ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Mil razões para pedir desculpas

“Em nome do pluralismo de visões e estimulando o debate, publicamos artigo de nosso associado Vicente Andreu, que faz uma crítica ao artigo: Dez razões para que o apoio aos reguladores do saneamento básico seja atribuído ao Ministério das Cidades (disponível em: https://ondasbrasil.org/dez-razoes-para-que-o-apoio-aos-reguladores-do-saneamento-basico-seja-atribuido-ao-ministerio-das-cidades/). Ressaltamos que as opiniões expressas pelo associado não são necessariamente convergentes com as opiniões dos membros da Coordenação Executiva do ONDAS”

MIL RAZÕES PARA PEDIR DESCULPAS.

Há tempos não encontro um texto, no campo progressista,  tão abjeto como o “Dez razões para que o apoio aos reguladores do saneamento básico seja atribuído ao Ministério das Cidades”, publicado no respeitado  Le Monde. É um texto injurioso à ANA- Agência Nacional de Águas, a todos os seus servidores e servidoras,  à sua capacidade tecnica, à sua história e ao trabalho prestado pela Agência.

Não recomendo aos leitores a visita àquele texto , mas  para quem  já o fez ou sente-se estimulado a fazê-lo, tente encontrar uma única razão, um único argumento que justifique a tese dos autores, em resumo  de que as normas de referência para o setor de saneamento estarão adequadamente abrigadas em uma Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades. Nada, nada, nada.  A mim lembra situações em que a eloquência guarda grande correlação com alguma  nomeação. Apenas de  passagem, pelas recentes declarações privatistas  do novo Ministro das Cidades, sugiro  aos autores que comecem a escrever “dez razões “para as normas de referência irem para um  outro local.

Como Diretor-Presidente daquela agência por 8 anos, não posso aceitar que sejam atribuídos à sua história  adjetivos  como ‘”não é técnica, discriminatória, ineficiente, não é neutra, intolerante, exorbita seu papel, que é irracional (!) manter-se nela a competência de editar normas de referência”. Chega ao absurdo de dizer que a instituição, “ a ANA”  é bolsonarista, em uma generalização típica, isso sim, de bolsonaristas!

O texto usa ainda, de forma intencional,  de firulas conceituais,  tentando forjar uma interpretação  errada na opinião pública, como  ao afirmar que a ANA regula o saneamento.  A ANA regula a água de domínio da União, mas não regula saneamento. Normas de Referência são um conjunto de recomendações  que visam uniformizar os procedimentos  das agências reguladoras (são 86 no país)  e inúmeros prestadores de saneamento, mas a adesão a tais normas é voluntária.  Em brevíssima distinção: na regulação, todos os agentes são obrigados a cumprir as resoluções;  já  as  normas de referência indicam orientações  seguir, adere-se ou não a elas voluntariamente. Claro que a adesão é induzida por restrições ao crédito federal, por exemplo, mas é de adesão voluntária.

O texto reflete ainda uma compreensão elitista, autoritária e  exclusivista de seus autores, refletida na justificativa de que a tese  da alterações nas atribuições da ANA e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental “não surgiu de um impensado ato de ofício ou da vontade individual de um burocrata”. Seria importante revelar, se não de  um, de quantos burocratas estamos falando, porque não houve qualquer consulta a ninguém além de um restrito e fechado  grupo  de pessoas no GT Transição respectivo.

Enfim, se as normas de referência poderão estar mais bem abrigadas em outra instituição é uma tese ´permanentemente legitima, mas  que deveria ser debatida às claras e não através de um artifício tribal  que, ao final das contas,  ao obrigar o novo governo a rever o erro grosseiro, apenas fortaleceu os privatistas do saneamento.

Conheço e tenho grande admiração pessoal pelos autores desse texto. Continuarei a admirá-los, pelas relações de anos. Mas insisto em  que devem um pedido público de desculpas para a Agência Nacional de Águas.

Vicente Andreu

Diretor Presidente da ANA de janeiro de 2010 a janeiro de 2018.

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