ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento

ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Prestadores privados e o acesso à água, ao esgotamento sanitário e às instalações de higiene nos estabelecimentos de saúde

Texto da interação ONDAS-Privaqua*
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PRESTADORES PRIVADOS E O ACESSO À ÁGUA, AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO E ÀS INSTALAÇÕES DE HIGIENE NOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE
Autora: Priscila Neves Silva

O acesso adequado à água, ao esgotamento sanitário, às instalações de higiene e à coleta de resíduos sólidos nos serviços de saúde é essencial para assegurar que profissionais de saúde possam trabalhar em um ambiente saudável, promovendo o cuidado e a atenção à saúde com qualidade. A falta de acesso a esses serviços coloca não apenas a saúde dos trabalhadores em risco como a de todos os pacientes e seus acompanhantes (WHO/UNICEF, 2020). Segundo pesquisa realizada em 2018, quase 16% das doenças infecciosas adquiridas nos serviços de saúde são atribuídas a ambientes com condições inadequadas de higiene, devido a falta de acesso a infraestruturas adequadas que permitam a correta lavagem das mãos, como água e sabão (BARTRAM et al, 2018). Além disso, pesquisa realizada pela OMS mostrou que a infecção por Covid-19 em trabalhadores de saúde tem sido bem maior do que na população em geral, uma vez que, apesar de representarem menos de 3% da população mundial, eles corresponderam a 14% dos casos de Covid-19 no nível global (WHO/UNICEF, 2020).

Importante ressaltar que, quando se fala em Direitos Humanos à Água a ao Esgotamento Sanitário, estes se referem a acesso adequado aos serviços em todos os ambientes e esferas da vida, como instituições de saúde, escolas e prisões (HELLER, 2019). No que se refere ao acesso em instituições de saúde, relatório da OMS e da UNICEF aponta que quase 2 bilhões de pessoas dependem de instituições de saúde que não têm acesso a esses serviços (WHO/UNICEF, 2020). No mundo, um em cada quatro estabelecimentos de saúde não tem acesso à água, um em cada três a instalações de higiene para lavagem das mãos, um em cada dez não tem instalações sanitárias e um em cada três não separa o resíduo adequadamente. Em países em desenvolvimento, apenas 50% das instituições de saúde têm acesso básico à água e 37% delas têm acesso básico a instalações sanitárias (WHO/UNICEF, 2020). No Brasil, dados da Joint Monitoring Programme de 2019 estimam que 55% das instituições de saúde têm acesso limitado a instalações sanitárias e 45% têm acesso básico (WHO/UNICEF, 2019). Cabe esclarecer que acesso básico à água, segundo a OMS, se refere ao acesso a fontes capazes de fornecer água segura dentro das instituições de saúde, e acesso limitado se refere a existência de uma fonte de água considerada segura a, pelo menos, 500 metros da instituição. Fontes de água mais distantes, ou que não fornecem água de qualidade, são consideradas como ausência de serviço. Já para as instalações sanitárias, acesso básico seria considerado acesso a banheiros capazes de separar, de forma higiênica, a excreta evitando o contato humano. Além disso, deve existir pelo menos uma instalação sanitária para os trabalhadores, uma instalação sanitária separada por sexo e uma com acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida. Acesso limitado indica a existência de apenas uma instalação sanitária com acesso adequado. Qualquer instalação sanitária diferente disso é considerada como ausência de serviço (WHO/UNICEF, 2020).

Devido à falta de acesso adequado aos serviços de água, esgotamento sanitário e instalações de higiene nas instituições de saúde, e sua relação com a incidência de doenças infectocontagiosas, principalmente para mulheres e crianças, o secretário geral da OMS, em 2019, conclamou os países para atuarem de forma global na melhora do acesso a esses serviços nessas instituições. Assim, em 2019, foi aprovada, por unanimidade, na Assembleia Mundial de Saúde, a resolução 72.7 sobre acesso à água, esgotamento sanitário e higiene nos estabelecimentos de saúde (WHO, 2019).  A resolução determina que os países devem estabelecer linhas de base e metas especificas priorizando o acesso a serviços de água, esgoto e higiene. Eles devem, em particular, 1) elaborar um roadmap nacional com financiamento apropriado; 2) monitorar, e realizar revisões progressivas, sobre a melhora do acesso aos serviços; 3) desenvolver as capacidades dos trabalhadores de saúde no que se refere aos serviços de água, esgotamento sanitário e higiene, e às práticas adequadas de higiene e 4) integrar os serviços de água, esgotamento sanitário e higiene ao setor de saúde, incluindo seu orçamento, e visando à qualidade dos serviços.

Dessa forma, a OMS chamou a atenção para a necessidade de os governos atuarem de forma mais efetiva para melhorar o acesso à água, ao esgotamento sanitário e higiene nas instituições de saúde. Para que essa resolução possa ser posta em prática, é necessário pensar se as políticas de gestão dos serviços de água e esgoto, em cada país, está alinhada com essas metas. No Brasil, após a aprovação da lei 14.026/2020 que estimula a entrada de prestadores privados, cabe perguntar se eles terão interesse em melhorar o acesso a esses serviços em instituições de saúde que se localizam em áreas vulneráveis, regiões rurais e de difícil acesso e periferias. O compromisso do gestor privado com a melhora do acesso a esses serviços, nos estabelecimentos de saúde, em especial nas unidades básicas de saúde que estão sob responsabilidade da gestão pública, deverá ser definida com muita clareza. Cabe lembrar que a Emenda Constitucional 95/2016, denominada de teto de gastos, gerou uma redução no orçamento para os serviços de saúde, o que pode impactar na disponibilidade de verba para pagamento das tarifas relacionadas aos serviços de água e esgotamento sanitário. Sendo assim, as empresas privadas podem ter dificuldade em assegurar retorno financeiro do investimento que deverá ser realizado para atingir a universalidade do acesso nessas instituições.

Referências
HELLER, L. Human rights to water and sanitation in sphere of life beyond household, in particular in public spaces. Report of the Special Rapporteur on the human rights to safe drinking water and sanitation( A/HRC/42/47). United Nations: Geneva. 2019.

WHO. WHA 72.7. Seventy-second World Health Assembly. Resolution about water, sanitation and hygiene in health care facilities. 2019.

WHO/UNICEF. Global progress report on water, sanitation and hygiene in health care facilities: fundamentals first. Geneva: World Health Organization; 2020.

WHO/UNICEF. Joint Monitoring Programme. Washdata in Health Care Facilities. 2019. Disponível em: https://washdata.org/data/healthcare#!/table?geo0=country&geo1=BRA

Autora:
– Priscila Neves Silva – Doutora e Mestre em Saúde Coletiva pelo Centro de pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, atualmente faz Pós-Doutorado junto ao grupo de pesquisa de Direitos Humanos e Políticas Públicas em Saúde e Saneamento da mesma instituição. É mestre em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidad Rey Juan Carlos (Espanha) e graduada em Fisioterapia pela PUC-MG.

* Privaqua é um projeto de pesquisa que busca entender o impacto da privatização dos serviços de água e saneamento nos direitos humanosRegularmente, o site do ONDAS publica notas do Privaqua de forma a dar transparência ao projeto e compartilhar alguns de seus achados preliminares.

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