ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Sem água, sem energia e sem gestão o Brasil empaca

Gustavo Veronesi, Cesar Pegoraro e Marcelo Naufal*

Rios e reservatórios não são extensão da tomada elétrica e dependem diretamente das florestas naturais para a sua sustentabilidade. Da mesma forma, o desmatamento, as mudanças climáticas e o fenômeno natural La Niña não são os únicos fatores de agravamento da crise hídrica, considerada a mais drástica dos últimos cem anos.

Reservatórios à beira do colapso, risco iminente de apagão no abastecimento de água e na energia elétrica são, na verdade, reflexo da má gestão pública do país, com alto impacto nas atividades econômicas e na vida da população.

Alertas de especialistas, da ciência e de órgãos públicos de referência, como o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a ANA (Agência Nacional de Água e Saneamento), vêm apontando dados alarmantes de desmatamento e do impacto da perda de florestas nativas no equilíbrio dos recursos hídricos. Porém, o governo ruma na contramão e propôs como solução uma medida provisória que enfraquece a ANA e ainda mais o Ibama, órgãos estratégicos do Sistema Nacional de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Esta solução é mais uma tentativa de acabar com a gestão ambiental integrada, sendo um desrespeito à legislação vigente.

A medida provisória pode tirar da ANA a atribuição de regular o uso da água e, do Ibama, o controle dos ecossistemas. A mudança repassa a um novo comitê, presidido pelo Ministério de Minas e Energia, o poder para definir a vazão dos rios e reservatórios de usinas hidrelétricas. O objetivo do governo é criar uma Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para usinas hidrelétricas, em detrimento dos demais usos da água garantidos na lei vigente.

Em contraponto, tramita na Câmara dos Deputados, sem prioridade, o projeto aprovado no Senado Federal de emenda à Constituição que inclui o acesso à água potável como direito fundamental dos brasileiros. A Lei das Águas do Brasil já estabelece como prioridade da Política Nacional de Recursos Hídricos o uso múltiplo da água, ou seja, que a gestão e a governança desse recurso natural essencial à vida devem garantir todas as atividades humanas e dos ecossistemas. E, em caso de escassez ou falta d’água, a prioridade legal é para o consumo humano e a dessedentação de animais.

Vale relembrar que a ONU (Organização das Nações Unidas) declara que o acesso à água e ao saneamento são direitos humanos e que o Brasil é signatário da Declaração dos Direitos da Água desde a Eco-92. Portanto, diante desse quadro crítico, passar a boiada sobre as políticas públicas capazes de fazer enfrentamento à emergência climática e à solução de conflitos por uso da água é agravar ainda mais o problema.

O Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro para a Bacia do Rio Paraná, que abrange os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. É a primeira vez que o órgão emite um alerta desta natureza, com reforço de outros centros internacionais de análise climática. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e o Ministério de Minas e Energia também apontaram que essa é a pior seca da série histórica dos últimos 111 anos.

A imagem mais emblemática da gravidade desta crise hídrica está nas Cataratas do Iguaçu, praticamente secas, com apenas 308 mil litros de água por segundo, ou 20% da vazão considerada normal. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostram que a média histórica de chuvas entre janeiro até o fim de junho em Foz do Iguaçu também diminuiu drasticamente. Ainda no Paraná, a Região Metropolitana de Curitiba vem sofrendo os efeitos da estiagem desde 2020, quando foi implantado o rodízio no abastecimento de água. No último dia 14, o nível dos reservatórios do Sistema de Abastecimento de Água Integrado de Curitiba e Região Metropolitana chegou a 51,82%.

No estado de São Paulo a crise no abastecimento público afetou drasticamente a população nos anos de 2014 e 2015. No ano anterior o volume de água armazenado nos reservatórios para enfrentar a estiagem era de 65%. Agora, já chegamos a 50% e os dados de precipitação nas bacias hidrográficas que abastecem o Sistema Cantareira, responsável por 70% do abastecimento público na Região Metropolitana de São Paulo, foram os mais baixos registrados desde 2016.

Apesar do risco de racionamento de água e do grave impacto à saúde da população, ironicamente foi o setor de energia que deu o alarme, por meio da mudança na “bandeira tarifária” e o aumento nas contas dos consumidores por acionamento das termoelétricas. Vale lembrar que as termoelétricas resultam em emissão de gases de efeito estufa e intensificação das mudanças climáticas, o que piora ainda mais a situação para o futuro.

E não há até o momento uma campanha para a redução no consumo de água e de energia dirigida aos grandes usuários e à população em geral. Para lembrar, um dos primeiros atos do atual Governo Federal foi acabar com o horário de verão no Brasil, dando um falso sinal à população de que medidas educativas de economia e uso sustentável não são necessárias. Agora é urgente combater as causas dessa crise com soluções integradas, valorizando a governança, a participação da sociedade, os órgãos técnicos e a ciência. A gestão integrada da água e da floresta é estratégica para o país. Sem floresta não há água. Combater o desmatamento na Amazônia e restaurar a Mata Atlântica – florestas que mantêm o equilíbrio do ciclo hidrológico, é o caminho que o Brasil deve trilhar para minimizar os impactos do clima sobre os recursos hídricos.

*Autores: Gustavo Veronesi, Cesar Pegoraro e Marcelo Naufal integram a equipe da causa Água Limpa para Todos na Fundação SOS Mata Atlântica.

Publicado originalmente no Portal UOL 

 

 

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