ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Podem cortar minha água se eu não pagar?

Cresce a inadimplência no Brasil. De acordo com a Confederação de Dirigentes e Lojistas (CDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) o volume de consumidores com contas sem pagar subiu 9% no primeiro semestre de 2019, em comparação com 2018. Despesas básicas do lar, como as contas de água e luz, foram as que mais cresceram. De acordo com o estudo, o crescimento foi de 17,2% na base anual de comparação.

De acordo com SPC, mais da metade dos brasileiros, 53%, são credores de algum banco ou instituição financeira. Das dívidas no Brasil, 10% se referem aos serviços prestados pelas concessionárias de água e luz.

Aqueles que possuem conta no vermelho logo ficam na preocupação. Podem cortar minha água e minha luz!

Não entraremos na discussão sobre o fornecimento de energia. Mas, como a água e esgoto são um dos nossos objetos de estudo, o texto de hoje irá refletir sobre esse tema: podem cortar minha água se eu não pagar a conta?

Água como mercadoria

O INCT ETEs Sustentáveis já participou de alguns eventos que discutiram o fato de muitas vezes a água ser vista como uma mercadoria. A água é um recurso essencial para a vida e por isso seu fornecimento mediante pagamento é algo bastante problemático.

Entretanto, o fornecimento de água também implica alguns custos, como captação, tratamento, distribuição, monitoramento de qualidade, entre outros. Para que você abra a torneira e possa usufruir da água, uma série de processos precisaram ser executado até que a água chegue em sua casa. O mesmo ocorre com o esgoto sanitário gerado na sua casa e que deve ser coletado e tratado antes de voltar para a natureza.

Para se ter um exemplo o Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre (DMAE) gastou mais de R$ 15 milhões desde 2006, para aparelhar estações com um novo processo de tratamento. Em Várzea Grande, no Mato Grosso, a inadimplência de moradores com conta de água foi de R$ 25 milhões em 2018.

A inadimplência então causaria um prejuízo grande aos fornecedores dos serviços de saneamento básico. Mas devemos nos preocupar somente com o impacto econômico que os não pagadores podem gerar?

Água como direito humano

evento discute água como direitoEm 2010 o Brasil foi signatário da Resolução da ONU A/64/292 que estabelece a água como um direito humano. Isso significa que qualquer pessoa, independente da possibilidade de pagar, tem direito a água.

Atualmente no Brasil, cerca de 80% da população tem acesso a água. Em relação ao esgotamento sanitário, entretanto, ainda há muito a se percorrer. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), somente cerca de 50% da população tem coleta de esgoto e aproximadamente 46% do esgoto gerado é tratado.

Quando comparamos pessoas de classes mais baixas, moradoras de áreas rurais e periferias são as mais excluídas dos serviços de saneamento básico. O que acentua a desigualdade social no país.

No levantamento do CDL e do SPC, citado anteriormente, as desigualdades entre as regiões não acompanham o aumento da inadimplência. A região Sudeste alavancou o gráfico, seguida da região Norte e Sul, enquanto as Regiões Nordeste e Centro-oeste retraíram. Os idosos (de 64 a 84 anos), foram os que tiveram maior alta (7,5%) na taxa de inadimplência.

Para garantir os direitos humanos, não deveria ser permitido que empresas cortem o fornecimento de água daqueles que não pagam. Entretanto, já houve vários casos de cortes.

Afinal, é permitido ou não o corte de água?

Pode ou não pode cortar a água?

A resposta não é tão simples. Juridicamente, alguns projetos de lei apontam tanto na proibição dos cortes quanto na permissão deles. Como vimos o fornecimento de água gera controvérsias, uma vez que envolve um serviço oneroso ao mesmo tempo que é essencial para a vida.

O Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou pela ilegalidade do corte de água, em 1997 e 2000, tomando como base o Código de Defesa do Consumidor. Porém, em 2003, o STJ muda de posição e se manifesta pela legalidade do corte, fundamentado na Lei 8987/95, dando origem à jurisprudência que se seguiu em julgados posteriores. Entretanto, varia de caso a caso, de Estado para Estado, de órgão responsável para órgão responsável para a permissão ou proibição dos cortes.

As principais concessionárias estaduais de saneamento do país praticam o corte de água de consumidores da categoria residencial. Nenhuma delas aplica política de corte diferenciada para os usuários classificados como tarifa social ou similar, o que traria um benefício tanto para os consumidores quanto para as companhias.

A Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) começou a testar a adoção de uma política alternativa para consumidores inadimplentes que se alinha com as resoluções dos direitos humanos. Eles procuraram solucionar o problema implementando o chamado hidrômetro social, que reduz a quantidade de água fornecida aos inadimplentes. Com esse hidrômetro seria possível evitar a despesa com a produção e a distribuição de cerca de 3,6 milhões m³, correspondendo a cerca de 85% do volume que não estavam sendo pagos. Considerando um índice médio de habitantes por domicílio de 2,5, e admitindo um fornecimento mínimo baseado na taxa de 20 L/hab.dia. Em termos financeiros, essa despesa evitada corresponderia a cerca de R$ 11,2 milhões/mês (base abril/2018), portanto com evidente benefício para a empresa.

Nesse sentido, esse hidrômetro social auxiliaria na eficiência do órgão fornecedor e garantiria justiça e os direitos humanos aos consumidores. O produto foi implementado em caráter de teste em abril de 2019 em residências inadimplentes da cidade de São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte e já colheu bons frutos.
Fonte: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em ETEs Sustentáveis (INCT ETEs Sustentáveis) 

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