ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A eleição para o governo de Minas e o saneamento

autor: Alex M. S. Aguiar
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O Brasil está sendo palco de um movimento que contraria o que se vê no resto do mundo: a privatização dos serviços de saneamento básico, notadamente o abastecimento de água e o esgotamento sanitário.

Esse movimento teve início com o impeachment da presidenta Dilma e com a ascensão ao poder de forças ligadas a interesses de grupos financeiros, para os quais nada faz frente ao aumento de seu capital. Ainda no governo Temer deu-se início a uma jornada buscando a transferência da prestação destes serviços – um mercado quase restrito à administração pública, direta e indireta – a empresas privadas, conjugando a edição de medidas provisórias imputando a privatização destes serviços e a atuação do BNDES no esforço junto aos governos estaduais para privatizar suas estatais.

Já no governo Bolsonaro foi promulgada a Lei 14.026, em julho de 2020, que literalmente impõe a privatização destes serviços e condena ao fim as empresas concessionárias estaduais, que atuam em quase 80% dos municípios do país.

Muitos foram os argumentos empregados nessa cruzada privatista, sendo destacados o déficit destes serviços e o dito fracasso do modelo de atendimento pelas empresas públicas. É importante ressalvar que houve uma captura da mídia e de setores da sociedade em torno destes argumentos, sem quaisquer aprofundamentos ou mesmo mínimos debates.

Dois fatos a respeito da prestação por meio das concessionárias estaduais, porém, são inquestionáveis: (i) houve consistente avanços nos índices de atendimento à população, embora em ritmo aquém daquele desejado e mesmo necessário para universalizar os serviços. Logo, é absolutamente leviano o tratamento de um modelo fracassado associado à prestação pública; (ii) as concessionárias estaduais atuam espelhando seus donos, os governos estaduais. Logo, se alguém fracassou foram os governos, e não as companhias.

Em Minas Gerais, a Copasa – sua concessionária estadual – é uma sociedade de economia mista. O estado é seu socio controlador, atualmente com pouco mais de 50% das ações da companhia, e as demais ações são propriedade, em sua maioria, de grupos internacionais. A administração da empresa é modificada, pelo menos, a cada alteração do governo estadual, e é o governo que escolhe os membros do conselho de administração e da diretoria executiva.

Aqui pode ser apontada uma primeira confusão usualmente percebida pela população. Quando há críticas à política financeira da Copasa, em especial à de distribuição de dividendos aos seus acionistas, muitos imaginam ser essa medida uma influência dos sócios minoritários, os acionistas privados. Não é. Essa é uma decisão majoritária do Conselho de Administração, escolhido pelo governador, e atendendo à política por ele defendida. Essas decisões passam ao largo dos mais de 11 mil funcionários da Copasa em portanto, não devem ser compreendidas como uma característica da companhia, e sim daquele governo que está à frente de sua administração.

Em 2020 a Copasa distribuiu R$1,048 bilhões de dividendos aos seus acionistas. Naquele mesmo ano o lucro da Copasa foi de R$816 milhões, bem inferior ao montante dos dividendos distribuídos, e os investimentos somaram R$481 milhões, menos da metade dos recursos distribuídos aos acionistas.

Assim, fica claro que o governo Zema, apesar de repetidamente argumentar que a Copasa não tem recursos para investir e que, portanto, precisa ser privatizada, preferiu distribuir os recursos da empresa aos acionistas do que investir na ampliação dos serviços e caminhar em direção à universalização do atendimento à população. E por que ele fez isso? Porque pouco mais da metade desses recursos vai para o cofre do estado, o sócio controlador da Copasa. Essa é uma forma de o estado captar recursos sem aumentar ou criar impostos. Entretanto, pode, também, ser vista como uma forma de cobrança adicional de impostos e de apenas uma parcela da população: os usuários da Copasa.

Quem definiu que esses R$1,048 bilhões seriam distribuídos ao governo e aos demais acionistas foi o Conselho de Administração da empresa, escolhido pelo governador Zema. Em mais de uma oportunidade viu-se membros do governo tentarem associar essa distribuição à política de distribuição de dividendos da Companhia elaborada no fim do governo anterior, de Pimentel. Nada mais falacioso: aquela política não impunha a distribuição de dividendos – apenas limitava, a depender do cenário financeiro vivenciado pela empresa – e poderia a qualquer momento, se fosse o caso, ser alterada pela atual administração da empresa.

Logo, a atuação da companhia nesse episódio de privilegiar a distribuição de dividendos em detrimento de investir na ampliação dos serviços à população é a política do governador Zema, se não definida por ele, aceita comodamente sem quaisquer tentativas de impedimento.

Todo esse exemplo foi descrito para chamar atenção a um fato: a Copasa pratica o chamado “subsídio cruzado”. Sua tarifa é definida pela Arsae, a reguladora dos serviços, buscando assegurar recursos suficientes para sua atuação no conjunto dos municípios em que ela detém as concessões dos serviços. Logo, a tarifa gera lucros em alguns municípios, suficientes para equilibrar o déficit financeiro dos sistemas em outros municípios. Com isso, entende-se haver a “transferência” dos recursos oriundos de municípios onde há lucro na cobrança pelos serviços para os municípios onde essa prestação resulta em prejuízos.

Na realidade, porém, esses recursos estão subsidiando é o caixa do governo e o bolso dos acionistas privados, e deixando de atender adequadamente àqueles que geram essas receitas. Um imbróglio causado não pelo modelo de prestação pública, mas pelo governo que está à frente de administrar a Companhia.

Muitas são as correções necessárias à atuação da Copasa. Não há dúvidas de que são muitas as queixas em todo o estado. Entretanto, é preciso dar o remédio adequado para o mal. Neste caso, não é a empresa, é o governo Zema. Um governo que não se constrangeu em utilizar recursos que poderiam garantir água, um bem essencial à vida, à população mineira, para incorporá-lo ao caixa do estado e lidar com seus problemas fiscais – que, diga-se de passagem, são muito maiores do que a Copasa tem condição de contribuir. E essa é a razão principal de sua ânsia em vender a Copasa: botar a mão no dinheiro pago pelo eventual comprador, e gastá-lo sem qualquer propósito alinhado com o desejo da população, mas apenas segundo sua própria miopia.

Corrigir a Copasa é essencial para se alcançar a universalização do saneamento em Minas Gerais. Blindá-la dos malfeitos de governos interessados nos recursos que ela gera, mas sem qualquer compromisso em universalizar a prestação dos seus serviços. É indispensável, portanto, um novo arcabouço legal que proteja a atuação da companhia de seu dono.

Nada disso, porém, se viabilizará com a permanência da atual visão à frente do estado. Portanto, a eleição para o governo do estado significa o destino do saneamento em Minas Gerais.

Que saibamos escolher certo.

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Alex Moura Aguiar é engenheiro civil e Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Foi Diretor Técnico e de Expansão da COPASA de 2015 a 2019. Projetista e consultor, é diretor da H&A Engenharia. É membro do Conselho de Orientação do ONDAS.

Artigo publicado originalmente no site do Novo Jornal: https://www.novojornal.com.br/a-eleicao-para-governo-do-estado-e-o-saneamento/

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