ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Apesar de lucro bilionário, Sabesp não avança como poderia no tratamento do esgoto no Estado de São Paulo

autores: Ricardo de Sousa Moretti e Edson Aparecido da Silva
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Vale a pena tratar os esgotos?

Na ótica da qualidade de vida urbana, do meio ambiente ou da saúde pública, a pergunta do título parece ter uma resposta óbvia demais. Quem ousaria dizer que é conveniente que praias fiquem impróprias para o banho, que rios inteiros sejam transformados em valões de esgoto, que se gaste bilhões de reais em tratamento de doenças de transmissão hídrica, quando com gastos muito menores em saneamento estas doenças praticamente não existiriam?

As prestadoras de serviço de saneamento seguem lançando parte significativa dos esgotos coletados, sem tratamento, nos corpos d’água. Alguém pode pensar que é apenas por falta de recursos para que se faça o tratamento, mas com certeza a questão não é tão simples. Algumas prestadoras de serviço de saneamento que apresentam lucros bilionários, simultaneamente apresentam resultados péssimos com relação ao tratamento de esgotos e proteção dos corpos d’água.

Na ótica exclusivamente dos bons resultados financeiros das prestadoras de serviços de saneamento, que é a ótica hegemônica mesmo nas prestadoras públicas, tratar esgotos pode ser considerado um mau negócio. Caso avance a privatização dos serviços não há dúvida de que esta ótica será reforçada.

Diferentemente do que acontece em vários países mais desenvolvidos, não há uma cobrança efetiva de resultados sobre a melhoria da qualidade dos corpos d’água no Brasil. As metas principais são físicas, de ampliação de domicílios atendidos pelas redes. E na maior parte dos casos, as prestadoras de serviços de saneamento recebem tarifas pelo fornecimento de água e outro igual tanto pela coleta de esgotos, quer sejam tratados ou não. Nesta ótica, por que a pressa em tratar os esgotos, então?

São Paulo apresenta um quadro ilustrativo nesta discussão. A Sabesp, prestadora de serviço estadual, que atende 375 municípios no Estado, apresentou lucros da ordem de 2,3 bilhões de reais líquidos em 2021. Esse positivo quadro financeiro não é acompanhado pela rápida evolução do tratamento de esgotos. Na Região Metropolitana de São Paulo, que é onde se concentram os maiores faturamentos da prestadora, é muito difícil encontrar um corpo d’água que não esteja completamente comprometido pelo lançamento de esgotos sem tratamento.

A Sabesp é uma empresa de capital aberto, que tem ações negociadas na Bolsa, e o governo do Estado de São Paulo por enquanto detém 50,31% de suas ações. Os resultados financeiros da prestadora estadual nos últimos anos fazem com que seja surpreendente a atual proposta de uma privatização total da empresa.

Cumpre destacar que o governo do Estado de São Paulo recebe anualmente algumas centenas de milhões de reais de dividendos distribuídos pela lucrativa empreitada. Recursos que, na sua maior parte, infelizmente, não são reinvestidos em saneamento, indo simplesmente reforçar o caixa geral do governo estadual.

Importante exceção é o Programa Pró-Conexão, criado em 2012, com o objetivo de conectar as instalações sanitárias de clientes de baixa renda às redes de coleta e beneficiar famílias que recebem até três salários mínimos mensais, nestes casos os custos de instalação são divididos entre a Sabesp e o Governo do Estado, que custeiam 20% e 80% das obras, respectivamente.

O Estado de Minas Gerais teve uma experiência exemplar, de separação da tarifa de esgotamento sanitário em duas parcelas, sendo uma referente ao serviço de coleta dos esgotos e outra referente ao seu tratamento. É um procedimento lógico e justo, que visa impulsionar o interesse da prestadora de serviços de saneamento em avançar mais rapidamente no tratamento dos esgotos coletados. Esta orientação vai na direção das conclusões dos estudos realizados pela Universidade Federal do ABC, que apontaram a necessidade de revisar os procedimentos de tarifação e cobrança pelos serviços de saneamento, para efetivamente assegurar a universalização dos serviços.

O então pesquisador deste grupo, Savio Mourão Henrique, foi nomeado conselheiro de Orientação de Saneamento da Agência Reguladora dos Serviços Públicos do estado de São Paulo, (Arsesp) representando a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e conseguiu mobilizar esforços para debater e aprovar a mudança dos critérios tanto da aplicação da tarifa social dos serviços de saneamento, como da cobrança pelos serviços de esgotamento sanitário, separando-se a cobrança pela coleta daquela feita para tratamento dos esgotos.

A discussão sobre mudanças da estrutura tarifária aconteceu durante o ano de 2020 e foram formalizadas na Deliberação nº 1.150, de abril de 2021, da Arsesp em que se previa a separação da tarifa de esgotos em duas parcelas, uma relativa à coleta e outra relativa ao tratamento dos esgotos.

Supreendentemente, em março deste ano, a Arsesp publicou a Deliberação nº 1.278 que versa sobre o reajuste tarifário de 12,8% das tarifas e que sem justificativas convincentes, suspende a aplicação dos novos critérios tarifários, inclusive o de cobrança separada pela coleta e tratamento de esgotos.

A deliberação da Arsesp que suspende a aplicação da nova estrutura tarifária constitui um sério, grave e desrespeitoso retrocesso, num contexto em que a prestadora dos serviços de saneamento não consegue cumprir a contento sua função social de tratamento dos esgotos coletados, apesar dos excelentes resultados financeiros que apresenta.

Entende-se que é fundamental que se cumpra o que foi originalmente previsto na estrutura tarifária aprovada e que o serviço de coleta e tratamento de esgotos seja remunerado de forma diferenciada, como forma de impulsionar o efetivo tratamento dos esgotos.

Considera-se ainda que a Arsesp precisa incorporar metas de evolução da qualidade dos corpos d’água que se reflitam na remuneração dos serviços de saneamento, seguindo uma tendência que já foi adotada há décadas em países que conseguiram mudar o patamar da qualidade da água no ambiente urbano, fator primordial para que se consiga avançar também na redução das doenças de transmissão hídrica.

Não podemos aceitar que nossas praias, que nossos córregos e rios sigam como simples valas de lançamento de esgotos sem tratamento.

 

Ricardo de Sousa Moretti é professor do programa de Planejamento e Gestão do Território da UFABC (Universidade Federal do ABC), integrante do Conselho de Orientação do ONDAS (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e colaborador do BrCidades.

Edson Aparecido Silva é mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC e secretário executivo do ONDAS.

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