ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A COVID-19 e as populações em assentamentos precários: urgência de condições mínimas de higiene e saneamento

Gilberto Antonio do Nascimento[1]

O atual quadro da pandemia COVID-19 no mundo e no Brasil traz preocupações imediatas e urgentes ao setor de saúde, conforme largamente noticiado pela mídia. O déficit de serviços e de profissionais de saúde para atendimento às demandas, atuais e crescentes, está sob o foco principal no momento. Estatísticas, estudos epidemiológicos e estratégias dos governos se concentram na testagem, triagem e atendimento adequado nos estágios de gravidade da doença, com toda a logística excepcional exigida.

Entretanto, chamamos aqui a atenção para as ações e estratégias preventivas – possíveis, necessárias e urgentes – referentes à higiene e ao saneamento básico em populações mais vulneráveis.

Cerca de 30 milhões de brasileiros não tem condições mínimas de saneamento básico, sendo que 11 milhões vivem em milhares de favelas e outros assentamentos precários (1). Esse grande contingente populacional no país permanece sem acesso à água potável (40%) e às condições mínimas de higiene e esgotamento sanitário (60%) (2).

Nessas áreas, com precárias condições socioeconômicas, de habitação e infraestrutura, o quadro de doenças de veiculação pela água é preocupante em tempos normais,  que agravam a vulnerabilidade dessas populações. Anualmente, são milhares de internações por doenças causadas por falta de saneamento, como dengue, hepatite e leptospirose.  Assim, é bastante previsível que essa parte da população brasileira mais vulnerável econômica e socialmente será a mais impactados pela pandemia COVID-19.

A viável e simples prevenção para o morador comum da cidade urbanizada, como lavar as mãos, o rosto e ficar em casa, muitas vezes não é possível para moradores de rua e ou dos assentamentos precários.

Pesquisas recentes constataram a presença do novo coronavírus nas fezes das pessoas infectadas mesmo após receberem alta, despertando um sinal de alerta para risco de contaminação pelos esgotos, em áreas desprovidas de sistemas adequados de saneamento básico (3).

Em recente Carta Aberta à Sociedade Brasileira (4), o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS demandou do poder público, dos reguladores e dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico, a implementação de dez medidas emergenciais e estratégicas para minimizar impactos da crise do novo coronavírus à população mais vulnerável.

Essas medidas foram formalmente apoiadas pela FIOCRUZ e pelo Relator Especial dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário da ONU, Leo Heller, que declarou:

“A Carta Aberta do ONDAS traz uma oportuna e fundamental advertência: a pandemia do COVID-19 impõe novas responsabilidades para os prestadores de serviços de saneamento. Caso esses prestadores, sejam estaduais, municipais ou privados, continuem a agir como em tempos normais, deixarão de proteger a vida das pessoas em maior vulnerabilidade. É momento de o Brasil se aproximar dos direitos humanos à água e ao saneamento.”

Medidas urgentes de higiene e saneamento básico em áreas vulneráveis

As áreas de maior vulnerabilidade apresentam condições muito diferenciadas em relação às áreas urbanas convencionais. Muitas são localizadas em baixadas, encostas ou terrenos irregulares, onde há dificuldade de acesso de veículos e máquinas para instalação de redes e equipamentos de maior porte. Assim, muitas vezes sem contar com redes de água e esgoto adequadas, essas áreas convivem com o funcionamento irregular desses sistemas, ainda que existentes.

As soluções alternativas locais incluem ligações clandestinas, utilização de poços, nascentes e outras fontes de água alternativas, de reservatórios instalados pelas comunidades ou serviços locais, sem supervisão técnica. Apresentam também precariedade no afastamento das águas pluviais, agravada pelo depósito e acúmulo de resíduos sólidos em locais impróprios. Nessas condições, os períodos chuvosos representam risco ainda maior de contaminação pelo coronavírus.

Enfatizamos a urgência das ações que disponibilizem recursos e equipamentos necessários para prover as condições mínimas de higiene e saneamento às populações mais vulneráveis.

Exemplos de medidas e recursos, algumas em prática ainda incipiente por órgãos estaduais e municipais no país, relacionam-se a seguir:

Equipamentos recomendados

  • Kit de desinfecção, filtração e reservação de água para uso doméstico;
  • Kit de teste de potabilidade;
  • Lavatório comunitário móvel, sem contato manual, com torneira de água por pedal ou outro dispositivo sem contato manual, dispenser de sabão líquido e de papel-toalha;
  • WC com ligação rápida à rede de esgotos; WC autônomo (químico); cabine com chuveiro individual;
  • Caixas d´água e reservatórios de água portáteis;
  • Bombas d’água e geradores portáteis;
  • Lixeiras com tampas acionadas por pedal, para evitar o contato manual;
  • Outros equipamentos necessários à provisão de saneamento e higiene em situação de urgência nas áreas vulneráveis.

Observe-se que tais equipamentos precisam atender a requisitos como: urgência no fornecimento e reposição; facilidade de operação, resistência à utilização intensa pela população, condições ambientais e vandalismo.

Ações recomendadas

  • Diálogo direto com as associações comunitárias para melhor eficácia das ações e de instalação e uso dos equipamentos comunitários;
  • Comunicação educativa e de alerta à população de forma direta e acessível como adesivos, sistema de som, mídia social, rádio, TV, e informativos, a exemplo do Informativo Popular “Direito à água em tempos de pandemia da COVID-19”, recém-publicado pelo ONDAS; (4)
  • Fornecimento de produtos de consumo: sabão líquido, papel toalha, papel higiênico, detergente, álcool gel, água sanitária, desinfetantes, etc.
  • Higienização nas vias principais com caminhões lava-jato e pulverizadores nos becos e vielas;
  • Retirada de lixo em regime especial, evitando acúmulo;
  • Atuação preventiva em caso de chuvas e desobstruções na drenagem local;
  • Instalação, manutenção e reparo dos equipamentos comunitários;
  • Mobilização do setor industrial – preferencialmente pequenas e médias empresas – para a produção de equipamentos necessários em saneamento e higiene (a exemplo da iniciativa para equipamentos médicos já em execução no país).

Finalmente, conforme a própria Carta à Sociedade Brasileira emitida pelo ONDAS “é importante lembrar que em termos de saúde pública, não existe uma linha que separe os setores mais vulneráveis dos demais, ou seja, o impacto diferenciado da crise em grupos mais vulneráveis afeta indistintamente toda a sociedade, sendo a prevenção de interesse geral.” (5)

Referências:

https://ondasbrasil.org/presenca-prolongada-de-dna-viral-sars-cov-2-em-amostras-fecais/

http://etes-sustentaveis.org/wp-content/uploads/2020/03/COVID-19-e-o-Saneamento-no-Brasil.pdf

https://ondasbrasil.org/wp-content/uploads/2020/03/Carta-%C3%A0-Sociedade-Brasileira-completa.pdf

[1] Eng. Civil e Sanitarista, Caixa Econômica Federal –  Gestão de Riscos Socioamentais;  membro do Conselho Consultivo ABES-DF; Especialista em Saúde Pública – FIOCRUZ;  Doutor em Gestão Ambiental – UFSC / MIT, tese: “Saneamento Básico em Áreas Urbanas Pobres

LEIA TAMBÉM:
➡ Publicações sobre a pandemia do novo coronavírus e o saneamento

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *