Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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OURO PRETO PEDE SOCORRO: A LUTA POPULAR PARA A REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Autora: Natália Onuzik – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto René Rachou, Fiocruz Minas. Militante pelos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário e moradora de Ouro Preto.
A luta popular para a retirada da empresa privada Saneouro e para a remunicipalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em Ouro Preto mantém-se acesa, ainda que diante de inúmeras repressões. Em janeiro deste ano, acompanhada da Polícia Militar, a Saneouro iniciou uma verdadeira operação de cortes no fornecimento de água em diversas residências com as contas em atraso, afetando, principalmente famílias de baixa renda. Vale ressaltar que, de acordo com dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), atualmente, aproximadamente 30% da população de Ouro Preto encontra-se em algum grau de vulnerabilidade socioeconômica.
Em reunião realizada pelo Comitê Sanitário de Defesa Popular, moradores relataram que não estão conseguindo arcar com o pagamento das contas de água em razão dos valores exorbitantes cobrados pela prestadora, alguns 40 vezes superiores ao valor cobrado pelo extinto SEMAE-OP. Como consequência do endividamento, inúmeras pessoas estão contraindo empréstimos para arcar com as contas em atraso, e aquelas que não possuem crédito estão sem acesso à água, o que as tem levado a buscar por fontes inseguras, como chafarizes, minas e “bicas”, cujas águas, em sua maioria, além da contaminação microbiológica, possivelmente contém teores elevados de arsênio.
Outdoors propondo o parcelamento das dívidas com a Saneouro em até 36 vezes podem ser observados espalhados pela cidade. Já os mecanismos de negociação das dívidas com a empresa não são nada vantajosos para os usuários, acarretando juros altíssimos quando do parcelamento dos débitos.
Além disso, a qualidade da prestação dos serviços pela empresa privada tem se mostrado inaceitável. Um estudo divulgado em janeiro deste ano, realizado pelo pesquisador e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Rafael Kopschitz Xavier Bastos, apontou problemas de não cumprimento das exigências mínimas de amostragem, monitoramento e qualidade microbiológica da água presentes nos sistemas de abastecimento de água sob responsabilidade da Saneouro. A presença de coliformes termotolerantes e violações do padrão de turbidez, por exemplo, foram detectadas na saída das unidades de tratamento da água e no sistema de distribuição, oferecendo riscos à saúde da população.
Somado a esse cenário, moradores de distritos de Ouro Preto, como Amarantina e Lavras Novas, estão utilizando as redes sociais para divulgar imagens e vídeos como forma de denunciar a água com aparência barrenta que recebem ultimamente em suas casas. Um episódio muito marcante que retratou esse cenário foi o ato de repressão cometido contra a população da comunidade da Chapada, em Lavras Novas, em março deste ano. Recebendo água com aparência de lama há dias e sem resposta da prestadora privada, os moradores realizaram a limpeza do reservatório de água que abastece o povoado. Tão logo a limpeza foi iniciada, a Saneouro acionou a polícia e registrou boletim de ocorrência contra os moradores.
A população dos distritos e da periferia de Ouro Preto está abandonada pela prestadora privada. Conjuntamente, crescem nas redes sociais postagens acerca de casos de internação de pessoas, entre elas crianças e idosos, com quadros de dores abdominais, diarreia e vômito, cujo diagnóstico médico tem sido atribuído à má qualidade da água consumida.
Para os cidadãos ouropretanos, a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário em Ouro Preto é um verdadeiro fracasso, pois a lógica do lucro impera e impede a prestação de um serviço de qualidade. A população entende que a visão da água como uma mercadoria tem levado a sucessivas violações de direitos humanos, incluindo o direito humano à vida.
O Comitê Sanitário de Defesa Popular, unido aos demais movimentos populares pró-remunicipalização, vem atuando incansavelmente na luta para a desprivatização do saneamento municipal e tem feito apelo para que haja ampla denúncia do drama que a população de Ouro Preto e de seus 12 distritos enfrenta.
A esperança de intervenções por parte do Poder Executivo municipal vem se esvaindo, dado que os esforços para a remunicipalização prometidos em campanha eleitoral não foram cumpridos e os diálogos com os movimentos populares cessados. A tônica do discurso do Executivo atualmente está em torno de tentativas de renegociação tarifária com a prestadora privada, o que não vai ao encontro dos anseios da população, que entende os serviços públicos como mais eficazes no atendimento das necessidades da população e salvaguarda dos direitos humanos. A população de Ouro Preto segue rechaçando a mercantilização da água e clamando por justiça social e ambiental, por meio da remunicipalização dos serviços de água e esgotamento sanitário, com reestruturação e recomposição do SEMAE-OP.
* INTERAÇÃO ONDAS-PRIVAQUA: DE OLHO NA PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO
Privaqua é um projeto de pesquisa que objetiva entender processos de privatização dos serviços de água e esgotos, tendo por orientação teórico-analítica o marco dos direitos humanos. Neste espaço do site do ONDAS, o Privaqua publica periodicamente textos curtos sobre a temática do projeto, visando divulgar achados parciais, compartilhar reflexões e disseminar elementos da literatura científica sobre o tema. A intenção é a de dialogar com um público não necessariamente familiarizado com a linguagem acadêmica e com os veículos tradicionais de comunicação científica. Trata-se de uma tentativa de exercitar o que se denomina de divulgação científica, para público não-especializado, transpondo os chamados “muros acadêmicos”. O desafio é de, sem perder o rigor, disseminar aspectos do tema da privatização dos serviços de saneamento, visando sobretudo qualificar as atividades da militância do setor.
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