ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

‘Falar em privatização da drenagem em Porto Alegre é um engodo’

Reprodução de reportagem publicada pelo Sul 21 em 31/1/2022

Os alagamentos causados pelas chuvas durante o mês de janeiro em Porto Alegre reacenderam o debate sobre a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), responsável pela drenagem pluvial da cidade. Cobrado sobre os transtornos constantes, o prefeito Sebastião Melo (MDB) tem falado com mais frequência sobre a intenção de entregar a gestão de água, esgoto e drenagem para a iniciativa privada, como forma de solucionar os problemas.

Melo defende que, apesar dos avanços no abastecimento de água e no tratamento de esgoto, a Prefeitura não possui recursos suficientes para a realização de obras necessárias no sistema. Apenas em macrodrenagem, o investimento estimado é de mais de R$ 4 bilhões. “A cidade tem muito que mudar e desde a Lei do Marco Regulatório do Saneamento Básico existe a possibilidade de concessão para a iniciativa privada. As empresas [privadas] sempre focaram seu interesse na água e no esgoto, mas nós estamos conversando para apresentar uma alternativa que inclua a drenagem. Se for para conceder, tem que colocar a drenagem”.

Contrários à possibilidade de concessão ou privatização, servidores do DMAE argumentam que a autarquia tem capacidade de desenvolver as obras necessárias, desde que tenha autonomia para o desenvolvimento de um plano de Estado, reposição no quadro de funcionários e investimentos.

De acordo com o diretor do Simpa, Edson Zomar de Oliveira, a empresa não tem conseguido responder a todas as demandas da cidade porque foi sucateada nos últimos anos. “A solução não é privatizar porque o problema não é ser uma autarquia pública. O problema é a falta de investimentos no DMAE. Desde 2017, nós temos tentativas de privatização. E nós temos ataques à autonomia da instituição, já que todas as decisões passaram a depender da administração centralizada. Além de um sucateamento da empresa, sem a reposição de funcionários há anos”.

O trabalho do DMAE na drenagem pluvial é recente. O órgão começou a atuar na manutenção, conservação, contratação e execução de obras e serviços relacionados à drenagem há três anos, com a extinção do DEP. Um técnico do DMAE, que preferiu não ter o nome identificado, afirma que o órgão já tinha uma demanda de trabalho alta e recebeu novas competências de outra empresa com atuação extremamente precarizada.

“O DEP era uma autarquia que foi se defasando e há um bom tempo já tinha quase a totalidade do quadro de servidores terceirizado. Quando nós começamos a atuar, dos 80 conjuntos de motor-bomba, por exemplo, só 44% estavam funcionando. Não havia contrato de manutenção e, inclusive, a nossa área de Segurança do Trabalho nos disse que não havia condições de segurança para trabalhar naquele local”, afirmou. Para ele, não há dúvida de que o DMAE teria competência para buscar financiamento externo e fiscalizar obras, mas a insuficiência deliberada de servidores tem inviabilizado o trabalho na autarquia. “Não temos quem execute os projetos e nem quem fiscalize as obras, precisamos de reposição no quadro de maneira urgente”.

A estimativa do Simpa é de que o órgão precisaria de, pelo menos, 400 servidores contratados de maneira imediata. Em 2007, o DMAE tinha 2.500 funcionários. Hoje conta com menos de 1.200 servidores de carreira.

Os servidores do DMAE não acreditam que o prefeito conseguirá realizar a privatização incluindo os serviços de drenagem pluvial, especialmente a manutenção do sistema. “As empresas não querem a drenagem, porque ela não é rentável. E a manutenção da drenagem, que não está no projeto que está sendo desenvolvido, precisaria de um aporte superior aos recursos que são destinados”, afirmou o servidor.

Oliveira também endossa a perspectiva: “Nós temos o entendimento de que saneamento precisa ser um serviço público e não um processo mercantilizado, com estimativa de lucro. E, no caso da drenagem, ela não dá lucro. A prestação desse serviço vai ficar mais precarizada”.

A possibilidade da concessão ou privatização do DMAE incluir o serviço de drenagem pluvial é classificada pelo diretor-executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), Edson Aparecido da Silva, como um “engodo”. Para ele, não há qualquer possibilidade das empresas privadas se interessarem pela realização de um serviço que não gera lucro.

“Em nenhum lugar do Brasil as empresas privadas assumem a drenagem e isso acontece porque esses serviços são tipicamente exercidos pelo poder público. São serviços que não têm tarifa, que normalmente são cobrados em uma taxa, muitas vezes embutido no IPTU. É um engodo colocado no debate público. O Brasil inteiro sabe que o DMAE é um exemplo, é um patrimônio de Porto Alegre, e que tem sido sucateado nos últimos anos”, afirmou.

Especialista em saneamento básico com atuação há 30 anos, ele fundou e integra a coordenação da ONDAS – entidade que reúne movimentos sociais, sindicais e segmentos acadêmicos no monitoramento das políticas de saneamento e que tem acompanhado os processos de privatização e concessão realizados em estados e municípios brasileiros nos últimos anos.

Conforme Silva, os recentes processos realizados em Alagoas, Rio de Janeiro e Amapá têm demonstrado um padrão: preferência das empresas por cidades rentáveis, exclusão de serviços de saneamento que não rendem lucro e falta de atendimento em áreas de mais vulnerabilidade social, como regiões periféricas.

“A privatização do serviço de abastecimento de água e de esgoto tem demonstrado que, assim como em outros casos, o discurso de que a privatização resolverá não tem se mostrado verdadeiro na prática. São constantes as denúncias de não atendimento à população”, avalia.

Para Silva, o debate sobre a possibilidade de concessão ou privatização do saneamento tem que ser realizado de maneira urgente pela sociedade. “Privatizar o DMAE vai ser um caminho sem volta porque é difícil rever esses processos. Mesmo em partes da Europa e da África em que se reestatizaram os serviços – porque a privatização não deu certo – esse trabalho é extremamente penoso e quem sofre mais uma vez é a população”.

 

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