Elias Haddad Filho[1]
No ano de 2019 foram gastos em Minas Gerais (por todos os prestadores de serviço) quase R$ 400 milhões de investimentos em sistemas de abastecimento de água, informa o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Junto com esta informação, muitas outras – algumas delas surpreendentes – mostram a ineficácia da política de saneamento do estado, se é que existe uma. Já faz muito tempo que em Minas Gerais política de saneamento é o que as empresas estatais (Copasa e Copanor) fazem, nada mais do que isso.
Nada de assustar que enfrentemos mineiramente, uma vez que em silêncio, a mais recente década em que a universalização do abastecimento de água para nossos cidadãos ficou mais distante.
Os dados do SNIS mostram que entre 2011 e 2019 foram gastos mais de R$ 3,1 bilhões (média anual de quase R$ 350 milhões) em investimentos para os sistemas de abastecimento de água das cidades e localidades mineiras. Neste período, a cobertura com abastecimento de água caiu de 86,5% (2011) para 82,1% (2019) da população total dos municípios[2] cujos dados foram informados ao sistema nacional de coleta de dados. Isto significa que não fomos capazes nem mesmo de acompanhar o crescimento vegetativo da população mineira, que neste período foi de 7,3%, ou apenas 0,8% ao ano, segundo estimativa do IBGE.
Estes números comprovam a inação do estado enquanto agente de transformação da vida dos cidadãos mineiros.
Não como resposta a estes números, provavelmente, o governo do estado tomou duas iniciativas no ano passado: uma delas, elogiável, foi a efetivação do contrato para a elaboração do Plano Estadual de Saneamento Básico (PESB); a outra, nem tanto, ou no mínimo extemporânea, foi a contratação do BNDES para elaborar os estudos relativos à desestatização da Copasa e sua subsidiária, a Copanor.
A ausência absoluta da presença do estado na definição de políticas públicas não pode ser uma solução para problema tão grave como manter quase 18% da população do estado, aproximadamente 4 milhões de mineiros, sem abastecimento de água adequado. Como tratar ideologicamente uma questão que é absolutamente fundamental à vida de parcela tão expressiva da sociedade mineira? É possível que a população mineira seja representada por pessoas cujo espírito de solidariedade seja praticamente inexistente?
As perguntas se referem ao absurdo que é contratar os estudos do BNDES enquanto os trabalhos relativos ao PESB ainda se encontram em fase de diagnóstico e podem apontar à sua conclusão caminho diverso da pretendida desestatização das empresas estaduais de saneamento. Mais do que isso, nos parece cada vez mais claro a necessidade da participação efetiva do estado no sentido de promover efetivamente a universalização dos serviços, uma vez que as políticas implementadas pelas estatais mineiras não contribuem sequer para acompanhar o crescimento vegetativo da população, o que dirá para a obtenção dos serviços de abastecimento de universalizados.
Melhor explicando, a empresa estadual, maior responsável pelos investimentos em saneamento no estado, sejam eles em água ou esgoto, nos últimos anos focou na lucratividade da companhia em detrimento da expansão dos serviços de água e/ou esgoto para a população. E este foco na lucratividade tem endereço certo, distribuir dividendos para os acionistas, cujo maior deles é o próprio estado, que enfrenta dificuldades de caixa desde 2013.
A principal empresa de saneamento do estado tem funcionado como uma empresa privada e não cumpre seu papel de ampliar sua participação no universo de municípios mineiros, pois aqueles que ainda não se conveniaram com a companhia são, na sua grande maioria, municípios pequenos e com baixa rentabilidade sob a responsabilidade de administrações municipais. Normalmente a objeção interposta ao não atendimento dos municípios recai na conhecida máxima das empresas privadas de que tais sistemas “quebrariam valor da Companhia”. Para além disso, a empresa não cuida de maneira sistemática do saneamento rural no estado[3] deixando outra grande parcela da população efetivamente descoberta no que diz respeito aos serviços de saneamento.
Cabe discordar de Otto Lara Resende: é necessário demonstrar solidariedade entre nós mineiros para além do câncer. É necessário que nesta quadra tão conturbada da nossa existência reservemos um pouco de tempo para incluir em nossas reflexões quais devem ser os caminhos a seguir para atingirmos a universalização do saneamento em nosso estado.
Qualquer que sejam as soluções resultantes do estudo do BNDES ou do PESB, elas deverão apontar os caminhos para se atender às populações rurais e das pequenas localidades espalhadas pelo estado. Caso contrário, enfrentaremos mais uma década perdida na busca da universalização do saneamento em Minas.
[1] Engenheiro Civil e Sanitarista, MBA em gestão de empresas de saneamento. Diretor da H&A Saneamento.
[2] Em 2011 as informações enviadas ao SNIS representavam 97,1% da população total do estado. Já em 2019 este número era de 98,8% da população total estimada para o estado pelo IBGE.
[3] A população rural do estado é estimada em torno de 3,6 milhões. A Copanor é uma subsidiária da Copasa que atua na região nordeste do estado (vales dos rios Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus) e atende localidades com população entre 200 e 5.000 habitantes. No entanto a maior parcela da população atendida pela Copanor não é rural, fazendo parte da população urbana em vilas e distritos, além de algumas sedes municipais.