Esta semana, a XP Investimentos divulgou análise do cenário de 2020 para alguns setores da economia, entre eles o saneamento. Ao seu grupo de investidores, destaca que a aprovação de um novo marco regulatório para o setor de saneamento, em especial com a perspectiva de privatizações de estatais e possibilidade de novas listagens na bolsa de valores, faz do início de 2020 um momento atrativo para o investimento. A XP enfatiza, ainda, que a empresa preferida para esse momento é a Sanepar, por apresentar um risco-retorno atrativo, apesar do histórico dizer o contrário.
Como podemos ver, o mercado espera ansioso pela aprovação do marco regulatório do saneamento para obter altos lucros e Jair Bolsonaro conta com a atuação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para evitar atrasos na aprovação do novo marco legal do saneamento. Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo, destacou que o senador, que é próximo do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tem atuado nos bastidores como um “avalista” de projetos do governo.
➡ POSIÇÃO DO ONDAS
Reforçamos a opinião do ONDAS de que o caminho para a superação dos desafios para a universalização do saneamento não é a alteração do marco legal de forma a facilitar a ampliação de empresas privadas e, sim, reforçar a competência/titularidade municipal dos serviços públicos de saneamento básico; os consórcios públicos como instrumento de gestão associada e cooperação interfederativa como forma de fortalecer a gestão pública; defender o instrumento do Contrato de Programa como forma de relacionamento entre entes da federação para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme preconizado na Lei no 11.107/2005 que dispôs sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos; reforçar e garantir os instrumentos de participação e controle social sobre a prestação de serviços públicos; reativar o Conselho das Cidades, bem como seus Comitês Técnicos; garantir, de forma perene e tendo como balizador o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para aqueles municípios com maior dificuldade de captação de recursos e de outras fontes onerosas como FGTS e BNDES; garantir formas de apoio para a elaboração e implementação dos planos municipais de saneamento básico; romper com a dominância do modelo tecnológico tradicional pouco adequado às áreas de assentamentos precários (como ocupações informais, favelas e morros), à zona rural e aos pequenos municípios; desenvolver a integração da política de saneamento básico com outras políticas públicas, sobretudo as de habitação e desenvolvimento urbano, de forma a garantir o planejamento e gestão integrada de todos os componentes do saneamento básico; e, por fim, revogar a EC 95/2016 que congelou investimentos públicos.
➡ ESTRATÉGIA DO ALCOLUMBRE PARA APROVAR A PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO
A estratégia de Alcolumbre é costurar um acordo para que o texto seja analisado no Senado logo na volta do recesso parlamentar, em fevereiro, e encaminhado diretamente para sanção presidencial. “Devemos concluir a votação do saneamento até a primeira quinzena de março”, disse o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), em sintonia com o presidente da Casa.
Segundo a reportagem, o acordo previsto por Alcolumbre, e apoiado pelo governo, envolve barrar alterações no mérito da proposta, o que, pelas regras do Congresso, obrigaria uma nova análise pelos deputados. Na Câmara, o projeto só passou após um acerto com parlamentares do Nordeste para aumentar a sobrevida dos contratos assinados entre prefeituras e estatais sem licitação. A negociação, na época, contou com a participação do presidente do Senado.
O presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), afirmou que a estratégia de Alcolumbre não é a ideal. “Impedir que o Senado faça ajuste não é o melhor caminho, mas espero que o texto esteja redondo, pronto, e que ajustes não sejam necessários”, afirmou. A comissão presidida por Rogério será a primeira a analisar a proposta na volta do recesso.
Por sua vez, as entidades – contrárias ao conteúdo do texto que tramitará no Senado – continuarão seus esforços no sentido de propor modificações ao Projeto de Lei, visando garantir a autonomia municipal na escolha da melhor maneira para a prestação dos serviços de saneamento e, sobretudo, manter os contratos de programa.
CEDAE: MUITO ALÉM DA PRESENÇA DA GEOSMINA NA ÁGUA
Nas últimas semanas, os moradores da cidade do Rio de Janeiro e de alguns municípios da Região Metropolitana (RMRJ) relatam problemas com a água das torneiras que apresentam cor e gosto incomum. A empresa responsável pelos serviços de saneamento, Cedae, afirma que a turbidez na água é devido à presença de geosmina na água proveniente da estação de tratamento do Guandu e anunciou que iniciará o emprego de carvão ativado para resolver o problema.
Na última quarta-feira (15/1), a UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – emitiu nota explicando que geosmina não é tóxica: “um composto orgânico volátil, é produzida por algumas bactérias heterotróficas ou cianobactérias, que crescem em abundância em ambientes aquáticos com altas concentrações de nutrientes, especialmente em mananciais que recebem esgotos não tratados”. A nota aponta também que os dados divulgados, esta semana, pela Cedae mostram que nas amostras analisadas os limites de toxinas para que a água possa ser considerada potável estão respeitados. (leia nota da UFRJ: NOTA TÉCNICA DA UFRJ SOBRE OS PROBLEMAS DA QUALIDADE DA ÁGUA )
➡ AMEAÇA À SEGURANÇA HÍDRICA
Por outro lado, a nota alerta para a ameaça real à segurança hídrica da RMRJ, enfatizando que há uma evidente degradação ambiental nos mananciais que são utilizados para abastecimento público da região e essa degradação compromete a qualidade da água, dificulta seu tratamento e pode colocar em risco a saúde pública.
Os docentes e pesquisadores que assinam a nota, recomendam às autoridades municipais e estaduais ações necessárias para garantir a segurança hídrica da população, como: modificar o sistema de governança de recursos hídricos; divulgar as informações e promover ações de conscientização social da amplitude da crise; e investir em projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos, modernização do tratamento de água que incluam tecnologias mais avançadas.
➡ TRATAMENTOS EMERGENCIAIS
O conselheiro de orientação do ONDAS, Amauri Pollachi, lembra que em 1991 houve idêntica situação na água tratada pelo Sistema Guarapiranga, em São Paulo. Ele explica que presença da alga Annabena (que libera o composto orgânico geosmina) está intrinsicamente associada com a eutrofização do corpo d’água, em razão da grande quantidade de fósforo presente, sem que haja capacidade de autodepuração. “Esse fósforo em grande quantidade resulta da também grande quantidade de esgoto doméstico lançado in natura nesse corpo d’água e a solução que elimina a causa é a coleta e o afastamento desses esgotos para fora da Bacia do Rio Guandu, com tratamento subsequente”, explica Pollachi.
Segundo Pollachi, emergencialmente há duas ações: aplicação de sulfato de cobre nas áreas onde estão as algas, eliminando-as antes da captação e o uso de carvão ativado granular no processo de tratamento, que absorve o composto orgânico de gosto e odor. (leia artigo de Amauri Pollachi: No Rio Guandú há muito mais que algas)
➡ PROBLEMA ACENTUA DISCURSO PELA PRIVATIZAÇÃO
Ary Girota, do Conselho Fiscal do ONDAS e presidente do Sindicato dos Urbanitários de Niterói (STIPDAENIT), afirma que “não é uma questão simples o que a gente está vivendo. A Cedae faz milagre, gosto de citar uma frase do [ambientalista] Mário Moscatelli, que visitou a ETA (estação de tratamento de água) Guandu, em 2008, e falou: ‘a estação deve estar fazendo um milagre químico ao transformar esse caldo contaminado que chega em água potável’. Então a população tem de entender que o tratamento é feito, a qualidade do tratamento é inquestionável, no entanto, o que acontece na distribuição?”, questionou.
Girota ressaltou a extensão dos investimentos realizados pela Cedae nos últimos dez anos que garantiram a realização dos grandes eventos na cidade – Copa do Mundo e Olimpíadas – sem que houvesse casos de doenças de veiculação hídrica. “Inesperadamente, de um ano para cá, o Executivo do estado do Rio de Janeiro nomeia um presidente (Hélio Cabral) que, diga-se de passagem, era diretor financeiro da empresa e impedia que outros investimentos necessários fossem realizados. Aí, do nada, os problemas começam a acontecer. Por que acontece em determinado ponto e não em outro? Há de se investigar”, disse.
O profissional acredita na existência de um processo de desmonte da companhia, visando sua privatização. A demissão de 54 engenheiros de carreira, em 2019, diretamente responsáveis pelo controle da qualidade da água é um dos indícios da intenção do poder público, que não se posiciona em relação ao caso.
“Estamos vivendo um momento em que o Executivo do Estado do Rio de Janeiro e a presidência da empresa conduzem a Cedae para a privatização, então está se explorando ao máximo [o problema da água]. Não se viu o Executivo se manifestar em defesa da empresa, o presidente da Cedae se manifestar. Nesta semana, foi exonerado o gerente do Guandu, um profissional competente, com 30 anos de experiência. A culpa foi no ponto mais fraco, tem de haver um culpado e foi o gerente”, reclamou Girota.
PARTICIPE DA PESQUISA DA ONU SOBRE PRIVATIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS À ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO
O Relator Especial da ONU à Assembleia Geral, Leo Heller (conselheiro de Orientação do ONDAS), em outubro de 2020, apresentará relatório sobre privatização e direitos humanos à água potável e ao saneamento. Diante disso, a ISP – Internacional de Serviços Públicos – parceira do ONDAS, incentiva as entidades ligadas ao setor de saneamento para contribuírem com este relatório, preenchendo questionário até 31 de janeiro. É importante contribuir, mesmo que não se consiga responder a todas as perguntas.
Todas as respostas serão publicadas no site oficial do Relator Especial, a menos que seja informado que a apresentação e/ou documentação deva ser mantida em sigilo.
A pesquisa também pode ser respondida on-line, nos seguintes links:
. Espanhol: http://surveys.world-psi.org/s3/esprivwater
. Inglês: http://surveys.world-psi.org/s3/enprivwater
. Francês: http://surveys.world-psi.org/s3/frprivwater
Ou faça o download do documento do Word e envie as respostas para o e-mail: [email protected].
NO CHILE: 90% VOTAM PELO FIM DE CONCESSÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA À EMPRESA PRIVADA
No domingo, 12 de janeiro, foi realizada consulta pública aos cidadãos de Osorno (Chile) sobre o encerramento da concessão do serviço de água à empresa privada Essal. Os resultados indicam que mais de 90% dos participantes do plebiscito votaram a favor do término da concessão. A empresa foi a geradora da crise na qual a região de Osorno ficou mais de 10 dias sem água, em 2019.
No Chile, o Código da Água, criado durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, permanece em vigor até hoje e, nele, a privatização dos recursos hídricos é constitucionalizada, tornando a água uma simples mercadoria, desconsiderando o direito humano ao seu acesso.
Os problemas vividos pela população do Chile têm que servir como exemplo para o Brasil, em que o atual governo neoliberal insiste em privatizar o saneamento, como prevê o Projeto de Lei que altera o marco regulatório do setor já aprovado pela Câmara dos Deputados e que agora deverá ser votado no Senado.
➡ “A LUTA PELA ÁGUA É UM IMPERATIVO ÉTICO”
A privatização da água no Chile tem sido uma questão que, ultimamente, está sobre a mesa de discussão e demandas sociais. A tensão aumentou ainda mais porque, em 7 de janeiro, o Senado chileno rejeitou um projeto que declarava a água como um bem de uso público.
O porta-voz do Modatima chileno (Movimento de Defesa para acesso à Água, Terra e Proteção Ambiental), Rodrigo Mundaca, explica que não ficou surpreso com a votação. “A verdade é que eles (senadores) não nos surpreendem, pois sempre indicamos e denunciamos publicamente que dentro do Congresso (chileno) há uma casta e existe um emparelhamento evidente entre pessoas que hoje têm a tarefa de legislar em função do bem público, mas que, no entanto, se recusam a fazê-lo e continuam a legislar em favor da manutenção do modelo de água privado com o objetivo de manter os privilégios da mega mineração, agronegócio, hidrelétrica, silvicultura e manutenção modelo privado de gestão da água no país”, disse Mundaca.
➡ COMUNIDADES CHILENAS DECIDEM RECUPERAR SUAS FONTES HÍDRICAS
Reportagem da Telesur mostra o quanto a população do Chile foi excluída do acesso ao serviço depois da privatização e, agora, tentam recuperar esse recurso natural. “A água existe para quem tem sua propriedade”, afirma uma chilena entrevistada.
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