ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Pesquisa sobre coronovírus no esgoto: caminho para ações preventivas

A detecção da presença do novo coronavírus foi o tema debatido em live do ONDAS, neste 27 de maio, com a participação do Professor Titular aposentado da UFMG e pesquisador do INCT ETEs Sustentáveis, Carlos Augusto Chernicharo, e o Professor Doutor Léo Heller, pesquisador da Fiocruz e relator da ONU para os direitos humanos à água e ao saneamento.

Em suas exposições iniciais, os convidados abordaram as pesquisas internacionais que, recentemente, relataram que o vírus SARS-CoV-2 foi encontrado em fezes e esgoto, o que levantou a hipótese de transmissão fecal-oral. No entanto, ambos fizerem questão de ressaltar que não existe evidência de transmissão da Covid-19 por meio do esgoto.

“O vírus pode estar presente na água, mas não na água clorada. (…) E lavar a mão com água, água com sabão, é a primeira barreira e esse deve ser o foco dos prestadores de serviços de água”, disse Léo Heller, que mencionou seu artigo sobre o tema (leia aqui), no qual explora  possíveis rotas de transmissão da doença a partir das fezes e levanta a necessidade de pesquisas mais aprofundadas para auferir hipóteses e verificar o papel real das intervenções de água e saneamento na prevenção, caso seja comprovada como via de transmissão.

Pesquisas no Brasil
Chernicharo  explicou que as pesquisas realizadas no Brasil, pelo INCT ETEs Sustentáveis/UFMG e FIOCRUZ, detectaram material genético do novo coronavírus e não propriamente o vírus e ressaltou o que se pode chamar de aspecto “positivo” do vírus estar no esgoto.

“Se as pessoas que estão com o vírus, sejam portadores sintomáticos ou assintomáticos, estão excretando o vírus em diferentes estágios da doença. A presença nas fezes e no esgoto aparece durante muito mais tempo, inclusive antes da pessoa manifestar a doença. Então, seja possível que o vírus seja excretado pela pessoa com a doença durante quatro semanas, eventualmente, até por cinco semanas. Assim, temos uma janela de observação muito grande e importante”, afirmou o pesquisador.

O mapeamento do esgoto não é novo, ele vem sendo feito há muitas décadas por vários países, em especial na Holanda, que faz o mapeamento de diferentes agentes etiológicos, sendo a  poliomielite o mais clássico. A novidade é aplicar a metodologia para o novo coronavírus, uma doença que ataca o sistema respiratório, mas que está presente no esgoto.

Carlos explicou que a correlação que se faz é que o exame de fezes ou urina é utilizado pelos médicos para fazer um diagnóstico clínico de um paciente a partir do que esses elementos mostram. Ou seja, avaliam-se os biomarcadores presentes. “Nossa pesquisa agora é avaliar se esses mesmos biomarcadores estão no esgoto e, assim, se consegue fazer uma análise de um conjunto da população que contribui para o esgoto de uma determinada região e que está sendo monitorado”, explicou.

A pesquisa do INCT ETEs Sustentáveis/UFMG é feita por meio de um plano de monitoramento que abrange parte de Belo Horizonte (MG) e do município de Contagem (MG) e tem características diferentes de outros países. Por exemplo, na Holanda, França, Itália e Espanha, são coletadas amostras na entrada das Estações de Tratamento de Esgoto, porque nesses países há uma excelente cobertura de redes de esgoto. Então, ao pesquisar a ETE, se consegue mostrar a cidade de uma forma representativa. E mais, como não existem grandes diferenças socioeconômicas, o que transforma a amostragem em suficiente para entender a situação da cidade como um todo.

Realidade brasileira
No Brasil a realidade é bem diferente. Primeiro, porque nem todo esgoto coletado chega à ETEs; e outra parte dos esgotos não é nem coletada, indo para os cursos de água e ribeirões. Desta forma, a pesquisa em Belo Horizonte foi concebida em um plano de amostragem que leva em consideração diferentes extratos da população. Para isso, foram selecionadas 15 bacias hidrográficas e selecionadas regiões com índices de vulnerabilidade a maior e a menor. Com isso, busca-se entender se o vírus está circulando mais, se a carga viral presente no esgoto está mais presente em uma região, em detrimento de outra, e se associa-se a isso a os perfis socioeconômicos.

“Esperamos que a análise desses pontos nos dê indicação das pessoas que não são atendidas por redes coletoras, onde o esgoto ao invés de ir para a ETE vai direto para os ribeirões. Trata-se de um plano de monitoramento ousado, mas que, até o momento, tem apontado informações importantes”, afirma Carlos Chernicaro.

Carlos ressalta também a importância da pesquisa: “nos Estados Unidos, por exemplo, o resultado do monitoramento de 150 ETEs, demostrou que os números de casos de infectados são cerca de dez vezes maiores do que os números de casos confirmados. Isso em um país que testa muito. Então, é possível que no Brasil sejam encontrados números maiores ainda”.

Direitos humanos
Questionado pelo coordenador geral do ONDAS, Marcos Montenegro, o relator da ONU, Leo Heller falou sobre o difícil acesso à água em “assentamentos informais” com alta vulnerabilidade, onde, muitas vezes, o acesso não é disponibilizado pelos prestadores de serviços de saneamento.

“Os direitos humanos enfatizam que não pode haver discriminação ao acesso à água com base na ausência de posse do imóvel irregular. O Brasil é um país que se caracteriza por não ter nenhum tipo programa de moradia gratuita. É inaceitável negar água a essas populações”, ressaltou Heller. Ele também falou sobre o PL 4162/2019, que tramita no Senado, e se aprovado irá agravar ainda mais o acesso à água aos municípios mais pobres, uma vez que facilita à privatização do setor.

Os professores também enfatizaram a importância das pesquisas como forma de gerar informações que possam auxiliar os tomadores de decisão para ações complementares.

Léo Heller falou, ainda, que acha Chernicaro mais otimista que ele, pois o relator da ONU acredita que a transmissão fecal-oral do vírus deve ser comprovada, em um futuro, pelas pesquisas. Hoje, ainda não há comprovação.

“Obviamente, os testes indiretos feitos a partir do esgoto não substituem os testes clínicos, mas têm um potencial de mostrar a população como um todo, tanto aquela que manifesta a doença, como aquela que não manifesta”, esclareceu Chernicaro.

➡️ A íntegra da live pode ser assistida aqui.

Text
os e documentos de apoio ao tema:
➡️ COVID-19 Transmissão fecal-oral – nota conjunta da Fiocruz e INCT Etes Sustentáveis
➡️ Transmissão fecal-oral da COVID-19: Estamos fazendo as perguntas corretas?
– artigo de Léo
➡️ COVID-19 e o Saneamento no Brasil – artigo elaborado pelo INCT ETEs Sustentáveis – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto – alerta para os riscos da presença do coronavírus no esgoto/fezes.

LEIA TAMBÉM:
▪️ Publicações sobre a pandemia do novo coronavírus e o saneamento

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *