ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Paralisação da reforma agrária foi analisada em audiência da CIDH/OEA

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) realizou na quarta-feira (9/12) audiência, com integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de coletivos de direitos humanos, para discutir a paralisação da reforma agrária no país e analisar informações sobre despejos forçados no campo.

O encontro ocorreu após a comissão, no dia 30 de novembro, notificar o Estado brasileiro para que sejam apresentadas explicações sobre o despejo truculento do Acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, ocorrido em 14 de agosto, meio à pandemia de Covid-19.

O operativo policial utilizou forte contingente policial da tropas de choque, cães, bombas de efeito moral e gás de pimenta, e até um helicóptero para efetivar o despejo forçado e violento de 14 famílias assentadas na região. Um símbolo enigmático de tal operação, que durou mais de 60 horas, foi a demolição da Escola Eduardo Galeano, que servia como principal centro de alfabetização e educação das criança, jovens e adultos que vivem naquela comunidade rural.

Pela gravidade do episódio, houve grande repercussão nacional e internacional do caso. Além da solidariedade de diversos artistas, intelectuais e juristas, a alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Dra. Michelle Bachelet, manifestou publicamente preocupação com a situação de despejos forçados no Brasil, especialmente durante a pandemia. Até mesmo o Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direito à Moradia, Dr. Balakrishan Rajagopal, solicitou informações ao Estado Brasileiro sobre as violações.

O caso do Quilombo Campo Grande, pela atuação hostil dos diferentes entes estatais – governo federal, governo estadual, judiciário local e força policial – exemplifica um modus operandi de violência que, no entender dos peticionários, respalda a necessidade de medidas cautelares por parte dos órgãos internacionais de direitos humanos. Decisões judiciais monocráticas são cumpridas antes do trânsito em julgado dos processos e com recursos aguardando apreciação nas instancias recursais.

O coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, acusou o Estado brasileiro de abandono, perseguição e piora das condições de vida de milhões de famílias que vivem no campo. Segundo Stédile, “a Constituição determina que toda grande propriedade improdutiva deve ser desapropriada e distribuída em programa de reforma agrária. No entanto, não houve mais vistorias das fazendas e nenhuma desapropriação, além da paralisação de processos que já estavam em curso, faltando apenas pagamento ou emissão de posse pelo governo”.

Reforma agrária
Informações levadas pelos representantes do MST sobre a reforma agrária, apontam  as lesões aos direitos têm ocorrido de forma sistêmica, resultado de uma prática cotidiana e pulverizada em dezenas de atos administrativos praticados especialmente pelo INCRA e pela Secretaria de Assuntos Fundiários do governo de Jair Bolsonaro. Não é demais afirmar que tais órgãos que deveriam ter a missão de promover o acesso à terra, tratam uma obrigação constitucional como “pauta adversária” a ser combatida.

O coordenador do MST abordou também o fato de no último dia 3 de dezembro, o governo federal ter instituído o programa Titula Brasil, que cria novos entraves para a democratização do acesso à terra. A partir de agora, os municípios ficarão responsáveis por indicar técnicos que poderão executar o trabalho e decidir se as terras estão em condição regular ou não para a entrega da documentação do imóvel. A flexibilização e descentralização do processo pode favorecer ainda mais a concentração fundiária devido à pressão dos latifundiários em suas regiões e resultar na legalização da apropriação irregular de terras devolutas.

Temas tratados de forma conjuntural
Outros temas tratados de forma conjuntural pelos demandantes foram: os conflitos agrários e o aumento da violência no campo, a paralisação da Reforma Agrária como política pública constitucional; a falta de interlocução democrática do governo com as populações camponesas; o uso indiscriminado de agrotóxicos com a autorização e o estímulo do governo; os crimes praticados pela mineração; e a política de retrocesso generalizado em direitos humanos contra as populações campesinas, indígenas e quilombolas.

Durante a audiência da CIDH, os representantes do Estado brasileiro tergiversaram, atacaram os defensores de direitos humanos justificando que teriam sido disponibilizados alojamentos municipais para o acolhimento das famílias desalojadas. Mas a realidade, conforme atestam documentos enviados à Comissão, não deixam dúvidas que a operação promoveu aglomeração, expôs desnecessariamente centenas de camponeses, assim como dos policiais militares mobilizados. Não houve plano de realocação das pessoas, e as estruturas municipais disponibilizadas eram completamente inadequadas, sem qualquer possibilidade de se manter em isolamento contra o vírus da Covid-19, e ainda, misturando idosos, crianças e demais pessoas em um mesmo espaço físico.

Como resultado da Audiência Pública, e com o acúmulo informativo e documental de que dispõe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, espera-se que sejam definidas diretrizes e expedidas recomendações capazes de respaldar a luta por direito de agricultores familiares sem-terra, bem como a proibição dos despejos violentos em qualquer período, de forma especial enquanto persistirem os efeitos desta trágica pandemia.

A delegação peticionária incluiu os advogados Diego Vedovatto, Marcelo Andrade Azambuja, Carol Proner, Juvelino Strozake, a educadora Ayala Dias Ferreira, o defensor público Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira (Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH), os agricultores familiares e integrantes do MST, Lucinéia Durães do Rosário e Silvio Neto, o economista e integrante da Coordenação Nacional do MST, João Pedro Stédile, o bispo Dom José Ionildo Lisboa de Oliveira e o Premio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel.
*com informações do Brasil de Fato e Brasil 247

ASSISTA A AUDIÊNCIA NA ÍNTEGRA:

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