ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O plano sombrio de Tarcísio para a Sabesp (Mercado x Democracia)

GOVERNADOR DISTRAI OS PAULISTANOS COM PROMESSA DE REDUÇÃO DAS TARIFAS POR CURTO PRAZO, ENQUANTO SITUAÇÃO SE AGRAVA. COM PROJETO DE LEI, AGORA TENTA ABRIR TERRENO PARA APARELHAR AGÊNCIAS REGULADORAS, INDICANDO ALIADOS DA FARIA LIMA AOS CONSELHOS DIRETORES

Autor: André Roncaglia

Publicado originalmente no site Outras Palavras em 1 de agosto de 2024

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O “futuro plano de eficiência” da Sabesp vai “redefinir a relação com sindicatos, otimizar benefícios e políticas de remuneração”. Sob a “cultura de dono”, alinhará “incentivos por performance”, o que implica corte no quadro de funcionários e elevação da remuneração da diretoria executiva.

O objetivo de otimizar custos operacionais e aumentar o endividamento da Sabesp é elevar a distribuição de dividendos aos acionistas. Com taxa de juros brasileira em 10,5%, o contribuinte paulista antecipou o retorno 11% (em um dia) aos acionistas selecionados no ‘camarote VIP’ organizado pelo BTG .

O plano do governo paulista é criar um fundo de abatimento de tarifas com os recursos obtidos com a venda do controle da empresa. A previsão do governo Tarcísio era obter 30 bilhões de reais com a operação. Dados os vícios analisados no artigo anterior, o valor ficou em 14,7 bilhões de reais , menos da metade do previsto. Como esmola para distrair o público e justificar o silêncio da imprensa, haverá abatimento da tarifa social em 10% e da tarifa residencial em 1%. Além disso, a Sabesp não pagará polpudos dividendos até de 2029, quando a porteira será aberta.

A Faria Lima tenta tranquilizar o contribuinte, alegando que a eficiência será melhor para todos. Um relatório da XP atestou que a Equatorial é “uma companhia com sólido histórico de eficiência operacional em empresas estatais”. Será?

Vejamos o histórico da empresa no Amapá. Quando a empresa assumiu a operação de saneamento, apenas metade da população tinha acesso a água tratada e meros 4,5% da população contava com coleta de esgoto – a média nacional era de 84,9% e 56%, respectivamente. O desperdício de água chegava a 80,3% (média nacional é de 37,8%).

Para ganhar musculatura, a empresa priorizou “investimentos com impacto em geração de receita, aumento da arrecadação e combate às perdas para melhorar o fluxo de caixa, saneamento do cadastro de clientes e fortalecimento de ações de cobrança e combate a fraudes.” As demonstrações financeiras da CSA – subsidiária de saneamento da Equatorial no Amapá – mostram que a empresa conseguiu elevar a receita de 92 milhões de reais para 150 milhões de reais, em seu primeiro ano completo de operação. Devido aos investimentos, o prejuízo subiu de 146 para 234 milhões de reais.

Desde a privatização dos serviços de saneamento no estado, em dezembro de 2021, a Equatorial aumentou três vezes a tarifa da conta de água no Amapá. No início de 2022, a Equatorial ainda atuava em “operação assistida” quando capitaneou a elevação de 50% na tarifa de água. Em julho de 2022, duas semanas depois de assumir efetivamente a operação, a Equatorial elevou novamente a conta em 12,23%. Cerca de um ano depois, em 13 de julho de 2023, veio outro reajuste de 6,79% para os amapaenses.

Em 2023, a companhia faturou 2,6 bilhões de reais e lucrou 2 bilhões de reais. A margem de lucro da primeira “empresa multiutilidades” é de 77%. Quem poderia imaginar que controlar as tarifas de um monopólio natural e cortar custos trabalhistas é altamente lucrativo. Esta é a chave do sucesso privatista!

Como a edição do SNIS com dados de 2023 ainda está sendo elaborada pelo ministério, não sabemos se houve avanço ou não. A alienação do controle da Sabesp se deu, portanto, totalmente no escuro.

A situação da cobertura de serviços de saneamento no estado de São Paulo é muito diferente da amapaense. Em 2022, os índices de cobertura de água (98%), de esgoto (92%) e de tratamento de esgoto coletado (85%) deixam nítido que o contribuinte paulistano já amortizou o investimento estatal do estado desde 1973, quando a empresa foi fundada.

Esta é a assimetria antiestado da Lei das Estatais: o governo não pode indicar um aliado político à gestão da empresa, mas uma empresa privada por indicar um alinhado corporativo para privatizar a empresa.

Do ponto de vista regulatório, a situação é ainda mais grave. O Projeto de Lei Complementar 35/2024 (enviado em 20 de junho) altera o regime jurídico das agencias reguladoras estaduais (ARTESP e ARSESP). Trata-se, essencialmente, da extinção dos conselhos orientativos da Arsesp e consultivo da ARTESP, com relaxamento dos critérios para a nomeação de membros do conselho diretor. Prevê-se a equiparação da experiência de atuação no setor público com o privado, com exigência de 10 anos de experiencia em atividade da agência de regulação ou em área conexa. A experiência em administração pública é muito mais importante para a função do que ter experiencia no correlato privado. É uma clara tentativa de aparelhamento das agências reguladoras por pessoas ligadas ao setor econômico regulado, o que aumenta o risco de captura e de advocacia administrativa, favorecendo atos de corrupção e a instauração da porta giratória, em que o dirigente troca a ente regulador pela empresa regulada e vice-versa.

Há também elevado risco de usurpação de funções técnicas exclusiva de agentes de estado concursados. Servidores de carreira possuem maior estabilidade e não ficam tão sujeitos às investidas do poder econômico e vulneráveis a ameaças de qualquer espécie. Vimos um flagrante exemplo disso durante a CPI da Pandemia, quando o servidor concursado do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda – que denunciou o esquema de propina na compra das vacinas pelo desgoverno Bolsonaro.

Com efeito, a extinção de 24 funções de gerências técnicas exclusivas de servidores concursados, sendo substituídas por 29 cargos de livre provimento. Tarcísio está promovendo o aparelhamento da máquina estatal pelos setores que deveriam ser regulados, facilitando a captura da estrutura do Estado por grupos privados. Neste sentido, a reforma das agências reguladoras guarda íntima relação com o processo de privatização da Sabesp, uma vez que ameaça a independência e tecnicidade desejadas, uma vez que a ARSESP será a responsável pela manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato e a SP Águas gerencia as outorgas de captação da Sabesp, consumidora de 45 porcento de toda água disponível no Estado.

Por todos esses elementos, percebe-se nitidamente porque o governo estadual empregou os seus melhores esforços para viabilizar, a toque de caixa e sem a efetiva participação social, a privatização altamente lucrativa para grandes corporações, bancos e instituições financeiras. É bem possível que, em 2029, a empresa peça reequilíbrio econômico-financeiro e exija elevação das tarifas para atingir as metas de universalização até 2033.

Até lá, Tarcísio já espera ser presidente da República. Em troca do financiamento da campanha presidencial do governador, o contribuinte paulista ganha alguns anos de tarifa mais baixa e um futuro incerto a partir de 2029.

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