Chapada é um subdistrito de Lavras Novas, por sua vez, distrito de Ouro Preto-MG. É uma vila histórica com cerca 80 habitantes, localizada a 17 km da sede do município.
Em 2019, o serviço de saneamento (água e esgotos) em Outro Preto foi privatizado e a partir de janeiro de 2020 passou a ser prestado pela Saneouro (Ouro Preto Serviços de Saneamento S.A), um consórcio formado pela GS Inima Brasil (que compõe o quinto maior conglomerado empresarial da Coreia do Sul) e sua parceira mineira MIP Investimentos e Participações Ltda.
O abastecimento de água da Chapada é realizado, por gravidade, a partir de uma das cerca de 50 nascentes existentes na localidade, por meio de canalização e reservatório bem antigos. Tradicionalmente, e periodicamente, a comunidade se encarregava de limpar o reservatório coletivo de água, em trabalho de mutirão, pois, particularmente em períodos de chuvas, a água costuma chegar às torneiras das casas com cor barrenta.
Em março de 2023, como sempre fez, a comunidade convocou um mutirão para lavar o reservatório. Vídeos do dia revelaram o descaso da concessionária: a caixa d’água tinha lama misturada a pastilhas de cloro e até peixes. As imagens viralizaram nas redes e na imprensa, de Minas Gerais e nacional. A Saneouro respondeu com um boletim de ocorrência contra a comunidade por “invasão de propriedade” e o abastecimento foi suspenso por dois dias – segundo a empresa para assegurar que a limpeza do reservatório fosse realizada por “equipe técnica”. Entretanto, até então, o problema é recorrente.
Desde a época do serviço municipal (extinto em 2018), os habitantes de Ouro Preto pagavam uma taxa básica (módica) pelo serviço de água. A Saneouro instituiu a cobrança pelo consumo, mas a efetivação desse procedimento, obviamente, depende de medição da água consumida. Porém, assim como em Ouro Preto como um todo, os moradores da Chapada resistem à instalação de hidrômetros em suas residências. Não se opõem à cobrança em si, mas querem um preço justo, condizente com a realidade (rural) da vila, com um sistema de abastecimento extremamente simples em termos de infraestrutura e em estado precário de manutenção. Além disso, a comunidade não vê sentido em pagar por serviços de esgotos, inexistentes, já que o esgotamento sanitário é realizado por soluções individuais, instaladas e mantidas pelos próprios moradores.
Quatro meses depois do “imbróglio da caixa d’água”, a Saneouro concluiu obras de intervenção na área de captação da água, mas o resultado foi a redução da oferta de água; além disso a empresa impediu o acesso da comunidade ao registro e à caixa d’água. Em consequência, já começa a faltar água nas torneiras das casas, algo até então inimaginável na Chapada. As pessoas têm procurado a Saneouro, mas recebem como resposta que a empresa só registra demandas para “clientes portadores de número da matrícula”, ou seja, é necessário solicitar a instalação do hidrômetro.
Este é o cenário no qual a concessionária privada age de forma autoritária e truculenta: ameaça de cobrança de preços elevados por um serviço precário, problemas de qualidade da água e, agora de abastecimento.
Nas palavras de uma moradora, “é tipo Bacurau”, em alusão ao filme, em que os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro descobrem que a comunidade não consta mais no mapa e passam a ser vítimas de ataques. Mas “a Chapada não irá esmorecer; sob as bençãos de Santana, seguirá no enfrentamento por saúde, dignidade, direitos ancestrais e pelas futuras gerações”.