ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Governança metropolitana e política de saneamento: trajetórias dependentes na Grande São Paulo

Marcelo Aversa e Vanessa Elias de Oliveira*

Resumo
Este artigo aplica os conceitos de path dependence e critical juncture às relações intergovernamentais, estabelecidas concretamente entre municípios e estado no processo de metropolização de São Paulo (década de 1940), como metodologia de análise institucional histórica dos serviços de saneamento da Grande São Paulo. Da análise das legislações municipais e estadual, constatou-se o desenvolvimento institucional histórico da Sabesp e o processo de consolidação da trajetória dependente da prestação interdependente dos serviços de saneamento entre operadoras municipais (distribuição local) e estaduais (produção regional) durante o processo de metropolização da Grande São Paulo. Essa trajetória institucional dependente permanece até os dias de hoje na Região Metropolitana de São Paulo, como origem de conflitos judiciais por meio dos quais a Sabesp vem ampliando a sua atuação nos municípios metropolitanos.

Introdução
Uma importante questão do saneamento metropolitano na federação brasileira reside nos conflitos entre operadores municipais e estaduais dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário (saaes) 1 . Porque nossa federação se consolidou de forma trina, processos de centralização e descentralização federativas e de conformação dos arranjos institucionais de governança metropolitana também são muito peculiares. O pacto federativo pode estabilizar as bases de interação entre os entes federativos e destes com a sociedade, tornando as relações intergovernamentais (RIGs) mais cooperativas e menos competitivas. Essas mudanças institucionais, mesmo que lentamente, vêm ocorrendo na história recente brasileira. Se conflitos persistem, a questão, então, não é meramente de estabelecimento das regras do jogo, mas também de quando e de como ocorrem as mudanças institucionais ( Pierson, 2004 , p. 64; Thelen, 2000 ).

O problema deste artigo é discutir a reconstituição histórica dos arranjos federativos entre serviços municipais e estaduais da qual emergiu a forma interdependente de prestação dos saaes. Essa forma de RIG, formulada nas décadas de 1940 e 1950, apresentou-se como solução para a cooperação federativa na implementação da política de saneamento supramunicipal e, na atualidade, é a base de conflitos judiciais entre os poucos serviços municipais de saneamento existentes da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) (Sabesp, 2019, pp. 23-24). Em outras palavras, trata-se de discutir quais instituições e organizações e quando e como estas estabeleceram os arranjos institucionais pelos quais couberam, aos serviços municipais, operação de distribuição de água potável e coleta de esgoto no âmbito local e, para os serviços estaduais, coube a produção de água a grosso destinada a atender aos municípios, assim como, a coleta e o tratamento de esgoto em âmbito regional. A literatura institucionalista histórica adotada por este artigo possibilita uma análise política e histórica das instituições num horizonte temporal de longa duração, percorrendo da estruturação da Grande São Paulo na década de 1940 até a entrada em vigência da Lei Nacional de Saneamento Básico (lei federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 – LNSB). Isto porque a prestação de serviços de saneamento interdependente consiste na path dependency de arranjo institucional interfederativo para implementação de políticas de saneamento em âmbito regional, uma vez que foi adotada reiteradamente ( feedback positivo) desde a década de 1940 na Grande São Paulo até o presente momento, conforme estabelecido no artigo 12 da LNSB. 2 Em suma, este artigo pretende responder à seguinte questão: como a prestação interdependente de serviços de saneamento se consolida como trajetória dependente para a constituição de arranjos federativos voltados à implementação de políticas de saneamento supramunicipais na Grande São Paulo?

O neoinstitucionalismo histórico de Paul Pierson (2004) é assumido como lente teórica para compreender as trajetórias institucionais dos serviços de saneamento e seus efeitos para as relações intergovernamentais na RMSP. A aplicação dos conceitos institucionalistas históricos pressupõe um passo além de uma compreensão trivial da importância das instituições, à medida que se produza uma análise sobre “ quais instituições de fato afetam comportamentos e decisões, e como , isto é, por meio de que processos e mecanismos” ( Arretche, 2007 , p. 149, grifos da autora). Acrescentando-se as categorias tempo e sequência dos processos , o institucionalismo histórico de Pierson amplia a capacidade de análise para identificar regularidades e relações de causalidade, no sentido de compreender como as preferências dos atores são formadas pelo ambiente institucional de interação (Lima et al., 2016, p. 111, apud Pierson, 2004 , p. 54). Na literatura internacional, a aplicação dessa abordagem se inicia na década de 1990 ( Collier e Collier, 1991 ; Steinmo, Thelen e Longstreth, 1992). No Brasil, pesquisas realizadas por meio desta abordagem e referências vêm se ampliando a partir da década de 2000 ( Souza, 2003 ; Menicucci, 2009 ; Gomide, 2011 ; Leão, 2013 ; Fernandes e Wilson, 2013 ; De Sousa e Costa, 2016 ; Aversa, 2016 ; Bujak, 2018 ).

Essa narrativa histórica dos fatos, cujo método foi baseado em análises documentais, descritivos de séries temporais e comparações entre os períodos determinados pelos momentos críticos ( critical junctures ) de mudanças institucionais, tem como pano de fundo a periodização do processo de metropolização concebido por Jurgen Langenbuch em A estruturação da Grande São Paulo (1971). Adotou-se a teoria da causalidade de Paul Pierson, pela qual “os fatos históricos não são elementos definitivos com relações diretas de causa e efeito, mas sim obras complexas da temporalidade” ( Lima e Mörschbächer, 2017 , p. 112). A complexidade dessa narrativa histórica está na constatação de fatos cujas relações causais evidenciam a política no tempo porque se formam num movimento lento de processos de autorreforço, tendo em vista que seus efeitos se constituem como parte do resultado final a ser considerado num horizonte temporal de longa duração ( Pierson, 2004 , p. 95).

Para discutir essas questões, o artigo apresenta, além desta introdução e da conclusão, três partes: a primeira trata das diferentes abordagens institucionalistas da governança metropolitana brasileira; em seguida, a discussão sobre os momentos críticos na história institucional do saneamento e da governança metropolitana; por fim, a história institucional do saneamento na RMSP. Os conceitos de path dependency e critical juncture possibilitam compreender processos e marcos regulatórios em quatro períodos da história em questão: o da “Metropolização de Fato” (1946-1967), o do “Planasa” (1967-1986), o do “Vazio Institucional” (1986-2007) e o do “Plansab” (pós-2007). Concluímos com algumas considerações sobre os conflitos federativos na Região Metropolitana de São Paulo, decorrentes das indefinições judiciais sobre a questão da titularidade dos serviços de saneamento em regiões metropolitanas no Brasil. Esse caso, além de demonstrar as consequências deletérias das indefinições decorrentes de arranjos federativos inacabados, demonstra como arranjos cooperativos são frágeis quando não são reforçados pelos diferentes atores e instituições ao longo de sucessivos governos.

➡️ LEIA O ARTIGO NA ÍNTEGRA:
GOVERNANÇA METROPOLITANA E POLÍTICA DE SANEAMENTO: TRAJETÓRIAS DEPENDENTES NA GRANDE SÃO PAULO

*AUTORES:
. Marcelo Aversa – Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território. São Bernardo do Campo, SP/Brasil. (http://orcid.org/0000-0002-4921-9930)
. Vanessa Elias de Oliveira – Universidade Federal do ABC, Programas de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território e Pós-Graduação em Políticas Públicas. São Bernardo do Campo, SP/Brasil. (http://orcid.org/0000-0001-8916-4981)

 

 

 

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