ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Lázaro Godoy: PPP da Sanesul desrespeita legislação e privilegia empresas privadas

Atualizado em 23/10/2020 
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O leilão para PPP (Parceria Público-Privada) da SANESUL (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul) ocorreu na sexta-feira (23/10), na B3 -Bolsa de Valores, e a empresa Aegea foi a vencedora. O objetivo da concorrência é privatizar os serviços de água e esgotamento sanitário em 68 municípios atualmente atendidos pela estatal sul-mato-grosssense. No entanto, cinco denúncias tramitam tanto no Ministério Público Federal como no Estadual, questionando ilegalidades e irregularidades nesse processo.

A justificativa do governo de MS para realização da PPP é que o vencedor do certame vai ter 30 anos de contrato com a estatal e a mesma realizará investimento de pelo menos R$ 3,8 bilhões, podendo ir até R$ 4,5 bilhões, e o prazo de universalização dos serviços é de 10 anos.

Lázaro Godoy Neto, presidente do Sindágua- MS, entidade que representa os trabalhadores da estatal, avalia que a SANESUL tem condições financeiras de realizar o investimento sem recorrer à PPP. “Acompanhamos a vida e a história da Sanesul. Suas dificuldades e seus avanços ao longo desses 41 anos. Vimos que, nos últimos anos, a empresa apresentou lucro líquido de R$ 818 milhões”.

Confira a entrevista exclusiva que Lázaro Godoy Neto concedeu ao ONDAS.

ONDAS: Qual o cenário do saneamento no Estado do MS e qual o papel que a SANESUL vem realizando?

Lázaro Godoy Neto: A SANESUL opera em 68 municípios dos 79 existentes no Estado. Temos ainda atuação em mais 60 distritos que compõem esses municípios.

A Empresa de Saneamento de MS recebeu um grande volume de recursos não onerosos do OGU – Orçamento Geral da União, via PAC Saneamento do Ministério das Cidades (2007-2011-2014), para atender aos Sistemas de Esgotamento Sanitário do MS.

Para se ter uma ideia, apenas nos 4 maiores, Dourados, Corumbá, Três Lagoas e Ponta Porã, foram contratados via governo do Estado de MS, sendo a SANESUL mera interveniente executora e responsável pela contrapartida, R$ 384 milhões. Recursos suficientes para execução de mais de 200 mil ligações de esgotos (rede coletora + troncos coletores + bombeamento + tratamento). Estamos falando em atendimento a uma população de 700 mil habitantes.

Com as obras concluídas até a presente data, temos a cobertura de 60% da nossa população urbana, já contemplada com sistemas de esgotamento sanitário. Com a conclusão das obras do PAC 2011 e 2014 até junho 2021, estaremos com 68%. Importante frisar que os quatro sistemas estarão universalizados já em dezembro de 2022 com recursos não onerosos.

O total de recursos do Orçamento Geral da União não onerosos via Ministério das Cidades/CAIXA/FGTS de 2007 a 2020 chega à casa de R$ 700 milhões (emendas parlamentares, FCO, saneamento ambiental urbano, infraestrutura turística etc.) e temos ainda o PAC FUNASA 1 e 2 para municípios com menos de 50 mil habitantes com repasse via Governo do Estado e SANESUL como interveniente executora, com mais de R$100 milhões.

A SANESUL, por ser estatal e ter recebido esse grande volume de recursos, consegue hoje atender a população desses 68 municípios e 60 distritos, totalizando 1,6 milhão de habitantes com distribuição de água potável a mais de 97% da população urbana, e atenderá, até final de 2022/2023, o percentual de 74% da população urbana. Em MS, a tarifa de água e esgotos tem um custo menor que a de sua concorrente Águas Guariroba/AEGEA, que atende a capital do Estado, Campo Grande.

A tarifa de esgotos é da ordem de apenas 50% do volume de água cobrado. Enquanto isso, a Águas Guariroba cobra 70%, passando a 80% este ano, e acresceu em suas contas, sem qualquer justificativa, com a aprovação da Agência de Regulação Municipal, uma taxa de R$12,00 reais por economia.

ONDAS: Está em processo uma PPP para privatizar os serviços em 68 municípios. Explique no que isso irá prejudicar a população mato-grossense e também a estrutura da SANESUL e seus funcionários.

Lázaro Godoy Neto: A PPP com concessão administrativa que se pretende efetivar em 23/10/2020 na B3 trata-se de um crime que fere as mais diversas legislações. Trata-se de um modelo que, se for concretizado, há de ser utilizado nos demais estados brasileiros se nenhuma ação política e jurídica ocorrer. Os prejuízos à população não serão de forma imediata, mas, face à fragilidade de todo o processo, há riscos de alguns sistemas não concordarem com esse golpe praticado pelo Governo para cumprir compromissos privados. Aqui faço uma ressalva que o governador do Estado se tornou réu na Ação Penal nº 980 no Superior Tribunal de Justiça por corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, desvios superiores a R$ 209 milhões. Na delação da JBS, o diretor do Grupo Ricardo Saud denuncia o acordo para a privatização da SANESUL.

Considerando as garantias contratuais da PPP e as formas de cálculo do pagamento da PPP, isso pode vir a comprometer o fluxo de caixa da estatal e comprometer os serviços prestados ou representar em aumento tarifário.

O projeto da PPP vem sendo discutido desde 2015, quando este governo assumiu, por conta dos compromissos escusos firmados com os grupos financeiros. Mesmo assim, convocaram mais de 140 empregados concursados como Operadores de Esgotos. Sendo que 95% são pais e mães de família, que mudaram de cidade, tiveram que abandonar seus empregos acreditando estarem indo para uma empresa sólida e com estabilidade, e agora não sabem se estarão empregados em janeiro de 2021.

Na estrutura de cargos de chefias, a colocação de indicados políticos será ampliada, pois vão criar uma Unidade de Gestão da PPP, ligada à Diretoria da Presidência ou de Operações.

ONDAS: Quais medidas o sindicato está realizando para paralisar esse processo de privatização?

Lázaro Godoy Neto: As medidas adotadas por mim como pessoa física e depois como sindicato foram levar ao MPE – Ministério Público Estadual denúncias sobre as ilegalidades de todo o Processo da PPP, bem como as irregularidades constantes no edital, que são abusivas, assim como a falta de exigências que garantam a lisura de uma concorrência pública. Além disso, por haver recursos públicos federais, levamos ao conhecimento do MPF, para que se investigue o cumprimento de Acórdãos do TCU, como as estatais devam proceder na percepção de recursos a Fundo Perdido e após a conclusão das obras.

Também mobilizamos entidades dos servidores públicos estaduais, sindicatos de classe, o Fórum em Defesa dos Serviços Públicos, coordenados pela CUT-MS, e vereadores de diversos municípios para apresentação de Projetos de Lei municipais que barrem o processo, ou, mesmo após a sua consolidação, permita ao município não aceitar “goela abaixo”, ou seja, sem que os devidos estudos técnicos e de Viabilidade Econômica Financeira sejam apresentados ao Poder Concedente. Além disso, solicitamos que sejam realizadas as Audiências Públicas em cada um dos municípios operados pela SANESUL. E, por fim, que o Poder Concedente dê a anuência para a PPP, para que essa sub-rogação dos serviços venha a ocorrer.

O Deputado Estadual Pedro Kemp vai protocolar requerimento solicitando os estados de viabilidade por sistema, as atas das Audiências Públicas em cada um dos sistemas e se os bens construídos com recursos não onerosos estão patrimoniados em nome do município que é o Poder Concedente.

Acompanhamos a vida e a história da SANESUL. Suas dificuldades e seus avanços ao longo desses 41 anos. Vimos que, nos últimos anos, a empresa apresentou lucro líquido de R$ 818 milhões.

Entendo que esse é um modelo danoso aos serviços públicos de saneamento e que, caso tenha sucesso nessa empreitada, será amplamente utilizado por outras estatais, cujos governos estaduais atendem interesses nada republicanos. E será estendido aos serviços de abastecimento de água em curtíssimo espaço de tempo.

 

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