ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Diagnósticos do saneamento respaldam CPI da Águas de Manaus

“Depois de instaurada, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode fazer a diferença ao mobilizar-se para a implantação de uma gestão pública e democrática do saneamento na cidade. O que é público deve ser administrado pelo setor público, com eficiência e transparência. Depois de três CPIs contra a mesma concessão essa conclusão torna-se imperiosa”, escreve Sandoval Alves Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.

Eis o artigo.

Fazia quase um ano que circulava na Câmara Municipal de Manaus (CMM) a solicitação para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a concessionária Águas de Manaus. Somente no último mês de fevereiro o pedido ganhou força entre os parlamentares e recebeu adesão suficiente para a instalação do Inquérito, visando investigar os serviços precários da empresa, que é controlada por um poderoso grupo empresarial que atua no ramo do saneamento Aegea Saneamento.

Reclamações não faltam em toda a cidade mostrando o baixo desempenho da iniciativa privada na gestão dos serviços de água e esgoto. Tais reclamações podem ser vistas nas redes sociais, na imprensa e em diversos outros meios de comunicações. Essas reclamações também podem ser averiguadas nos órgãos de atendimento aos cidadãos, como na Defensoria Pública do Estado (DPE-AM), na Ouvidoria da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman) e no Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-Am).

O Procon-Am costuma divulgar a relação das empresas mais reclamadas do ano. Nos registros do Instituto, mais uma vez a empresa Águas de Manaus aparece como a 2ª empresa mais reclamada da cidade, perdendo somente para a concessionária Amazonas Energia. Em 2022, a entidade registrou 1.847 atendimentos referentes à atuação inadequada da concessionária. Desse total, 1.086 atendimentos referem-se ao aumento inusitado do consumo, ou seja, a elevação injustificada dos valores das faturas. Destacam-se também reclamações por notificação indevidas de irregularidade e cobranças de esgoto sem a realização dos serviços.

Os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS 2021) mostram também a posição desfavorável de Manaus nos quesitos abastecimento de água e esgotamento sanitário. Laçando mão desses dados, o Instituto Trata Brasil acompanha a evolução das principais cidades brasileiras, mostrando que Manaus se encontra entre os 20 piores municípios ao longo da última década. Para a população que foi ludibriada pela propaganda de que a privatização melhoraria os serviços de água e esgoto, esse resultado é frustrante e ao mesmo tempo elucidativo sobre a tendência privatista que hoje vivemos em muitos setores de serviços públicos.

No que diz respeito aos serviços de abastecimento de água, a cidade apresenta uma cobertura de 97,5%. Claro que este dado não corresponde à realidade, pois dezenas de ocupações e grandes áreas ocupadas por palafitas não possuem os serviços, tendo que sobreviver ingerindo água inadequada para o consumo humano. Além disso, vários bairros sofrem cotidianamente com interrupções e má qualidade da água distribuída. No quesito de esgotamento sanitário, a situação é humilhante. Somente 25,45% da cidade possuem os serviços de coleta de esgoto. Essa tragédia coloca Manaus entre os 10 piores centros urbanos do Brasil.

Esses diagnósticos reforçaram a necessidade da instauração da CPI da Águas de Manaus, indicando que é preciso um rigoroso monitoramento dos mencionados serviços. Os diagnósticos também mostram que a concessão privada não tem respondido as aspirações da população, principalmente os setores mais pobres. Possuindo baixo poder de pagamento, esses setores são ignorados pela concessionária, uma vez que não oferecem o retorno econômico desejado pelos investidores da empresa.

Esse cenário não representa nenhuma novidade para Manaus, pois não é difícil o manaura se deparar no seu dia-a-dia com situações de falta de água e ausência de coleta e tratamento de esgoto. No entanto, depois de instaurada, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode fazer a diferença ao mobilizar-se para a implantação de uma gestão pública e democrática do saneamento na cidade. O que é público deve ser administrado pelo setor público, com eficiência e transparência. Depois de três CPIs contra a mesma concessão essa conclusão torna-se imperiosa.


Publicado originalmente no site IHU em 18 de abril de 2023

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