ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O reajuste tarifário em benefício próprio e prejuízo da população: o caso de Pará de Minas – MG

Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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O REAJUSTE TARIFÁRIO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO E PREJUÍZO DA POPULAÇÃO: O CASO DE PARÁ DE MINAS – MG
Autores: Luis Ferreira, Juliana Braga, Artur Valadão

Pará de Minas-MG é um município de 95.615 habitantes na Região Metropolitana de Belo Horizonte com IDHM 0,725 (alto) e área de 551,247 km² (IBGE, 2022). Em sua maioria, os moradores da região vivem na área urbana e apenas 16,7% moradores da área rural (SNIS, 2021). Com relação ao acesso a serviços de saneamento básico, 100% dos habitantes possuem abastecimento de água e 84,47% possuem coleta de esgotamento sanitário, conforme índices do ano de 2020 (SNIS, 2021).

A atual empresa responsável pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no município, a Águas de Pará de Minas (CAPAM), pertencente ao grupo Águas do Brasil. A empresa assumiu a concessão de 35 anos em 2015, podendo ser prorrogado por igual período na forma da Lei, desde que cumpridas todas as condicionantes previstas no edital e no contrato. Como metas, o contrato prevê: a ampliação do nível de atendimento do sistema de abastecimento de água da sede dos 95% no momento da entrega à iniciativa privada para 100% em até 5 anos; a redução do índice de perdas de água do sistema de distribuição para 25% até o décimo ano; o alcance no 72° mês da concessão após a ordem de serviço inicial de 95% da população urbana da sede com seus esgotos coletados e tratados, dentre outras. Segundo dados do SNIS 2020, a empresa conseguiu alcançar os 100% de atendimento urbano planejado. Além disso, o índice de perdas de água do sistema de distribuição chegou a 18,26%, sendo 6,74% superior à meta colocada. Contudo, o índice de esgoto tratado referente à água consumida foi equivalente a 84,47%, mantendo essa meta ainda em aberto, porém, todo o esgoto coletado é tratado (SNIS, 2021).

Anteriormente à privatização, o município de Pará de Minas encontrava-se em uma situação delicada acerca do fornecimento de água, com situações nas quais a falta de água e o racionamento tornaram-se constantes. Diversas interrupções no fornecimento de água podem ser percebidas pelos dados do SNIS, principalmente nos anos de 2013 e 2014. Segundo matéria publicada pelo G1 em 23 de maio de 2014, a prefeitura de Pará de Minas acusava a COPASA de não realizar investimentos na cidade há mais de 30 anos (G1, 2014). Como o contrato havia se encerrado no ano de 2009, a Companhia optou, segundo o prefeito à época, por não realizar intervenções estruturais e estruturantes no município a ponto de garantir a manutenção do direito humano à água potável. Cabe ressaltar que houve investimentos da Companhia da ordem de R$ 30 milhões na expansão dos serviços de esgotamento sanitário realizados após o vencimento do contrato, inclusive com a construção da estação de tratamento de esgoto (SNIS, 2021). De acordo com os dados do SNIS, o pico do racionamento de água fez com que o volume total tratado na ETA sofresse uma redução de quase 40% de 2013 para 2014. Essa diminuição resultou em falta de água para os moradores.

Esse conflito entre prefeitura e companhia de saneamento, além do descontentamento da população com o serviço, culminaram na não renovação do contrato com a COPASA e, por conseguinte, a concessão à iniciativa privada da prestação do serviço de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário sendo a CAPAM a vencedora. Comparando os 6 últimos anos de COPASA com os 6 primeiros anos da CAPAM, demonstram certa negligência da prestação dos serviços por parte da Companhia Estadual e uma proatividade por parte da empresa privada nesse momento inicial. Índices físico-químicos como cloro residual, turbidez e coliformes totais fora do padrão tiveram redução, chegando a 0 em todos os anos de administração da CAPAM, além da diminuição no número de reclamações e a inexistência de interrupções sistemáticas nos últimos 5 anos.

No entanto, a melhora nos índices de cobertura e qualidade de água foram seguidos, em 2021, de um reajuste tarifário de 19,51%, previsto para começar a valer em janeiro de 2022. Conforme publicado pelo Portal GRNEWS, essa alta porcentagem foi motivada pela variação dos índices de álcool, petróleo e energia elétrica (GRNEWS, 2021). O índice do reajuste de derivados de petróleo e biocombustíveis foi responsável por quase 40% do aumento, sob os insumos de “retirada de lodo e equipamentos e veículos”. A maneira como o cálculo do reajuste foi proposta não está de acordo com a realidade da incidência desse parâmetro, sendo injusto que dos 19,51% de aumento, 7,33% sejam devido ao combustível (ARSAP, 2021).

Todavia, esse reajuste tarifário não condiz com o reajuste do salário-mínimo que foi de apenas 10,02% para este ano (BRASIL, 2021). Dentro da realidade de Pará de Minas, esse fato é ainda mais preocupante levando em conta que cerca de 60% de sua população vive com uma renda per capita média de até um salário-mínimo (IBGE, 2012). Sendo assim, uma parcela significativa da população será muito prejudicada por esse aumento. A situação é ainda mais agravada pela atual condição sanitária do país, onde os níveis de pobreza e vulnerabilidade tem atingido proporções históricas (CEPAL, 2021), além da queda do rendimento da parcela da população mais pobre(CEE-FIOCRUZ, 2021).

O fato se torna ainda mais crítico quando a agência reguladora do município não tem o poder de questionar o aumento tarifário. O cálculo de reajuste é realizado pela própria concessionária, com base em metodologia fixada no contrato de concessão da prestação do Serviço no município, anterior à criação da ARSAP. Além disso, é vedado, também via contrato, a impossibilidade da agência obstar o reajuste (ARSAP, 2021). Ou seja, a reguladora não estava presente na proposição do modelo e não pode questionar a sua validade. O problema dessa dinâmica controlada pela empresa privada é o aumento significativo dos valores da tarifa de acordo com os interesses da prestadora. É apresentado nos gráficos I e II a comparação entre as tarifas da Águas de Pará de Minas (APM – CAPAM) e da COPASA.

Gráfico I: Comparação da Tarifa Social entre APM e COPASA para o ano de 2022

Fonte: Águas de Pará de Minas, 2021. ARSAE, 2021.

Gráfico II: Comparação da Tarifa Residencial entre APM e COPASA para o ano de 2022

Fonte: Águas de Pará de Minas, 2021. ARSAE, 2021.

Percebe-se que a tarifa social da APM pode chegar a mais que o dobro daquela operada pela COPASA. A faixa de consumo onde apresenta vantagem é inferior a 5m³ por mês (Águas de Pará de Minas, 2021). Esse é o consumo de uma família de 3 pessoas com consumo per capita de 50 l/hab/dia, ou seja, uma realidade praticamente inexistente. Para as populações mais vulneráveis, o incremento pode ser a diferença entre pagar e não pagar e ter o acesso ao direto cortado por inadimplência. É pior ainda nos casos em que há mais de uma família por economia, onde o consumo pode ser superior a 15m³, com valores de tarifas significativamente maiores que a praticada pela Companhia Estadual (tendo em mente que já não é uma tarifa cara).

Na atual situação, onde saneamento básico é essencial no combate à pandemia e o poder de compra do brasileiro apenas decresce, o congelamento dos serviços essenciais deveria ser uma imposição do Estado. Propor um reajuste tarifário quase duas vezes acima do reajuste do salário-mínimo é deixar claro que a prioridade é a saúde financeira da empresa privada e não a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas. Outro ponto a ser fortemente questionado é o papel da agência reguladora que não tem o poder de intervir na tarifa cobrada. Permitir que a metodologia de cálculo da tarifa seja fixada em contrato e calculada pela própria prestadora é o mesmo que colocar a raposa cuidando do galinheiro.

Referências
Águas de Pará de Minas. Estrutura Tarifária Vigente. Águas de Pará de Minas – Grupo Águas do Brasil, 2021. Disponível em https://www.grupoaguasdobrasil.com.br/aguas-parademinas/agencia-virtual/estrutura-tarifaria/. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

ARSAE, 2021. Nota Técnica CRE 14/2021 – Resultado da 2ª Revisão Tarifária Periódica da Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA MG. Disponível em: http://www.arsae.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/NT_CRE_14_2021_Resultado_RTP_Copasa_PosCP23.pdf. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

ARSAP, 2021. Reajuste 2021. ARSAP – Agência Reguladora dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento de Pará de Minas.

BRASIL. Salário mínimo será de R$ 1.212 a partir de janeiro de 2022. BRASIL, Ministério da Economia, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2021/dezembro/salario-minimo-sera-de-r-1-212-a-partir-de-janeiro-de-2022. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

SNIS. Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento. Diagnóstico dos serviços de Água e Esgoto: SNIS, 2021.

CEE-FIOCRUZ. A pandemia gravou a desigualdade de renda e a pobreza no Brasil. CEE-FIOCRUZ – Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho, 2021. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=a-pandemia-agravou-a-desigualdade-de-renda-e-a-pobreza-no-brasil. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

CEPAL. Pandemia provoca aumento nos níveis de pobreza sem precedentes nas últimas décadas e tem um forte impacto na desigualdade e no emprego. CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, 2021. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pandemia-provoca-aumento-niveis-pobreza-sem-precedentes-ultimas-decadas-tem-forte. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

G1. Problema de falta de água pode ter solução em Pará de Minas. G1, 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2014/05/problema-de-falta-de-agua-pode-ter-solucao-em-para-de-minas.html. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

GRNEWS. ARSAP autoriza reajuste de 19,51% na tarifa de água em Pará de Minas. GRNEWS, 2021. Disponível em: https://grnews.com.br/07122021/para-de-minas/arsap-autoriza-reajuste-de-1951-na-tarifa-de-agua-em-para-de-minas. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades – Pará de Minas MG, 2022. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/para-de-minas/panorama. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

INFOSANBAS. Pará de Minas – MG, 2022. Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/para-de-minas-mg/. Acesso em: 25 de janeiro de 2022.

* Privaqua é um projeto de pesquisa que busca entender o impacto da privatização dos serviços de água e saneamento nos direitos humanosRegularmente, o site do ONDAS publica notas do Privaqua de forma a dar transparência ao projeto e compartilhar alguns de seus achados preliminares.

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