ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A luta contra a privatização em Governador Valadares

O prefeito de Valadares, André Merlo, eleito pelo PSDB e atualmente sem partido, resolveu conceder a uma empresa privada os serviços de água e esgoto de Governador Valadares (MG), prestados desde 1952 por uma autarquia municipal, o SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto.

O município, com quase 300 mil habitantes, tem excelentes índices de cobertura: o atendimento com água da população urbana e rural superou 99% em 2021, e no mesmo ano o atendimento com coleta de esgotos foi maior que 96%. Mas há ainda investimentos a serem feitos para garantir a sustentabilidade socioambiental dos serviços de saneamento.

A modelagem da licitação da concessão (edital, minuta de contrato e anexos) estão disponíveis em razão de consulta pública em andamento.

Suspensa a audiência pública

O Movimento em defesa do SAAE, constituído por diversos sindicatos e movimentos populares, está organizando a resistência ao processo de privatização do saneamento da cidade. Na semana passada, o Sindicato dos Servidores Municipais de Governador Valadares/MG teve uma primeira vitória ao conquistar liminar para suspender a Audiência Pública convocada pela prefeitura municipal para privatizar o SAAE-GV.

A Tutela Cautelar Antecedente proposta pelo Dr. Luiz Alberto Rocha, associado do ONDAS, questionava a participação democrática da população na Audiência Pública. Isto porque as regras da audiência restringiam a participação democrática limitando todo o debate a apenas duas horas, impossibilitava a realização de perguntas a viva-voz, cerceavam os meios de participação, já que as perguntas teriam que ser encaminhadas previamente e por e-mail, além de limitar o debate público uma vez que as perguntas seriam apenas lidas e respondida sem dar oportunidade a tréplicas.

“Estava claro o cerceamento à livre manifestação do pensamento garantido pela Constituição Federal, além de violações diretas ao direito de discussão prévia e ao exercício do controle social”, afirma o Dr. Luiz Alberto Rocha.

O Ministério Público mineiro concordou com todos os argumentos do SINSEM/GV e, ainda, acrescentou que a Audiência Pública não obedecida ao prazo mínimo de dez dias úteis determinado pela Lei n. 8.666/93.

A decisão judicial que concedeu a tutela de urgência para suspender imediatamente os efeitos jurídicos do Edital de Audiência Pública, também impôs a responsabilidade administrativa do gestor por ato de improbidade administrativa em caso de descumprimento.

Infelizmente, o desrespeito à participação democrática da população tem sido a tônica dos processos de licitação do saneamento nos municípios brasileiros, afirmou o Dr. Luiz Alberto Rocha.

Apoiando a luta pela água pública em Valadares, o ONDAS publica artigo no qual o deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG) identifica os prejuízos que a iniciativa causará e discute as alternativas para o progresso do saneamento no município.

Concessão: a pior opção para Valadares

autor: Leonardo Monteiro*

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Governador Valadares merece serviços de água e esgoto que atendam a todos, sem qualquer discriminação seja por renda, por local de moradia ou outro alegado motivo, que sejam sustentáveis social e ambientalmente, e resilientes à mudança climática ou a novos acidentes na bacia do Rio Doce.

Para tanto é imprescindível que o município realize os investimentos previstos no Plano Municipal de Saneamento Básico, entre os quais merecem destaque:

– um novo sistema de abastecimento de água alimentado por manancial que não seja o Rio Doce, aliás já em construção;

– um programa de controle e redução das elevadas perdas de água hoje ocorrentes no sistema de abastecimento da cidade e que inclui a substituição de tubulações cuja vida útil já se esgotou e diversas outras medidas como setorização, instalação de válvulas redutoras de pressão etc;

– estações de tratamento de esgoto capazes de depurar todo o esgoto coletado no município;

– abastecimento de água e esgotamento sanitário regular e seguro em todo o município, inclusive nos bairros populares e nos distritos rurais.

O desafio da acessibilidade econômica aos serviços de água e esgoto é questão de relevante importância e não pode ser relegado a segundo plano. Segundo informações do CadÚnico – o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal-, no final de 2022, dos cerca de 280 mil habitantes de Valadares, 52 mil integravam famílias em situação de extrema pobreza e de pobreza. É direito destas pessoas ter acesso aos serviços pagando uma tarifa social compatível com a sua renda familiar.

A opção do atual prefeito de realizar a concessão dos serviços de água e esgoto por 30 anos vai aumentar os custos desses serviços, onerando significativamente o bolso dos valadarenses. Aqui pretendemos demonstrar que há opções mais vantajosas e que deveriam ter a preferência de uma administração municipal orientada pelo interesse público.

De acordo com a “Tabela 15 – Demonstração dos resultados totais,” do Anexo 13 da minuta de edital colocada em consulta pública, no período de 30 anos a concessionária privada deverá receber só das tarifas pagas mais de R$ 5 bilhões. Destes recursos, no mesmo período, a concessionária aplicará R$ 1,1 bilhão em investimentos em obras e equipamentos e gastará com despesas operacionais R$ 1,9 bilhões, o que totaliza aproximadamente R$ 3 bilhões.

E os outros R$ 2 bilhões que sobram, onde irão parar?

Bom, primeiro em impostos e tributos: os gastos com PIS/COFINS foram estimados em R$ 523 milhões e os gastos com imposto de renda e contribuição social, mais R$ 409 milhões. Pelo menos outros R$ 442 milhões serão pagos à Prefeitura a título de outorga pelo contrato de 30 anos e R$ 790 milhões serão o lucro projetado da concessionária, valor que corresponde a mais de R$ 2 milhões de lucro mensal!

Fonte: Anexo 13 – Estudo Econômico-Financeiro de Água e Esgoto de Governador Valadares (disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1d4Rpuv4g-Id2B-TGYxIIjHw4aHA2mgVm )

Uma alternativa óbvia à concessão é a manutenção do SAAE. Nesta opção não há a despesa de R$ 442 milhões com outorgas e as despesas com impostos e tributos se resumem ao PASEP, caindo de R$ 932 milhões para cerca de R$ 100 milhões. Como não há também pagamento de lucro aos acionistas, as despesas podem ser reduzidas em mais de R$ 2 bilhões.

Uma segunda alternativa é transformar o SAAE em empresa pública municipal de água e esgoto, definindo que todo “lucro” seja reinvestido na ampliação e melhoria do serviço. Neste caso, não há pagamento de outorga, nem de imposto de renda e de contribuição social, mas o PIS/COFINS precisa ser pago. Assim, as despesas podem ser reduzidas em mais de R$ 1,2 bilhões. A vantagem da opção da empresa pública municipal sobre a opção de manter o SAAE é que a empresa pode tomar financiamento junto à CAIXA ou ao BNDES para investir nas obras necessárias sem depender da prefeitura.

Em qualquer destas duas alternativas, é importante valorizar a participação comunitária e o controle social prevendo que o prestador conte com um conselho de administração, independente, composto de diversificada representação da sociedade civil, orientando e fiscalizando sua atuação.

Qualquer destas duas opções permite reduzir as tarifas pela redução dos custos associados aos serviços e viabiliza ampliar a cobertura da tarifa social, garantindo a acessibilidade econômica aos serviços pelas famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Ao finalizar cabe destacar que o estudo econômico-financeiro que compõe o Anexo 13 da minuta do Edital, ou mesmo o EVTE (Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica) que integra o Plano Municipal de Saneamento Básico constante do Anexo 19, não cumprem os requisitos previstos na Portaria nº 557/2016 do Ministério das Cidades. Em ambos os estudos não há avaliação de alternativas de modelos de gestão dos serviços que demonstrem ser o modelo adotado o mais adequado para o município, em flagrante desrespeito ao que dispõe a Lei 11.079, no artigo 10, inciso I, a.

É preciso esclarecer a população e ampliar o debate público antes de tomar qualquer decisão que possa comprometer o futuro do saneamento de Valadares e impor ônus injustificáveis ao bolso dos munícipes por 30 anos.

Contribuindo para o debate, afirmamos: Concessão é a pior opção para Valadares.

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*Leonardo Monteiro, advogado, é deputado federal (PT), eleito por Minas Gerais. E-mail: [email protected]

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