.

Ela também faz considerações sobre as mudanças mais significativas que a lei 14.026/2020 provocou na área de resíduos sólidos e seus impactos. “Houve uma importante perda com a proibição da realização dos Contratos de Programas entre entes públicos em algumas situações. Hoje o Brasil já conta com 199 Consórcios Públicos de resíduos atuando em 1.603 municípios que fazem uso frequente desta modalidade de contrato. Esta foi uma perda muito significativa e não vai ser simples fazer as adaptações previstas na Lei”, ressalta.

Confira a entrevista exclusiva concedida por Kátia Campos ao ONDAS:

ONDAS: Qual a importância da elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos?

Kátia Campos: O Plano Nacional de Resíduos Sólidos é a peça-chave de orientação ao setor público (Estados, Distrito Federal e Municípios) e privado para a gestão dos resíduos sólidos na perspectiva do desenvolvimento sustentável. É ele que define as prioridades, os investimentos, as metas a serem alcançadas, e estas definições precisam ser compartilhadas com a sociedade que, em última análise, é quem vai executá-la.

ONDAS: No que e como a sociedade pode colaborar para a elaboração do PLANARES?

Kátia Campos: Somente a sociedade organizada com seu leque de representações sociais (academia, setor público, empresarial, industrial, social, ambiental, profissional entre outros) pode compreender em profundidade e, em detalhe, cada segmento da gestão dos resíduos para o seu aperfeiçoamento. Um plano desta natureza deve ser elaborado colhendo os diversos conhecimentos com a participação e a colaboração dos principais responsáveis pela sua implantação e não por um único segmento do setor empresarial, como no caso a ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) que congrega empresas privadas de coleta de resíduos e tem seus interesses no setor.  (Leia representação de entidades ao Ministério Público Federal sobre o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, solicitando “que seja revisto o processo e realizadas as audiências públicas regionais e nacional, conforme estabelecido na legislação, de forma a assegurar amplo debate e participação popular desde sua formulação, conforme argumentos oferecidos a seguir”.)

ONDAS: Na sua opinião, por que o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está omisso na elaboração do PLANARES? E por que não quer a participação social em sua construção?

Kátia Campos: Na realidade o Ministério de Meio Ambiente – MMA – firmou convênio com a ABRELPE que está desenvolvendo o plano. Infelizmente, na contramão da participação e do controle social, em 18 de dezembro de 2019 esse mesmo governo publicou o Decreto 10.179 que revogou todos os decretos ou artigos de decretos que preveem as formas e a composição das instituições para a organização da participação social nas políticas públicas no Brasil. Foram, neste único ato, revogados parcial ou integralmente 215 decretos, eliminando os artigos que definiam pela criação de conselhos e outras formas de organização, participação e controle social no Brasil, nas mais diversas áreas, tentando, assim, voltar ao período pré-Constituição Cidadã.

Ficou claro que não há, por parte deste governo, nenhum interesse em ouvir a sociedade. Mas como não conseguiram alterar as leis, pois para tanto necessitam da aprovação no Congresso Nacional, baseado principalmente nelas, estamos reivindicando a alteração do processo de elaboração do PLANARES com a efetiva abertura para a participação da sociedade. O ONDAS, a ABES e outras 70 entidades entraram com uma Representação no Ministério Público Federal com esta demanda. E ainda vamos estudar outros instrumentos para conseguirmos fazer cumprir a lei e para que as representações da sociedade possam ser ouvidas e consideradas.

ONDAS: Quais as mudanças mais significativas que a lei 14.026/2020 provocou no setor específico dos resíduos sólidos e no que isso irá impactar à população?

Kátia Campos: No meu ponto de vista, especificamente para o setor de resíduos sólidos, houve uma importante perda com a proibição da realização dos Contratos de Programas entre entes públicos em algumas situações. Hoje o Brasil já conta com 199 Consórcios Públicos de resíduos atuando em 1.603 municípios, que fazem uso frequente desta modalidade de contrato. Esta foi uma perda muito significativa e não vai ser simples fazer as adaptações previstas na Lei.

No entanto, pelo menos dois pontos definidos devem favorecer a boa gestão dos resíduos sólidos no Brasil. O primeiro é o incentivo por meio de financiamento à prestação regionalizada dos serviços. Considerando que 70% dos municípios brasileiros possuem menos de 20 mil habitantes e, destes, a maioria possui menos de 10 mil habitantes, o que torna-se necessário prestar o serviço regionalmente, visando o ganho de escopo e de escala.

Outro aspecto muito importante na sustentabilidade da prestação dos serviços é a cobrança de taxa e de tarifa para as despesas do manejo dos resíduos. Quando os recursos empregados são do tesouro municipal, toda a população paga por meio de impostos, sendo que a mais pobre é a mais penalizada proporcionalmente. A partir da Lei 14.026 esta cobrança tornou-se obrigatória e, com isso, há que se dar transparência aos custos dos serviços, incluindo o tratamento dos resíduos, o que permite melhor controle social. Os valores da taxa e da tarifa devem ser explicitados com transparência e clareza e deve ser composta de tal forma que as populações com maior poder aquisitivo paguem mais e as que não podem pagar ficam isentas ou, em alguns casos, são subsidiadas. Esta é, pois, a forma mais democrática de viabilizar a gestão dos resíduos sólidos e sem esta cobrança não se consegue promover serviços com a qualidade, a regularidade e a sustentabilidade necessárias.

ONDAS:  Comentários complementares.

Kátia Campos: Tem uma questão estratégica para o enfrentamento dos desafios para a gestão dos resíduos sólidos no Brasil, que é a formação de pessoal técnico especializado. Na década de 70 houve a criação de diversos Serviços Autônomos de Água e Esgoto – SAAEs, com apoio da FUNASA, e as Companhias Estaduais de Saneamento; e com eles inúmeras empresas de consultoria em projetos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O mesmo não ocorreu na área de resíduos e, com isso, houve pouco desenvolvimento institucional e pouca formação profissional no setor. Portanto, há uma carência de pessoal técnico, de empresas especializadas, de maior produção científica. Este é um dos principais fatores do atraso do setor, em especial, no que se refere à modernização dos serviços e controle e das formas adequadas para o tratamento e à disposição final dos resíduos, fazendo com que ainda tenhamos cerca de três mil lixões a serem desativados no Brasil.

 

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