ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Sobre a participação na regulação dos serviços públicos de saneamento básico

autor: Marcos Montenegro

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A competência das entidades reguladoras dos serviços de saneamento básico para editar padrões e indicadores de qualidade da prestação dos serviços, observando diretrizes da ANA, consta do art. 23 da Lei 11.445, modificada pela Lei 14.026/2020.

No entanto, este marco legal, tanto na versão original da Lei 11.445/2007 quanto na sua versão modificada pela Lei 14.026/2020, se omite de prever mecanismos de participação e controle social no processo de regulação dos serviços públicos de saneamento básico, o que se constitui em deficiência a ser corrigida.

O fato é que um procedimento de informação e debate público é indispensável como parte da edição de uma norma regulatória, para que os diversos atores possam defender os seus interesses, e para que a Administração Pública tome sua decisão de forma motivada, demonstrando tanto o interesse público como a proporcionalidade e a justeza do impacto sobre os direitos e interesses dos particulares.

Registre-se que a exigência de participação e de controle social no processo de regulação dos serviços públicos questão não se reveste de maiores polêmicas. A Lei 13.848/2019  que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras no âmbito da União (não se aplicando portanto às agências reguladoras estaduais, municipais ou intermunicipais), trata no seu art. 9° das consultas públicas e no art. 10 das audiências públicas.

A adoção de consulta e audiência públicas com parte relevante do processo de edição de normativos ou resoluções com impacto regulatório é boa prática, adotada pela maioria das agências associadas à Associação Brasileira das Agências de Regulação (ABAR) como se verifica do gráfico a seguir retirado do Anuário Saneamento Básico -Regulação 2021, publicado por aquela Associação.

A Constituição Federal brasileira prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, caput, inciso LIV), portanto em qualquer decisão regulatória que, potencialmente, atinja direitos de terceiros – inclusive de usuários ou de prestadores de serviço público – é preciso adotar procedimento adequado, no qual esteja assegurado o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, caput, LV). O instrumento mais adequado para isso é, justamente, a audiência e consulta públicas. Daí porque essa omissão na legislação do saneamento básico, além de contrariar a boa prática regulatória, se constitui também em inconstitucionalidade.

Além disso, a participação ativa, livre e esclarecida dos interessados tem como pressuposto o acesso à informação e a transparência dos processos decisórios. Ambos, acesso à informação e participação ativa, livre e esclarecida são princípios dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário que vinculam as ações do Estado brasileiro nos seus diversos níveis ou esferas.

Como já acontece na legislação que criou muitas das agências que regulam a prestação de serviços  públicos de saneamento básico, a lacuna já referida na Lei 11.445/2007 pode ser suprida, mediante a previsão na lei específica de criação, ou de regência da atividade, de cada entidade reguladora, de compulsoriedade de realização de consultas e audiências públicas para a edição de normativos.

Mas salta aos olhos a necessidade de adequação da lei 11.445/2007. As disposições da Lei 13.848/2019 são uma boa referência para uma proposta que venha a preencher essa lacuna no marco legal do saneamento básico.

O autor agradece as contribuições de colaboradores do ONDAS que leram o texto preliminar e sugeriram melhorias.


Extrato da Lei 13.848/2019

Art. 9º Serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.

§ 1º A consulta pública é o instrumento de apoio à tomada de decisão por meio do qual a sociedade é consultada previamente, por meio do envio de críticas, sugestões e contribuições por quaisquer interessados, sobre proposta de norma regulatória aplicável ao setor de atuação da agência reguladora.
§ 2º Ressalvada a exigência de prazo diferente em legislação específica, acordo ou tratado internacional, o período de consulta pública terá início após a publicação do respectivo despacho ou aviso de abertura no Diário Oficial da União e no sítio da agência na internet, e terá duração mínima de 45 (quarenta e cinco) dias, ressalvado caso excepcional de urgência e relevância, devidamente motivado.
§ 3º A agência reguladora deverá disponibilizar, na sede e no respectivo sítio na internet, quando do início da consulta pública, o relatório de AIR, os estudos, os dados e o material técnico usados como fundamento para as propostas submetidas a consulta pública, ressalvados aqueles de caráter sigiloso.
§ 4º As críticas e as sugestões encaminhadas pelos interessados deverão ser disponibilizadas na sede da agência e no respectivo sítio na internet em até 10 (dez) dias úteis após o término do prazo da consulta pública.
§ 5º O posicionamento da agência reguladora sobre as críticas ou as contribuições apresentadas no processo de consulta pública deverá ser disponibilizado na sede da agência e no respectivo sítio na internet em até 30 (trinta) dias úteis após a reunião do conselho diretor ou da diretoria colegiada para deliberação final sobre a matéria.
§ 6º A agência reguladora deverá estabelecer, em regimento interno, os procedimentos a serem observados nas consultas públicas.
§ 7º Compete ao órgão responsável no Ministério da Economia opinar, quando considerar pertinente, sobre os impactos regulatórios de minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidas a consulta pública pela agência reguladora.
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Art. 10. A agência reguladora, por decisão colegiada, poderá convocar audiência pública para formação de juízo e tomada de decisão sobre matéria considerada relevante.
§ 1º A audiência pública é o instrumento de apoio à tomada de decisão por meio do qual é facultada a manifestação oral por quaisquer interessados em sessão pública previamente destinada a debater matéria relevante.
§ 2º A abertura do período de audiência pública será precedida de despacho ou aviso de abertura publicado no Diário Oficial da União e em outros meios de comunicação com antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3º A agência reguladora deverá disponibilizar, em local específico e no respectivo sítio na internet, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis do início do período de audiência pública, os seguintes documentos:
I – para as propostas de ato normativo submetidas a audiência pública, o relatório de AIR, os estudos, os dados e o material técnico que as tenha fundamentado, ressalvados aqueles de caráter sigiloso;
II – para outras propostas submetidas a audiência pública, a nota técnica ou o documento equivalente que as tenha fundamentado.
§ 4º A agência reguladora deverá estabelecer, em regimento interno, os procedimentos a serem observados nas audiências públicas, aplicando-se o § 5º do art. 9º às contribuições recebidas.

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