ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Melhorar o controle e a vigilância sobre a água é garantir qualidade de vida

A qualidade da água disponível para consumo foi o tema de live realizada pelo ONDAS no último dia 20/5. Os especialistas Rafael K. X. Bastos, professor da Universidade Federal de Viçosa – Departamento de Engenharia Civil, e Érika Martins, engenheira sanitarista e mestre pelo IHE/UNESCO, discutiram e responderam perguntas dos internautas sobre a consulta pública da minuta de revisão do Anexo da Portaria de Consolidação nº 5/2017 (antiga Portaria nº 2914 / 2011) do Ministério da Saúde que trata do Controle e Vigilância da Água para Consumo Humano e o Padrão de Potabilidade. O debate foi mediado pelo coordenador geral do ONDAS, Marcos Montenegro.

O ONDAS tem participado e incentivado a participação de vários agentes sociais nesse debate,  na perspectiva de que, entre os padrões do direito humano à água, o quesito disponibilidade significa que abastecimento de água deve ser contínuo e suficiente para usos pessoais e domésticos. Além disso, a água deve apresentar qualidade segura para consumo humano e atender requisitos de aceitabilidade do ponto de vista sensorial (aparência, gosto e odor), entre outros.

O professor Rafael, que, desde de 2000, integra o grupo coordenador do Ministério da Saúde responsável pela revisão/atualização  da norma brasileira de qualidade da água para consumo humano, iniciou sua participação na live respondendo ao questionamento sobre a complexidade para cumprir as exigências da Portaria por sistemas pequenos como, por exemplo, em zona rural, comunidades quilombolas e tradicionais ou geridos comunitariamente. “Não é o porte que define o sistema de amostragem, mas sim se é sistema ou solução alternativa. E as exigências de plano de amostragem para sistema são bem maiores do que para as soluções alternativas, que são basicamente chafarizes, postos comunitários, ou seja, soluções que não têm distribuição por rede”, explicou.

Para ele, essa é uma questão importante, porque os índices percentuais de inadimplência em relação ao cumprimento das normas são muito grandes no país, tanto no que diz respeito ao cumprimento da Portaria dos planos de amostragem, como em relação ao padrão de potabilidade. Parte dos argumentos para o não cumprimento residem na compreensão de que os pequenos sistemas não seriam factíveis do ponto de vista técnico e financeiro. O professor ponderou que “isso é um fato. Muitos sistemas de pequeno porte vão enfrentar dificuldades, mas não podemos distorcer essa realidade com uma abordagem que expõe a nossa população a riscos”.

O plano de amostragem pretende ter uma base estatística, com fundamentação técnica que permita, com a maior segurança possível, aferir ou verificar o cumprimento do padrão de potabilidade, ou seja, verificar se a água é potável ou não, e se a população consumidora está segura ou eventualmente exposta a riscos.

“Muitas vezes, as populações situadas em zonas rurais, potencialmente, estão expostas aos mesmos riscos, senão maiores que a população urbana. Afinal de contas, essas populações podem residir em áreas agrícolas próximas a pontos de aplicação de agrotóxicos, por exemplo. Então, a questão não é flexibilizar o monitoramento, a questão é viabilizar o monitoramento. Temos que verificar se a água é segura para o consumo humano ou não, independentemente, das características do consumidor”, ressaltou Rafael.

Viabilizar o monitoramento
Para viabilizar o monitoramento da água em sistemas pequenos que não tenham capacidade instalada técnica, gerencial e principalmente financeira, Rafael disse que é preciso pensar em formas inteligentes de alternativas que viabilizem o monitoramento, seja através de programas do governo federal ou soluções consorciadas.

Complementando, Marcos Montenegro afirmou que “estamos realçando aqui a necessidade de equidade. Não é porque o brasileiro, a brasileira, mora em uma área rural, mora em uma área mais pobre, que ele vai tomar uma água que é menos segura”.

Impacto do modelo neoliberal
Érika Martins explicou sobre o impacto do modelo neoliberal na viabilidade do controle da qualidade da água, a ser executado pelo prestador de serviço e na vigilância da qualidade da água pelo setor da saúde. “Existe a dificuldade das empresas atenderem a Portaria, na medida que elas operam, tanto as empresas públicas como as privadas, em uma lógica de mercado, apresentando duas grandes dificuldades, uma no que diz respeito aos padrões de potabilidade e outro do plano de amostragem”, enfatizou.

Segundo a especialista, na questão do padrão de potabilidade, existe a dificuldade do prestador atender os valores máximos ou mínimos, porque depende de investimentos, que está limitado a um contrato de programa com os municípios, por exemplo.

Há um engessamento na necessidade de investimento, não apenas para o tratamento da água, mas também dos investimento ao tratamento de esgoto, o que forma um círculo vicioso. Com isso o que vem acontecendo é a deterioração muito grande das águas. E, nesse sentido, com relação ao padrão é preciso alternativas para sair dessa fragilidade”, explicou.

Para ela, falta uma maior intersetorialidade entre os agentes que operam os vários serviços de saneamento para que se consiga superar essa dificuldade .

Com relação ao cumprimento do plano de amostragem, Érika apontou que também é  complicado, porque dentro das empresas que operam nessa lógica da maior produtividade e redução de custo, o controle sanitário do prestador acaba sendo como uma outra área qualquer, que compete por recursos e compromete viabilizar equipes e tecnologia. Nesse sentido, é preciso pensar em soluções, porque, para ela, “é um custo que não tem que competir com os outros setores da empresa, porque ele é um custo obrigatório por lei”.

Vigilância sanitária
Sobre a questão da Vigilância Sanitária, Rafael ressaltou que vivemos em um país desigual e heterogêneo e essa desigualdade acontece tanto na questão do controle, exercido por parte das empresas, como da vigilância sanitária, que se apresenta de formas distintas nas diferentes regiões do país. “Temos disparidades regionais, disparidades locais”.

Nesses 20 anos da Norma de potabilidade, o professor reconheceu que existiu um esforço do Ministério da Saúde para capacitação na vigilância, mas é um desafio que ainda permanece.
“Para garantia da segurança da qualidade da água para consumo humano é preciso ter uma vigilância estruturada e atuante. O desafio permanece em fazer valer as disposições da Norma. Se há fragilidade técnica e financeira, não é por isso que devamos flexibilizar o monitoramento. Não é flexibilizando o monitoramento que nós vamos fortalecer a proteção”, explicou.

Uma das conclusões do debate é que precisam ser pensadas alternativas inteligentes e eficazes de garantir que o monitoramento seja realizado, e que a população tenha ciência da água que recebe e, assim, ter segurança para consumir.

Plano de segurança da água
Uma das novidades da Portaria é o plano de segurança da água, que tem uma etapa muito importante, a chamada identificação de perigo – inspeção sanitária ou inspeção das atividades predominantes em uma determinada bacia de contribuição, seja por monitoramento, por histórico de qualidade de água. Com isso, cada sistema pode pleitear à Vigilância monitorar aquilo que realmente seja relevante naquela área ou situação.

Rafael defendeu que “temos que pensar soluções eficazes, mas que garantam, em última instância, em qualquer situação que se revele, a água como de fato ela é, e que revele a segurança ou o risco que a população estaria exposta”.

Érika e participantes que interagiram com o debate destacaram a questão do agronegócio e da mineração, que externaliza parte de seus custos para o meio ambiente e para a própria água, tornando mais caro tanto o tratamento, quanto o próprio controle da qualidade da água.

Nesse sentido, constata-se que o saneamento precisa de um apoio maior do setor de agricultura, disponibilizando os dados necessários relativos aos agrotóxicos, tais como tipo, princípio ativo, local e período de aplicação, de forma que as operadoras possam fazer um monitoramento adequado dos mananciais, quanto aos parâmetros e momento correto de se fazer a amostragem. Só assim será superada a enorme dificuldade que existe hoje de se conseguir essas informações.

➡️ A íntegra da live pode ser assistida aqui.
➡️ Textos e documentos de apoio ao tema podem ser acessados aqui.

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