O artigo que segue é o terceiro de uma série de quatro outros publicados pelo site do ONDAS – Sobre a Nota Técnica Metodologia de construção das Unidades Regionais de Saneamento Básico no Estado de Minas Gerais – leia: A proposta de Zema para a regionalização do Saneamento em MG: qual futuro nos espera?
Sobre a Nota Técnica Metodologia de construção das Unidades Regionais de Saneamento Básico no Estado de Minas Gerais
GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Alex M. S. Aguiar[1], Elias Haddad Filho[2], Fábio J. Bianchetti[3]
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD – abriu consulta pública para receber contribuições à proposta de regionalização do saneamento em Minas Gerais, consolidada em um projeto de lei (PL) a ser encaminhado à deliberação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O PL foi elaborado pela SEMAD, com apoio Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais – ARSAE-MG – e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG. Apensado ao referido PL, a equipe do Governo de Minas disponibilizou uma Nota Técnica (NT) descrevendo a metodologia utilizada para propor os blocos regionais, denominados Unidades Regionais de Saneamento Básico – URSB. Durante o desenvolvimento dos trabalhos de regionalização, a equipe governamental dividiu as URSBs em duas: Unidades Regionais de Gestão de Resíduos – URGRs e Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário – URAEs.
Este artigo pretende discutir o conteúdo da NT no que diz respeito à metodologia utilizada para a definição das URGRs.
Em relação aos cuidados com a revisão final antes da disponibilização da NT para consulta pública, embora a parte referente às URGRS não apresente tantas incoerências como a relativa à criação das URAEs, no item que trata da criação das URGRs há uma aparente inconsistência na qual Barbacena é indicado como município polo da URGR 1 na Tabela 3 (p. 20), enquanto na listagem constante do Anexo II da NT este compõe os municípios da URGR 20 (p. 94).
De fato, a partir da somatória das populações estimadas pelo IBGE para o ano de 2020 dos municípios constituintes da URGR 1, conforme relação do Anexo II e, portanto, sem Barbacena, é encontrado o mesmo valor apresentado na Tabela 3 de 351.209 habitantes, corroborando a hipótese de que Barbacena realmente não faria parte desta unidade regional. Destaca-se que, dentre os municípios relacionado na URGR 1, os três com maior porte populacional em 2020 são Ubá (116.797 habitantes), Santos Dumont (46.421 habitantes) e Rio Pomba (17.959 habitantes).
Por sua vez, obtém-se a população total da URGR 20 indicada na Tabela 3 (615.971 habitantes), cujo município polo é Conselheiro Lafaiete (129.606 habitantes), considerando também a população estimada em 2020 pelo IBGE para Barbacena (138.204 habitantes), reforçando a tese de que o município foi indicado como polo da URGR 1 equivocadamente.
Adicionalmente, a população estimada em 2020 para as URGRs na mesma tabela totaliza 21.287.803 habitantes, ao passo que as estimativas do IBGE para o estado apontam para 21.292.666 habitantes.
Dos critérios relativos à regionalização
Os estudos relativos aos Resíduos Sólidos Urbanos na NT iniciam-se com a apresentação do panorama atual do estado, no qual consta, entre outras informações, que no ano de 2020 a SEMAD mapeou “32 consórcios públicos intermunicipais que, conforme seus estatutos e protocolos de intenção, atuam na gestão de resíduos sólidos urbanos”, e que dos 853 municípios mineiros, “406 (33% da população) integram um ou mais” destes consórcios. Adicionalmente, há a informação de que foram “desconsiderados para fins da proposição das unidades regionais de saneamento […] 19 consórcios que não atendem a nenhum dos 4 critérios” de “validação dos consórcios existentes”, a citar: “1) Possuir ou intermediar o uso de aterro sanitário e/ou UTC próprios ou de terceiros; 2) Possuir sítio eletrônico (website) atualizado; 3) Ser responsável pelo licenciamento ambiental no âmbito de seus municípios integrantes; 4) Possuir contrato de rateio vigente” (p. 12). Destaca-se que critério de “validação” é o atendimento a pelo menos um dos critérios.
Todavia, não fica claro se dentre esses 19 há somente consórcios inativos ou se há algum que atua e apenas encontra-se pendente de “validação”. Tal informação é de extrema importância, uma vez que, em se havendo consórcios atuantes que apenas demandem validação por parte SEMAD, seria mais prudente e democrático a sua adequação, do que empreender os esforços social, legal, técnico e político necessários às suas destituições e à formação de novos agrupamentos. Este argumento é especialmente válido quando ao menos um dos critérios (critério 2) é de simples atendimento. A própria equipe de Zema se baseia na literatura técnica para defender que “a existência de legados prévios institucionais ou socioculturais favorecem a criação de formas de consorciamento” (p. 19).
Ao apresentar a metodologia utilizada para a estruturação das URGRs, a equipe informa que lançou mão de técnicas de geoprocessamento em Sistemas de informação Geográfica (GIS), valendo-se de diversas bases disponíveis. É simulada a análise de três supostos cenários para definição das URGRs, a citar: 01) Arranjos Territoriais Ótimos (ATOs) x Consórcios Intermunicipais Existentes; 02) Consórcios Intermunicipais Existentes x Regiões Metropolitanas, e; 03) Unidades Regionais associadas aos consórcios existentes, sendo este último o cenário escolhido.
No cenário 01 a equipe se vale do estudo do Plano Preliminar de Regionalização da Gestão de Resíduos Sólidos, desenvolvido em 2009 para o Estado de Minas Gerais, que propôs “258 agrupamentos de municípios e 51 Arranjos Territoriais Ótimos (formados pelos agrupamentos municipais)” consorciados, “considerando três pilares: logística e transporte; aspectos socioeconômicos; e geração e tratamento de resíduos sólidos urbanos”. Neste contexto, foi realizada a sobreposição espacial dos 51 ATOs com os 32 consórcios que atuam no estado mapeados pela SEMAD, os quais se desenvolveram “independentemente da proposta dos ATOs” (p. 16). Assim, a partir da percepção de que os ATOs e os consórcios não eram coincidentes e que os consórcios não se fazem presente em todo o estado, este cenário foi descartado porque a utilização apenas dos ATOs significaria o desmembramento dos consórcios existentes e a adoção apenas dos consórcios não cobriria todo o estado, duas informações já conhecidas pela equipe antes dos trabalhos de geoprocessamento.
Na sequência, no cenário 02 a equipe apresenta o mesmo procedimento de sobreposição espacial dos 32 consórcios (constituídos por 406 municípios), todavia, substituindo as ATOs (que abrangem todos os municípios do estado) pelas duas únicas regiões metropolitanas existentes, a citar: a Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH (composta por 50 municípios) e a Região Metropolitana do Vale do Aço – RMVA (composta por 28 municípios), para finalmente concluir que com a adoção deste cenário (406 + 50 + 28 = 484 municípios) não seria possível incluir todos os 853 municípios do estado na regionalização[4].
Por fim, no cenário 03 “Unidades Regionais associadas aos consórcios existentes”, que poderia ser chamado de “cenário 02 finalizado”, a equipe novamente sobrepôs os 32 consórcios existentes e as duas regiões metropolitanas, todavia propondo a associação dos municípios “sem consórcio” aos consórcios existentes, segundo 03 critérios: a) população mínima de 300.000 habitantes na URGR (para, segundo a NT, obter ganho de escala); b) existência de unidades de disposição final dentro da URGR; e c) URGR formada pela união exclusiva de municípios limítrofes. Segundo a equipe, para manutenção de estruturas com “identidade regional” como unidade base, duas URGRs, na ausência de consórcios de resíduos sólidos, tiveram como base consórcios intermunicipais de saúde: a URGR 27 foi formada a partir do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Mata Leste (CIS LESTE), e a URGR 29 a partir do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Rio Doce (CIS DOCE).
Este foi o cenário adotado e, desta forma, assim foram definidas as 34 URGRs, mesmo com seis delas (URGRs 11, 13, 18, 23, 31 e 32) tendo menos que 300.000 habitantes. A equipe justifica que a tentativa de aumentar a população dessas unidades passaria pela remoção de municípios de consórcios existentes ou regiões metropolitanas, defendendo assim, a sua permanência mesmo que fora dos critérios por ela mesma definidos. Adicionalmente, destaca-se que a URGR 11, assim como diversas outras, também não atende ao critério de possuir unidade de disposição final regularizada.
Todavia, o argumento de manutenção dos consórcios na definição das URGRs foi esquecido no parágrafo seguinte com a separação do Consórcio de Desenvolvimento Ambiental do Norte de Minas – CODANORTE em três URGRs distintas (URGR 26 – alto, médio e baixo) “por possuir grande número de municípios e extenso território” (p. 21).
Interessante notar que dentre os critérios estabelecidos pela própria equipe, não faziam parte o número de municípios e nem a extensão territorial. Por outro lado, fazia parte a existência de unidade de disposição dentro da URGR, critério que a URGR 26 alto deixou de atender com o desmembramento dos municípios constituintes do CODANORTE. Se dividida em apenas duas, as URGRs 26 baixo e 26 alto + médio seriam compostas, respectivamente, por 23 e 30 municípios, números compatíveis com as demais, e, ainda, ambas disporiam de unidade de disposição final. Em relação à extensão territorial, a área da URGR 2 é superior à que teria uma eventual URGR 26 alto + médio, entretanto, este fato que não motivou o desmembramento do consórcio existente na primeira, muito pelo contrário, a ele foram agregados novos municípios limítrofes.
Por outro lado, ao se avaliar a população final da URGR 26 alto + médio, que seria de 900.010 habitantes, inferior apenas às URGRs 4 (município polo Divinópolis), 24 (município polo Uberlândia) e 25 (RMBH) cujas populações estimadas equivalem a 934.780, 939.332 e 5.830.703 habitantes, respectivamente, levanta-se mais uma vez a hipótese de que há dentre os critérios não explícitos um valor ideal e um limite superior desejados para o porte populacional das URGRs.
Complementarmente, ao se alegar a extensão territorial como justificativa para o desmembramento do consórcio CODANORTE em três URGRs, abre-se espaço para o questionamento dos motivos pelos quais os esforços e os recursos públicos empenhados no planejamento que originou os ATOs não foram considerados pela equipe de Zema, uma vez que em suas proposições foi observado o critério das distâncias.
Tais contradições levam a crer que as divisões da URGR 26 têm por objetivo aumentar a atratividade para a licitação e o valor total a ser arrecadado com as outorgas. Destaca-se que embora a NT defenda a preservação dos consórcios e relate a divisão do CODANORTE apenas nas três URGRs 26 (alto, médio e baixo), com base nos mapas das figuras 6 e 7, aparentemente, municípios integrantes deste consórcio foram também alocados nas URGRs 8, 23 e 31.
Outra informação que também não é fornecida é o porquê de a URGR 14 contar com 24 municípios ao invés dos 28 que a compõem a RMVA e da URGR 25 dispor de 44 municípios ao invés dos 50 que integram a RMBH. Da RMVA faltaram Bom Jesus do Galho e Caratinga (ambos na URGR 13), São José do Goiabal (URGR 15) e Sobrália (URGR 29), ao passo que da RMBH faltaram Baldim (URGR 23), Belo Vale (URGR 20), Florestal, Pará de Minas e São José da Varginha (URGR 4), e Itabirito (URGR 15).
Em relação à disposição final, a NT reconhece que, devido à distribuição desigual no estado, não foi possível alcançar a intenção de manter ao menos uma unidade de disposição final em cada URGR. Em complementação às 11 unidades de disposição final de RSU que operam de forma compartilhada, seria necessária a implantação de outras 23 novas unidades. Como meios de resolução deste problema, a equipe de Zema considerou, “neste momento”, “inaptos ao compartilhamento os aterros sanitários municipais que recebem resíduos apenas do município gerador” (p. 23), embora tenha apresentado no item referente ao panorama atual de RSU no estado que, em dezembro de 2019, 407 municípios (63,3% da população urbana) contavam com destinação regularizada dos RSU e 86 municípios (12,9% da população urbana) utilizavam sistemas em regularização ou passíveis de obter licença ambiental (p. 10 e 11). Não obstante, a mesma equipe vê nos aterros sanitários privados existentes o potencial de reduzir a demanda por novas unidades de disposição final de RSU, uma vez que estes “podem atender a municípios além da região na qual se inserem” (p. 23).
Não é só na percepção de maiores determinação em se fazer que os arranjos territoriais abranjam todo o estado e disposição de se flexibilizar os critérios definidos para a construção destes que a avaliação do cenário 03 se destaca em relação aos demais. A peças gráficas resultantes dos trabalhos de geoprocessamento apresentadas para o cenário 3 também foram confeccionadas com maior grau de detalhamento e precisão da informação. Enquanto os mapas de sobreposição das regiões para a análise dos cenários 01 e 02, respectivamente, figuras 04 (p. 17) e 05 (p. 18), apresentem os consórcios apenas em termos de seus contornos e de forma monocromática, sem identifica-los, no mapa de sobreposição do cenário 3, Figura 6 (p. 22), tais consórcios são apresentados com seus nomes e em cores distintas.
Nos marcadores a seguir, contrapõem-se as justificativas apresentadas na NT para a escolha do cenário 03 como o cenário ideal (p. 23):
- “Foi capaz de manter os consórcios de gestão de RSU existentes dentro da mesma unidade regional” – como já discutido isto não foi regra, vide o CODANORTE, mas há outros casos;
- “Preservou as regiões metropolitanas” – como citado, também foi percebida diferença no número de municípios de tais arranjos e das URGRs compostas por eles, tendo as unidades regionais menor número de municípios;
- “Manteve população em cada unidade regional para viabilizar o ganho de escala” – abordado anteriormente e também está abordado no próximo parágrafo, e;
- “Abrangeu todo o Estado de Minas Gerais” – o cenário 01 só não abrangeu porque não houve um esforço de se compatibilizar os ATOs com os consórcios, onde existentes, e o aproveitamento integral desses arranjos nos locais desprovidos de consórcios, medida que seria perfeitamente possível, inclusive com o aproveitamento dos consórcios de saúde. O cenário 02 não passa de uma etapa intermediária do cenário 03.
À semelhança do artigo sobre as URAEs, destaca-se aqui que os critérios utilizados como condições de contorno à cada uma das URGRs não foram devidamente justificados, de modo a esclarecer as razões de sua adoção. Assim, há algumas indagações que colocam em dúvida as premissas adotadas, em especial ao tentar enxergar a proposta sob a perspectiva da universalização do saneamento, e não de sua venda: (i) por que o limite mínimo 300.000 habitantes e não 1 milhão, por exemplo? (ii) qual o tamanho ótimo com vistas a apresentar resultados efetivos de ganho de escala? (iii) por que descartar todo esforço de planejamento e recursos públicos empreendidos pelo estado na proposição dos ATOs apenas com a justificativa na não coincidência com os consórcios existentes ao invés de adequar os primeiros aos últimos onde existentes? (iv) Por que o desmembramento de consórcios era impeditivo ao aproveitamento do ATOs e para a construção das URGRs não o foi? (v) por que desconsiderar as unidades de disposição final exclusivas de único município, mas fazer menção a estratégias de aproveitamento de unidades privadas de outras URGRs? Os critérios apresentados para o estabelecimento das URGRs pouco esclarecem as razões para esta ou aquela mudança nos rumos do desenho dos blocos regionais.
Aspectos econômico-financeiros
Embora se utilize de diversas referências para defender que a solução para a gestão dos resíduos sólidos “passa pela adoção de medidas consorciadas” (p. 11), a qual deve ser “priorizada e estimulada” à luz do que “preconiza a Política Nacional de Resíduos Sólidos” (p. 13), a equipe de Zema se baseia nos dados individualizados dos municípios disponíveis na base do SNIS, a partir da qual, de um universo de 624 municípios declarantes, pontuam que 279 municípios têm cobrança instituída pelos serviços, sendo que 9 apresentam superávit, 5 apresentam equilíbrio financeiro e os demais apresentam déficit, para concluir “que a cobrança deve ser instituída de forma fundamentada, para garantir a receita para pagamento do serviço e viabilizar investimentos para universalizar a prestação” (p. 15). Desta forma, ao promover a análise individualizada por município e apenas em termos da receita e despesa diretas de RSU, a equipe ignora ao menos duas questões: (i) a existência dos 32 consórcios por ela mesma mapeados, não apurando e tampouco debatendo as informações financeiras da solução integrada, desconsiderando sua qualificação quanto à sustentabilidade, não apenas das partes; (ii) a autonomia decisória dos titulares dos serviços em subsidiar os serviços de saneamento por meio de outras receitas municipais, por esses se relacionarem com as questões de saúde pública, meio ambiente, economia local, dentre outras. Assim, desta maneira, dão mais sinais dos alicerces pouco democráticos e primordialmente mercadológicos sobre os quais a presente proposta foi constituída.
Em relação às receitas e despesas, as estimativas econômicas pecam pela simplificação e generalização do estado em diversos pontos, a citar: (i) na adoção de uma contribuição per capita de resíduos única para todas a URGRs, quando a própria referência utilizada tem por objetivo apresentar a variação da produção de resíduos per capita em função de fatores como, por exemplo, o porte do município e a renda da população; (ii) a população considerada foi a total estimada pelo IBGE para cada município, não tendo sido na análise discriminada da população total as parcelas urbana e rural, com suas particularidades de geração e gestão, fato que certamente majorou os valores encontrados; (iii) rendimento da população avaliado em termos da renda per capita média apurada no Censo de 2010 do IBGE, corrigida pelo IPCA, ignorando as grandes desigualdades sociais e existência de inúmeras famílias em condições de extrema pobreza, pobreza e baixa renda; (iv) custos de aterramento considerados apenas para um porte de aterro (300 t/dia), independentemente da URGR, e; (v) custos considerados de forma incompleta, pois não foram incluídos estimativas de custos com a operação de coleta, seja tradicional ou seletiva, nem o serviço de transporte, dando sinais que talvez o modelo de negócio priorizado para a concessão das URGRs seja exclusivamente a operação de unidades de disposição final.
Embora os valores percentuais dos custos em relação ao rendimento médio da população e da arrecadação do município tenham representado faixas de baixos valores de 0,25 a 0,83% e de 1,5 a 3%, respectivamente, as simplificações elencadas no parágrafo anterior reforçam que os números encontrados não são precisos o suficiente para a conclusão definitiva de que as unidades regionais propostas representem o arranjo mais adequado à universalização dos serviços de gestão de resíduos sólidos. Conforme já mencionado, embora para afirmar a necessidade de instituição de cobrança a equipe tenha se valido apenas das receitas municipais diretas dos serviços de RSU, curiosamente, para afirmar a viabilidade do modelo proposto em termos da disposição final se valeu complementarmente da arrecadação municipal como um todo.
Conclusões
Com base na análise apresentada, defende-se a tese de que os estudos conduzidos pela equipe de Zema para a regionalização do saneamento são insuficientes para se ter certeza da segurança do processo de regionalização proposto, em especial, para se prever a universalização dos serviços nas metas e prazos estipulados na Lei 14.026/2020. Os critérios adotados, relativizados a depender do cenário em análise, além da percepção da adoção de critérios não declarados na NT, de uma forma geral, buscaram criar as URGRs em função dos consórcios e, sempre que possível, limitar o seu porte populacional, deixando a impressão de que tiveram por objetivo justificar a adoção de um cenário pré-determinado.
Mais uma vez a estimativa da capacidade de pagamento da população atendida foi baseada em valores de renda per capita média, desconsiderando as desigualdades sociais existentes no estado, seja em uma mesma localidade ou entre localidades distintas. No mesmo sentido, a estimativa da produção de resíduos ignorou as particularidades locais, regionais e econômicas, com valor de produção per capita único para todos os municípios do estado e a consideração da população total estimada em 2020 para os municípios, sem que houvessem abordagens distintas para a população urbana e rural. Novamente pode ser percebido na definição das URGRs, à semelhança do trabalho de definição das URAEs, um esquecimento total das questões de saneamento rural, maior dos maiores desafios à universalização dos serviços de saneamento.
Já a estimativa de custos considerou apenas a disposição final, com valores obtidos em estudo da FIPE, atualizados pelo IPCA. Destaca-se que dados locais mais completos e realistas, inclusive considerando coleta e transporte poderiam ter sido obtidos, caso a equipe de Zema tivesse integrado aos trabalhos os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos existentes.
Ao contrário, além de excluir os municípios e seus consórcios deste trabalho de planejamento, lembrando que o planejamento é responsabilidade indelegável do titular dos serviços, a equipe de Zema comete para com estes verdadeira afronta ao intervir e, inclusive, desarticular uma cooperação intermunicipal definida democraticamente por seus municípios-membros, intervindo em estruturas cooperativas estabelecidas de modo constitucional. Uma afronta não apenas à autonomia dos municípios, mas, também, à Constituição Federal.
Complementarmente, é importante mencionar o desperdício de recursos públicos ao se desconsiderar por completo o recente trabalho de planejamento que propôs a criação dos ATOs, realizado com olhar específico à gestão de resíduos sólidos e com critérios que em nada conflitam com a proposta de regionalização da prestação dos serviços, muito pelo contrário, dialogam diretamente com esta e são mais abrangentes e sólidos do que os apresentados na NT. Um desrespeito ao contribuinte mineiro que em nada lembra a eficiência alegada pelo atual governo até em seu slogan. O “governo diferente” deste mesmo slogan não precisa ser levado tão ao pé da letra ao ponto de ignorar os trabalhos realizados antes do atual governo, como se tivessem deixado de ser aplicáveis.
O papel do Estado é assistir, promover e seguir a constituição (seja a Federal, seja a Estadual), e não é isso que o estudo apresentado permite inferir.
[1] Engº Civil, M.Sc. em Saneamento (UFMG), diretor da H&A Saneamento e membro do ONDAS.
[2] Engº Civil, MBA em Gestão de Empresas de Saneamento (FJP), diretor da H&A Saneamento e membro do ONDAS.
[3] Engº Civil, M.Sc. e doutorando em Saneamento (UFMG), professor do CEFET MG e membro do ONDAS.
[4] A RMBH é composta por 34 municípios mais 16 pertencentes ao seu “colar metropolitano”, ao passo que a RMVA é composta por 4 municípios mais 24 pertencentes ao seu “colar metropolitano”.
LEIA TODA A SÉRIE DE ARTIGOS:
. A proposta de Zema para a regionalização do Saneamento em MG: qual futuro nos espera? – primeiro artigo
. Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário – Sobre a Nota Técnica Metodologia de construção das Unidades Regionais de Saneamento Básico no Estado de Minas Gerais – segundo artigo
. Gestão dos Resíduos Sólidos – Sobre a Nota Técnica Metodologia de construção das Unidades Regionais de Saneamento em MG – terceiro artigo
. Ponderações sobre o Anteprojeto de Lei da Regionalização do Saneamento em MG – quarto artigo