ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Estado da arte sobre a água potável no mundo

 

Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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ESTADO DA ARTE SOBRE A ÁGUA POTÁVEL NO MUNDO

Resenha do relatório: State of the World’s Drinking Water – An urgent call to action to accelerate progress and ensuring safe drinking water for all.

Autora: Estela Macedo Alves – Pós-doutoranda no Instituto René Rachou / Fiocruz Minas Gerais e no Programa USP Cidades Globais. Graduada em Arquitetura e Urbanismo (2003), mestre em Planejamento Urbano e Regional (2009) e doutora em Ciência Ambiental (2018), ambos pela Universidade de São Paulo.

Apresentação da resenha

Resumir em poucas palavras um relatório de 114 páginas, com textos, gráficos e imagens requer escolher como abordá-lo. Optou-se, neste texto, por destacar os pontos centrais e chamadas à ação contidas no relatório, em detrimento de uma abordagem sobre os estudos de caso detalhados, que são apresentados no documento.

A partir da adoção deste ponto de partida, esclarecemos ao leitor que muitas informações importantes devem ser buscadas no documento original. Após a leitura desta síntese dos principais pontos do Relatório, convidamos os interessados a acessarem o documento completo on-line, conforme indicado nas referências.

 Introdução

O relatório começa com uma boa notícia, seguida de uma pergunta: nas últimas duas décadas, 2 bilhões de pessoas conseguiram acesso à água potável! Estima-se que o retorno dos investimentos, nas zonas urbanas, seja de até 3 vezes o valor inicial, quando analisados dados de saúde, produtividade, entre outros. Nas zonas rurais, observa-se retornos de mais de 6 vezes o valor investido. Então, por que precisamos de outro relatório cobrando ações urgentes?

Porque ainda existem aproximadamente 2 bilhões de pessoas (1/4 da população mundial) sem acesso à água potável! Agravado pelo fato de que mais de 1,5 milhões de pessoas morrem, por ano, de diarreia causada por consumo de água insegura, sendo que a maioria são crianças.

É preciso alcançar o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6), o acesso universal à água e ao saneamento, até 2030, em especial a meta 6.1 – Até 2030 alcançar o acesso universal e equitativo à água potável, segura e acessível economicamente.

É preciso que países e organizações multilaterais quadrupliquem seus investimentos, para continuar salvando vidas e para que os ganhos dos últimos 20 anos sejam mantidos, já que o acesso à água potável é um investimento que precisa de manutenção constante.

Entre os fatores que mais ameaçam o acesso à água potável, são mencionados no relatório: mudanças climáticas; poluição; urbanização e crescimento populacional que impedem o abastecimento de água em comunidades informais e favelas; má qualidade dos serviços nas áreas rurais, que leva a população a buscar água em locais distantes e de fontes contaminadas.

É também objetivo do relatório incentivar que os governos repensem as ações necessárias para dar novas respostas ao alcance do ODS 6, até a Conferência da Água da ONU, em 2023 (UN 2023 Water Conference).

Metodologia

O relatório apresenta as fontes de dados secundários utilizadas como parâmetros para as avaliações e registros das conquistas sobre o acesso à água potável, até o momento. As principais plataformas de dados utilizadas para monitorar o progresso do alcance da meta de água potável contida no ODS 6 foram:

  1. O monitoramento conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da UNICEF (Joint Monitoring Program – JMP). Desde o estabelecimento dos ODSs, a JMP tem publicado relatórios de referências globais sobre água, saneamento e higiene (water, sanitation and hygiene – WASH). O monitoramento ocorre em residências, escolas e equipamentos de saúde, que são atualizados a cada 2 anos. Os dados têm revelado progresso, mas chamam atenção para as desigualdades persistentes.
  2. UN-Water Global Analysis and Assessment of Sanitation and Drinking Water (GLAAS), análise implementada pela OMS, em nome da ONU-Água, monitora componentes do sistema WASH, como governança, monitoramento e recursos humanos e financeiros, necessários para dar suporte e expandir os serviços, especialmente para grupos mais vulneráveis.
  3. Outras fontes de dados secundários, entre elas a East and Southern African Water and Sanitation Regulators Association (ESAWAS).

São bancos de dados oficiais e já estabelecidos, que subsidiam as análises, apesar de não refletirem por completo o conjunto das realidades globais.

 Desafios

Apesar das conquistas no acesso à água entre 2000 e 2020, é preciso considerar as disparidades regionais e que o planeta ainda não está nem perto de alcançar o ODS 6, até 2030. As incertezas sobre as conquistas e desafios do acesso à água, no planeta são agravadas pelas ameaças das consequências das mudanças climáticas; pelos conflitos entre usos da água para produção agrícola e para necessidades ecológicas; conflitos com prioridades financeiras e pelas ameaças à qualidade da água, pela poluição crescente.

Identifica-se que há grande desafio para aplicar ações efetivas, em se tratando se governos com orçamentos limitados e ainda em processo de capacitação para as ações pela universalização do acesso à água.

Quadro de Aceleração Global do ODS 6

O relatório enfatiza o alerta aos governos sobre progredirem em 5 temas fundamentais: (1) governança; (2) financiamento; (3) capacitação; (4) levantamento de dados e produção de informação e (5) inovação.

Cada um desses temas é detalhado e exemplificado no relatório, para que os governos e instituições os apliquem, na busca pelo alcance da universalização do acesso à água de forma segura. Apresenta-se uma ampla lista de possíveis ações em cada tema. Além disso, indica-se a necessidade de envolvimento de diversos atores sociais, por um longo prazo.

Governança, financiamento e diretrizes gerais para o alcance da meta 6.1

A governança é mencionada diversas vezes no relatório, no sentido de que os governos devem buscar a implementação de ações mais efetivas. Tais como: o fortalecimento das instituições e a criação de outras, quando necessário; promover a coordenação de ações; estabelecer ambiente regulatório estável e transparente – legislação e políticas – e garantir sua aplicabilidade.

Propõe-se a ampliação do financiamento do acesso à água potável, nos setores público, privado e no incentivo às doações. Além disso, os prestadores de serviços podem melhorar a eficiência, otimizando o uso de fundos de financiamento. Cabe aos governos: a criação de estrutura administrativa, regulatória e política estável e transparente, incentivando investimentos; maior domínio sobre os custos e cálculos tarifários e destaca-se que os governos devem investir em serviços de água potável usando recursos do orçamento público, de forma estratégica.

Sendo assim, é importante observar a ênfase do relatório no uso de investimentos públicos como forma de alcançar a meta 6.1 de acesso à água potável, do ODS 6. No entanto, as políticas que têm sido incentivadas pelo Banco Mundial, nos últimos anos, demonstram o oposto desta narrativa proposta no relatório. É preciso haver nexo entre discurso e prática, nas ações de incentivo ao acesso à água e ao saneamento, pelo Banco Mundial.

Aponta-se que é preciso que a água potável siga padrões, baseados em:  monitoramento dos serviços; situação do fornecimento em residências, escolas e unidades de saúde; situação de sua qualidade e do impacto das mudanças climáticas na prestação dos serviços.

Como forma de ilustrar as diretrizes para avançar na ampliação do acesso à água potável, são apresentados estudos de caso em que o investimento em cinco pontos de aceleração do ODS 6 apresentaram bons resultados: governança, financiamento,  capacidade de desenvolvimento, levantamento de dados e informações confiáveis e padronizados e Inovação, no sentido de aproveitar soluções e práticas inovadoras e repeti-las em escala, inclusive tecnologias que beneficiem áreas rurais e comunidades marginalizadas.

Considerações finais

O relatório adota uma visão otimista sobre os progressos que têm sido obtidos, porém afirma que é possível acelerá-los, dependendo muito de que os governos tenham lideranças fortes e engajadas no tema, de modo a buscarem investimentos para o progresso do acesso universal à água potável.

A mensagem central do relatório é a necessidade de aumentar o financiamento para universalizar o abastecimento de água, mas em conjunto com o fortalecimento institucional, não apenas disponibilidade de recursos financeiros. O documento não destaca ações voltadas para a privatização do saneamento, porém, afirma que, quando as finanças públicas são pensadas de forma organizada e inteligente, os investimentos privados são atraídos; mais uma vez destacando que os governos são os responsáveis por planejar e colocar em prática ações em prol do acesso à água.

Por fim, enfatiza a necessidade de que os governos estejam focados em capacitar suas estruturas institucionais com vistas à universalização do acesso à água potável e ao saneamento de forma geral, conforme estabelecido no ODS 6. Além disso, a coordenação dos planos de ação, no sentido do alcance das metas e a efetiva regulação dos serviços, são partes fundamentais de uma boa governança dos serviços de água e saneamento.

Referência

WHO – World Health Organization; World Bank Group and UNICEF. State of the World’s Drinking Water – An urgent call to action to accelerate progress and ensuring safe drinking water for all. Genebra, 24 Oct., 2022. ISBN 978-92-4-006080-7. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/9789240060807>. Acesso em: 28.11.2022.

 

* INTERAÇÃO ONDAS-PRIVAQUA: DE OLHO NA PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO
Privaqua é um projeto de pesquisa que obejtiva entender processos de privatização dos serviços de água e esgotos, tendo por orientação teórico-analítica o marco dos direitos humanos. Neste espaço do site do ONDAS, o Privaqua publica periodicamente textos curtos sobre a temática do projeto, visando divulgar achados parciais, compartilhar reflexões e disseminar elementos da literatura científica sobre o tema. A intenção é a de dialogar com um público não necessariamente familiarizado com a linguagem acadêmica e com os veículos tradicionais de comunicação científica. Trata-se de uma tentativa de exercitar o que se denomina de divulgação científica, para público não-especializado, transpondo os chamados “muros acadêmicos”. O desafio é de, sem perder o rigor, disseminar aspectos do tema da privatização dos serviços de saneamento, visando sobretudo qualificar as atividades da militância do setor.

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