Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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PORTAL GLASS: BREVE ANÁLISE SOBRE SUA APLICABILIDADE COM FOCO NO BRASIL
Autora: Priscila Neves Silva [1]
Em fevereiro de 2022 a OMS lançou o portal UN-Water Global Analysis and Assessment of Sanitation and Drinking-Water (GLAAS) (https://glaas.who.int/glaas) que reúne dados sobre a gestão da água, saneamento e instalações de higiene no nível global. A iniciativa, que existe desde 2008, tem como objetivo fazer uma análise da governança da água, do saneamento e da higiene, com o intuito de auxiliar governos e demais tomadores de decisão na elaboração de políticas públicas para melhorar o acesso a estes serviços, tendo como foco as populações vulneráveis. Para isso, os dados coletados eram divulgados a cada dois anos em relatórios que podem ser acessados na página da UN-Water (https://www.unwater.org/publication_categories/glaas/). Com o desenvolvimento do portal, o acesso às informações foi facilitado, ampliando, consequentemente, a transparência e potencializando a participação dos diversos grupos sociais nos processos de monitoramento e tomada de decisão.
Os principais temas abordados pelo portal são: governança, monitoramento, recursos humanos, financiamento, equidade e ajuda internacional. No portal é possível visualizar diversos indicadores, que correspondem a cada um destes tópicos, para algum país específico, como também, a nível regional. Com isso, é possível fazer uma comparação entre países e regiões do mundo analisando as principais dificuldades, desafios, barreiras e progressos. Importante ressaltar que grande parte dos dados mais recentes se referem ao ano de 2018. Dessa forma, no que se refere ao Brasil, por exemplo, ele ainda não identifica a aprovação da lei 14.026 de 2020.
Com relação ao tema da Governança, o portal traz dados relacionados às políticas nacionais, planos e metas; existência de instrumentos de regulação e de mecanismos de coordenação; papéis e responsabilidades dos principais atores; e participação dos usuários e da comunidade nos processos de tomada de decisão. Para o Brasil, ele reconhece a existência do PLANSAB e indica que ele está parcialmente implementado; identifica que o país não possui política ou lei que especifica a participação de mulheres nos processos de tomada de decisão, o que resulta em sua baixa participação na decisão sobre os serviços; reconhece que o nível de participação dos usuários e da comunidade pode variar de acordo com o serviço (água, saneamento e higiene) e região (urbano e rural); que a participação comunitária na região rural é maior que na urbana; e que o orçamento destinado ao apoio da participação da comunidade nos processos de tomada de decisão é muito pequeno.
O tópico sobre monitoramento indica de que forma os dados existentes são utilizados pelos tomadores de decisão e quais os papéis e responsabilidade dos reguladores. Para o Brasil, os dados mostram que o país monitora os dados com vistas a avaliar o progresso do alcance das metas estabelecidas nacionalmente; que os dados disponíveis são utilizados nos processos de tomada de decisão, de alocação de recursos, de planejamento de ações e para o estabelecimento de metas de vigilância. No entanto, a quantidade de recursos humanos disponíveis para coleta de dados é insuficiente.
Seguindo essa tendência, no que se refere aos recursos humanos, os dados mostram que o Brasil tem menos de 50% do que seria necessário para as atividades de operação e manutenção dos serviços; projeto e construção; regulação das atividades e monitoramento das metas. Aponta, ainda, que o treinamento dos recursos humanos existentes é apenas parcialmente suficiente. Para esse tópico, o foco dos dados do portal é analisar se os países possuem planos e estratégias relacionadas aos recursos humanos, se eles são suficientes para o alcance das metas, e se há treinamento para os profissionais do setor no que se refere à segurança e direitos.
Com relação ao financiamento, dados do portal indicam a origem do financiamento para o setor, de que forma os recursos são absorvidos, se são suficientes e se os países colocam em prática algum processo que facilita a distribuição do recurso, como os planos orçamentários. Para o Brasil, a análise dos dados aponta que existe um plano de financiamento acordado para o setor de água e saneamento, que tem como base a recuperação dos custos, e que esse plano é utilizado para embasar algumas decisões. Contudo, menos de 50% do capital alocado para o setor é utilizado; além disso, apesar de existirem esquemas de financiamento para populações vulneráveis, eles não são usados de maneira ampliada.
No tópico da equidade, os dados avaliam em que medida os serviços abrangem os diferentes grupos populacionais, incluindo monitoramento dos dados e o financiamento das ações, tendo como alvo as populações em situação de vulnerabilidade. No que se refere à busca pela equidade, os dados mostram que o Brasil possui políticas e planos que incluem alguns grupos de populações vulneráveis mais muitos não são mencionados, como migrantes, pessoas com deficiência, mulheres e minorias étnicas. Para aqueles em que há políticas e leis, estas estão apenas parcialmente implementadas. Cabe ressaltar que os dados apontam que o país ainda não reconhece os DHAES.
Com relação à ajuda internacional, as informações publicadas no portal foram compiladas das agências internacionais e de dados da OECD. Esse tópico mostra que, no mundo, houve uma queda de 6% no desembolso das ajudas internacionais para o setor de água, saneamento e higiene, de 2018 a 2019, e uma queda de 2% no que se refere ao compromisso destas agências com o setor. Ressalta, ainda, que as agências preferem financiar ações relacionadas ao acesso à água do que ao saneamento.
A breve análise sobre a situação de alguns do indicadores no Brasil é capaz de mostrar como o portal melhora o acesso à informação, auxiliando o entendimento da situação do setor de saneamento em cada país, favorecendo, assim, o desenvolvimento de pesquisas, de políticas, programas e ações, com foco nos principais obstáculos, desafios e barreiras para o alcance do ODS 6 e da realização dos DHAES.
Autora:
[1] Priscila Neves Silva – Doutora e Mestre em Saúde Coletiva pelo Centro de pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, atualmente faz Pós-Doutorado junto ao grupo de pesquisa de Direitos Humanos e Políticas Públicas em Saúde e Saneamento da mesma instituição. É mestre em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidad Rey Juan Carlos (Espanha) e graduada em Fisioterapia pela PUC-MG.
* Privaqua é um projeto de pesquisa que busca entender o impacto da privatização dos serviços de água e saneamento nos direitos humanos. Regularmente, o site do ONDAS publica notas do Privaqua de forma a dar transparência ao projeto e compartilhar alguns de seus achados preliminares.
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